sábado, 31 de julho de 2010

Renda das Capelas

Sobre a renda das Capelas, assim dizia o Livro I, título LXII das Ordenações Filipinas: 55. E se a Capela não tiver tanta renda por que se possam cumprir os encarregos, e o Administrador não tiver certo salário assinado nos compromissos, o Provedor lhe assinará a quinta parte do que render, sendo a renda até a quantia de vinte mil réis. E passando a renda de vinte mil réis, haverá do que assim passar, de cada dez um, até chegar a renda a oitenta mil réis além dos vinte, de maneira que de cem mil réis leve doze. E toda a outra renda se despenderá nos encarregos do compromisso. E onde lhe for assinada certa coisa, posto que seja mais, ou menos de doze mil réis, ou lhe for assinada certa parte da renda, essa levará. Cândido Mendes de ALEMEIDA diz em nota ao título acima: Compromisso, isto é, a escritura do Morgado, ou Capela em que consta do seu estabelecimento, e condições.
Também se chama compromisso os capítulos reguladores, os estatutos das Confrarias ou Irmandades, que obrigam os que se comprometeram a observá-los.
Cabedo nas Erratas diz Comprimissos, e acrescenta:
“o verbo comprir, e aliud est compromissos, a verbo compromittere; e da palavra compromissos, nesta significação, falam as instituições e testamentos de Morgados e Capelas antigas”.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Diferença entre Capela e Morgado

A diferença entre morgado e capela eram assim feita no Livro I, título LXII das Ordenações Filipinas: 52. E os Provedores não entenderão, nem proverão, segundo forma de seu Regimento, nos bens dos Morgados, posto que tenham encarregos de Missas, ou obras pias, somente poderão prover se se cumprem os encarregos de Missas e obras pias, e os farão cumprir, como o podem fazer nas Capelas.


53. E por não vir em dúvida qual é Morgado, ou Capela, declaramos ser Morgado, se na instituição, que dos bens os defuntos fizeram, for contido, que os Administradores e possuidores dos ditos bens cumpram certas Missas ou encarregos, e o que mais renderem hajam para si, ou que os instituidores lhes deixaram os ditos bens com certos encarregos de Missas, ou de outras obras pias. E se nas instituições for contido, que os Administradores hajam certa coisa, ou certa quota das rendas que os bens renderem, assim como terço, quarto ou quinto, e o que sobejar se gaste em Missas, ou em outras obras pias: em este caso declaramos, não ser Morgado, senão Capela. E nestas tais instituições e semelhantes pode e deve entender o Provedor, posto que nas instituições se diga que faz Morgado, ou que faz Capela; porque às semelhantes palavras não haverão respeito, somente à forma dos encarregos, como acima dito é.


quinta-feira, 29 de julho de 2010

Pena e Perdão de Administradores de Capelas

Se alguém fosse punido por administrar mal uma capela, podia se defender, como constava no Livro I, título LXII das Ordenações Filipinas: 51. Pela mesma maneira suspenderão os Administradores, que lhes não mostrarem as instituições das Capelas que administrarem; e tirarão inquirição por pessoas antigas, que melhor possam saber a verdade sobre os bens e rendas, que à Capela pertencem, e dos encarregos, com que for ordenada, e no-lo enviarão, para provermos de Administrador, e farão cumprir os encarregos da Capela pelas rendas dela. Porém se os Administradores se oferecerem provar dentro de trinta dias, como por si e seus antecessores estão em posse da administração por tanto tempo, que a memória dos homens não é em contrário, sem saberem parte da instituição, e que sempre cumpriram os encarregos, que seus antecessores sempre cumpriram, ser-lhes-á recebida tal razão e não serão tirados da posse. E não a provando no dito tempo, serão tirados dela, e ser-lhes-á dado tempo para provar a tal razão. E provando-o assim, lhe será havida a posse imemorial por título e instituição. E a sentença, que por a dita prova for dada, se porá em tombo com os bens da Capela, com declaração de quais e quantos são, e dos encarregos, que se provarem que os Administradores e seus antecessores cumpriram, e eram obrigados cumprir, e serão tornados à sua posse.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Como eram fiscalizadas as Capelas

