sábado, 23 de outubro de 2021

Uma conversa sobre café


Há cerca de 4 anos comecei a tomar café de forma, digamos, mais detalhada: aprendi a moer o grão, a coar com água não muito fervente e a beber sem açúcar ou adoçante. Aprendi também que o pó de café não pode queimar quando é coado. Este problema fica muito evidente quando se trata de café expresso. O ideal é que a água esteja a 90ºC. Acho que este é um grande problema das cafeterias que frequento. Raras são as que não servem o café  expresso queimado.

Se o café não queima quando da filtragem, ele pode ser bebido sem açúcar ou adoçante. E sem açúcar ou adoçante se consegue perceber os sabores reais do café e suas nuances.

Para fazer em casa o café filtrado, melhor moer o grão. Apesar de existirem variedades caras e sofisticadas de grão, para o meu gosto, basta a moagem para que se sinta o cheiro e o frescor do pó. Também ainda não descobri as diferenças entre o pó resultante dos três tipos de moedores que uso. Como acho que a melhor marca de carro é o zero quilômetro, ainda estou na fase de achar que o melhor café é o recém moído.

Não sei quais países têm tradição de café, mas o cheiro e os outros odores dos demais produtos que compõem uma mesa de café, são tão ou mais encantadores do que os sabores. E o ritual do café em família ou entre amigos, ainda é parte do prazer.

O café que mais me dá saudade é o café da tarde, aquele que as pessoas tomavam por volta das 15 horas. Em Itajaí, na década de 1960 (minha infância), havia padeiro que vendia pães nas casas por volta das 14 horas e às 15 se montava uma mesa simples de café. Ali se tomava café com leite e pão com manteiga ou geleia. Mesmo aposentado, não consegui mais remontar estas mesas de café. Os tempos são outros.

Curiosamente, até ontem achava que o grande introdutor do café no Brasil fora Francisco de Melo Palheta. Lendo, porém, um capítulo do livro História Geral da Agricultura Brasileira - de Luís Amaral, p. 179/184 pdf (ver o livro aqui) descobri que há controvérsias sobre a origem do café brasileiro, inclusive se falando na possibilidade de termos espécies nativas de café.


sábado, 9 de outubro de 2021

Cortesões

 Cortesões eram as pessoas que compunham as cortes. Mas o que faziam? O título V do Livro 3 das Ordenações Filipinas dá uma relação dos cargos ocupados pelos que ficavam próximos do rei, talvez morando em palácio. As Ordenações os consideravam tão essenciais, que lhes davam o privilégio de somente serem processados na Corte. Ou seja, se alguém morasse em Salvador ou Recife, em 1680, por exemplo, e quisesse processar o Anadel Mor, teria que contratar um advogado na corte, em Lisboa e o processo tramitaria lá. Desanimador, não é mesmo?

Os cargos das pessoas que atendiam ao Rei eram, dentre outros, o Regedor da Casa da Suplicação, Presidente da Mesa do Desembargador do Paço, o Chanceler Mor, Desembargadores do Paço, Vedores da Fazenda Real, Desembargadores da Casa da Suplicação, Presidente da Mesa da Consciência e os Deputados dela, Escrivão da Chancelaria da Corte, os Oficiais da Justiça, que continuadamente nela andam, os Escrivães que escrevem perante os Desembargadores e Corregedores do Crimes e Cível dela, e haviam do Rei mantimento ordenado, Escrivães da Real Fazenda, o Escrivão da Puridade Real, os  Secretários do Rei, a pessoa, que despachava com o Rei as petições do Estado, o Mordomo Mor, o Camareiro Mor, Alferes Mor, Guarda Mor, Meirinho Mor, Reposteiro Mor, Anadel Mor, Monteiro Mor, Copeiro Mor, Aposentador Mor, Coudel Mor, Porteiro Mor, Caçador Mor, Almotacé Mor, Vedor da Casa Real, enquanto andassem na Corte. E se algum dos sobreditos tivesse contenda com outro algum de semelhante privilégio, em todo caso sempre litigariam na Corte.