As Ordenações Filipinas assim tratavam a fiscalização das Capelas, no Livro I, título LXII: 50. E quando os Provedores chegarem a cada um dos lugares de suas Provedorias, saberão se as Capelas, que no dito lugar há, são administradas pelos Administradores leigos, e os farão ir perante si, e lhes mandarão, que lhes mostrem os testamentos, instituições e tombos das ditas Capelas. E se informarão, se cumprem as coisas, que nas instituições lhes são mandadas, e se as Capelas possuem os bens, que lhes diretamente pertencem, e se são aproveitados como devem. E achando que o Administrador não cumpre o que é obrigado, e por sua culpa os bens são diminuídos, ou se perdem, o suspenderão, e lhe tirarão tudo de poder, e no-lo farão saber, para provermos de Administrador, que o bem faça. E enquanto não provermos, entregarão a administração a uma pessoa do mesmo lugar, que administre bem, a qual haverá o prêmio, que o Administrador havia de haver, a respeito do tempo, que servir.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Obras pias nas Ordenações

Podia acontecer que alguém, ao instituir uma capela, desejasse que, com os rendimentos, fossem realizadas obras pias, sem dizer quais eram estas obras. As Ordenações Filipinas as definiam no Livro I, título LXII: 41. E porquanto em algumas instituições se mandam cumprir algumas obras pias, sem se declarar quais são, declaramos que são as Missas, Aniversários, Responsos, Confissões, ornamentos e coisas que servem para o culto Divino. E bem assim curar enfermos, camas para eles, vestir, ou alimentar pobres, remir Cativos, criar enjeitados, agasalhar caminhantes pobres, e quaisquer obras de misericórdia semelhantes a estas; nas quais quando os Prelados, ou seus Visitadores proverem por via de visitação, a pedido de parte, ou ex officio, e procederem contra os Administradores, Mordomos e outros Oficiais, por penas pecuniárias, ou censuras, por não terem cumprido o que a eles toca, os Provedores lho não contradigam. E sendo necessário, poderão os ditos Prelados pedir ajuda de braço secular para execução do que dito é.
Segundo Cândido Mendes de ALMEIDA, em nota ao acima referido título, Aniversários eram missas e sufrágios que se faziam anualmente por alma dos defuntos. Responsos e Responsórios eram orações ou súplicas, que se diziam pelos defuntos no fim das missas, com o mesmo destino.
Se diz braço secular, pois havia, quando o catolicismo era a religião oficial do Brasil, a jurisdição eclesiástica e a secular. Segundo C.M. Almeida, em 1870 e desde 1832, não tinha execução esta parte da Ordenação, em vista do art. 8 do Código de Processo Criminal. O referido art. 8º dizia o seguinte: Art. 8º Ficam extintas as Ouvidorias de Comarca, Juizes de Fora, e Ordinários, e a Jurisdição Criminal de qualquer outra Autoridade, exceto o Senado, Supremo Tribunal de Justiça, Relações, Juízos Militares, que continuam a conhecer de crimes puramente militares, e Juízos Eclesiásticos em matérias puramente espirituais.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Administração das Capelas

Sobre a Administração das Capelas, as Ordenações diziam o seguinte, no Livro I, título LXII: 40. E quando os administradores forem Clérigos, ou pessoas Eclesiásticas, posto que os Hospitais, Capelas e Albergarias não sejam fundados por autoridade do Prelado, podem os Prelados constrangê-los que cumpram em todo a vontade dos defuntos, e prover como administram os bens e coisas dos tais lugares. E se algumas Capelas são instituídas e fundadas por leigos, e os bens são profanos e os Administradores leigos, e em elas se hão de cantar algumas Missas, podem os Prelados, visitando, constranger estes Administradores, fazendo cantar as Missas. E em os outros casos o conhecimento e constrangimento pertence aos Juízes leigos.