Se algum Desembargador da Casa da Suplicação tivesse contenda com outro Desembargador da Casa do Porto, o da Casa da Suplicação seria demandado perante o Corregedor da Corte, e o da Casa do Porto perante o seu Corregedor, seguindo o autor o foro do réu .

E o Governador, Chanceler, Desembargadores da Casa do Porto, e os Escrivães dela, que tinham  mantimento do Rei, quer sejam réus, quer autores, poderão levar seus contendores à dita Casa, se quiserem perante o Corregedor dela litigar, posto que os réus sejam moradores nas Comarcas do distrito da Casa da Suplicação.

As atribuições de alguns desses cargos são mencionadas por Emanuel Pegas - neste link, volume 13, p. 152/84pdf.



sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Embaixada

 Tanto nas Ordenações Filipinas (Livro 3, Título IV), quanto em obras contemporâneas (veja--se, por exemplo, minhas postagens sobre a obra de CADORNEGA aqui, aqui e aqui), percebe-se que as embaixadas, no Século XVII, ainda não eram permanentes:

Nas Ordenações:

"1. Se algum Embaixador a Nós vier de fora do Reino com Embaixada de algum Príncipe, ou comunidade, tanto que entrar em nossos Reinos e senhorios, o havemos por seguro de qualquer malefício, que neles houvessem cometido em qualquer tempo, antes de ser enviado com a dita Embaixada; e em assim a todos os que sai companhia vierem pelo servir, e acompanhar na dita Embaixada, não sendo nossos naturais . E por tanto não sendo citados, acusados, nem demandados em nossa Corte, nem em outra parte de nossos Reinos, por tais malefícios, durando a Embaixada, e mais dez dias: salvo, acusando eles, ou cada um deles outrem, como dito é."

Em CADORNEGA, Tomo I, p. 156:

"Tomou posse João Corrêa de Souza, no ano de 1621, e logo no princípio do seu Governo, teve uma memorável embaixada, digna de individual narração. Assim que Gola Bandi soube, ser chegado novo Governador, desejando reconciliar-se com os Portugueses; e não ignorando o mau conceito, em que estes o tinham, pela sua pérfida conduta; com notável sagacidade, nomeou para embaixatriz, a sua Irmã Ginga Bandi, em cuja viveza e desembaraço, pôs toda a esperança."

Vicente M. Rangel dá interessante notícia sobre quando as embaixadas começaram a ficar permanentes:

"1. É noção difundida, embora nem sempre clarificada e aceita, a de que somente a partir do Século X V se constituíram as chamadas embaixadas permanentes."

E, enfim, estou estudando o motivo de, em 1955, a Escola de Samba Embaixada Copa Lord ter colocado "embaixada" em seu nome. A palavra "embaixada" teria o antigo sentido, o do século XVII,  ou seja, de missão de uma potestade à outra? É provável.

Abelardo Henrique BLUMENBERG (Avez-Vous)- Quem vem lá? A história da Copa Lord - Florianópolis, Editora Garapuvu, 2005, pp. 16 e 17 -  explica que o nome deveu-se a uma gíria carioca da década de 1950 ("copa Lord", que significava viver numa boa) e que Embaixada Copa Lord significava "vivermos numa boa nessa embaixada". O emblema da escola de samba era "um Ás de Copas significando o amor e paixão do sambista pela Copa Lord; o conjunto luva, cartola e bengala expressando a nobreza dos sambistas da escola".  (foto: Jônathas Paré)

Imagens, porém, podem ser interpretadas de várias maneiras, de modo que o Às de Copas poderia ser a copa; e a luva, bengala e cartola, o Lord.

O sentido de embaixada, porém, vai aparecer na p. 64, quando se menciona um "samba de quadra" intitulado "Copa Lord, a Embaixada do Samba". Na letra do samba não aparece a palavra embaixada. Fica-se com a interpretação do título, que remete ao antigo sentido de embaixada, aquele do século XVII (missão de uma potestade à outra). Faço aqui este registro, por achar interessante que, na Florianópolis de 1955 (ano da fundação da Embaixada Copa Lord) se revivesse um significado da palavra embaixada tão distante no tempo. Ou, talvez, este significado nunca se perdera na cultura popular florianopolitana (ou brasileira, caso todo o nome da Escola de Samba - e não só uma parte -  se tenha abeberado no Rio de Janeiro, como se insinua na p. 16 do livro de Avez-Vous).