domingo, 25 de julho de 2010

Origem da Palavra Capela

As Capelas eram reguladas não só pelas leis canônicas, mas também pelas normas estatais. Cândido Mendes de Almeida, em nota ao Tíulo LXII do Livro 1 das Ordenações Filipinas, informa que, “segundo Pereira e Souza no seu Dicionário Jurídico, esta palavra (capela) derivou-se de uma espécie de cofre ou caixa em que se guardavam os ossos ou relíquias dos Mártires a que se chamava - “Capsa”, formando a expressão – “Capela” – que designava o lugar do depósito desse cofre.
Na sua origem eram as capelas um lugar de Oratório, onde se juntavam os fiéis para celebrarem a memória dos Santos Mártires, à vista de suas relíquias.
A Capela de que se trata (nas Ordenações Filipinas) é um Benefício Eclesiástico fundado e unido a um desses Oratórios, formando uma espécie de vínculo. É uma instituição dos séculos cristãos, tendo um destino puramente eclesiástico. Diferia do Morgado, com que muito se parecia no seguinte:
Quando o vínculo tinha certo encargo pio e toda a renda era do Administrador, considerava-se – “Morgado”. Ao revés, quando o administrador do vinculo tinha certo prêmio por seu trabalho, e toda a renda pertencia ao encargo, era então considerado – “Capela”.
Os bens onde o vínculo não era expresso, embora houvesse algum encargo pio, não se podiam considerar de Capela. Alvará de 14 de janeiro de 1807 § 3.
Pela Lei. n. 56 – de 6 de Outubro de 1835 proibiu-se a instituição tanto das Capelas como dos Morgados; passando aos herdeiros dos administradores os bens desses vínculos que pertenciam a famílias; e para o Tesouro Nacional, as capelas vagas ou que tivessem caído em comisso.”
Morgados e Capelas eram definidos nas Ordenações, como será visto em outra postagem.

sábado, 24 de julho de 2010

Aniversário do Blog

Hoje é o primeiro aniversário deste blog. Agradeço a todos os que me honraram com sua leitura. Atualmente, a média mensal é de 800 visitantes.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Quem fiscalizava as Capelas

O TÍTULO LXII do Livro 1 das Ordenações Filipinas tratava Dos Provedores, e Contadores das Comarcas.
Cândido Mendes de ALMEIDA explica estes ofícios: O provedor das Comarcas era um Magistrado criado na antiga organização judiciária portuguesa para interferir em questões relativas a Capelas, Órfãos, Confrarias, Testamentos e outras obras pias.
Estes magistrados foram extintos com a nova organização judiciária do Império, como se vê da Lei de 3 de Novembro de 1830, do Código de Processo Criminal art. 8, e Disposição Provisória art. 18. Para ver o Código citado, clique aqui.
As funções que exerciam passaram para os Juízes de Direito e Juízes de Órfãos.
(...)
Pegas, no respectivo “Com.”, diz, apoiando-se em Garcia de Rezende, “Crônica de D. João II”, cap. 28, que fora esta Magistratura criação daquele Príncipe, sendo a especialidade de semelhante cargo o cumprimento das últimas vontades.
Todos os parágrafos deste título, segundo Pereira de Castro, no tratado – “de Manu Regia” – foram concordados nas Cortes de Leiria com o Rei D. Afonso V.
(...)

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Quem pagava a construção das Igrejas

A construção das igrejas, até o século XVIII, pelo menos, eram custeadas pelo Estado, como se vê pelas Constituições Primeiras do Arcebispado de Bahia, de 1707:
689. E não tratamos aqui do dote que é preciso tenha cada uma das Igrejas Paroquiais porque como todas as deste Arcebispado pertencem à Ordem e Cavalaria de Nosso Senhor Jesus-Cristo, de que S. Majestade é perpétuo administrador, tem o mesmo Senhor com muito católica providência mandado pagar pontualmente, e vão na folha os dotes das Igrejas, que é seis mil réis a cada Igreja, e oito para as que estão em Vilas: assim como com muito liberal mão como tão zeloso e Católico Rei manda dar grossas esmolas, assim para a edificação como para reedificação das ditas Igrejas.

Sobre as despesas decorrentes da construção de Igrejas, Darcy Ribeiro faz interessante comparação:
Com efeito, não há comparação possível entre o custo social das catedrais e mosteiros católicos da América Latina e a singeleza das igrejas de tábuas dos protestantes. Estas, além de onerar menos a população, liberando recursos para inversões produtivas, serviam, frequentemente, de escola, sustentando um esforço de educação oposto ao espírito elitista dos educadores católicos do Sul.(RIBEIRO, Darcy. Os Brasileiros – Livro I – Teoria do Brasil. Petrópolis, Vozes, 7 ed., 1983, p. 64).

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A construção de Igrejas e Capelas

As Capelas, no Brasil dos séculos XVII e XVIII, deviam ser de pedra e cal e não somente de madeira ou de barro (parágrafo 692 das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1707). Além disso, havia vários requisitos para a construção de capelas, como se pode ver pelos seguintes parágrafos das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707:
687. Conforme o direito Canônico, as Igrejas se devem fundar e edificar em lugares decentes, e acomodados. Devem ser edificadas em sitio alto, lugar decente, livre da umidade e desviado, quanto for possível, de lugares imundos e sórdidos e de casas