(The meaning of the word "embassy" in the 17th century, in Portuguese.)


Privilégios processuais da nobreza

 Nas Ordenações Filipinas, os nobres não compareciam ao processo da mesma maneira que os plebeus. A começar pela citação, esta ocorria de forma diferente, o que, provavelmente, já dificultava o início do processo (Livro 3, título I):

"19. Os Infantes, Duques, Marqueses e outros grandes de nossos Reinos, que per antigo estilo e costume de nossa Corte, sendo achados fora dela, são citados per Carta de Câmera  para alguma causa, o não devem ser para falarem a ela, per passar de seis meses, nem para a execução da sentença. Porém sendo achados na Corte, podem e devem ser citados pelo Escrivão dante o Julgador, que houver de conhecer, ou conhece do feito; e isto se não entenderá na Rainha."

Mas havia outros privilégios processuais que se reivindicavam para a nobreza, como se pode ver em livro "Privilégios da Nobreza, e Fidalguia de Portugal", de Luiz da Silva Pereira OLIVEIRA, de 1806. Este livro, além de fazer uma lista de privilégios processuais, ainda reivindicava prioridade de acesso aos nobres dos cargos Estatais (ver nas páginas 120 e seguintes aqui). Penso que ainda hoje, no Brasil, há uma classe de pessoas que se imagina nobre e que continua reivindicando privilégios de nobreza, o que explicaria certas revoltas com o princípio da igualdade jurídico-política previsto no art. 5º da Constituição. 

Entretanto, não só a nobreza tinha privilégio de foro: também órfãos, viúvas e miseráveis tinham privilégio semelhante (veja-se o link acima - Livro 3, T. I). 

"E o órfão varão menor de quatorze anos, e a fêmea menor de doze, e a viúva honesta, e pessoas miseráveis , ainda que sejam autores, têm privilégio de escolher por seu Juiz os Corregedores da Corte, ou Juízes das auções novas na Casa do Porto, sendo do seu distrito, ou os Juízes ordinários do lugar, a que direitamente pertenceria o conhecimento da causa, qual eles mais quiserem. E esta mesma escolha e privilégio terá a viúva, e o órfão nos feitos, que ficarem começados per morte de seu marido, ou pai, ora fosse autor, ora réu." 

Órfãos eram os menores de 14 anos cujo pai havia morrido. Esta concessão aos órfãos, viúvas e miseráveis já vinha do Direito Romano, como explica Francisco C. Boy em interessante texto (UTILIZACIÓN PRAGMÁTICA DEL DERECHO ROMANO EN DOS MEMORIALES INDIANOS DEL SIGLO XVII SOBRE EL PROTECTOR DE INDIOS). 

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Processo parado por negligência das partes

 Nas Ordenações Filipinas (Livro 3, Título 1, item 15), se as partes deixassem o processo parado por seis meses, deveria haver nova citação. Mas, note-se, a permissão de inércia era de seis meses. Hoje, a permissão passou para um ano:

As Ordenações:

"15. E depois que passam os seis meses sem se falar ao feito, não estando concluso, ou estando concluso um ano na mão do Escrivão , sem se falar a ele, não se pode tornar a falar nele, até que a parte seja novamente citada."

O CPC de 2015:

"Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

(...)

II - o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;"

Mas a citação sempre teve deveria ser feita de dia:

As Ordenações

"16. Toda a citação deve ser feita de dia, em quanto o Sol durar. E sendo feita antes que o Sol saia, ou depois que se ponha, não valera coisa alguma."

No CPC de 2015 não há disposição específica, mas dá-se preferência ao dia claro: 

"Art. 212. Os atos processuais serão realizados em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas."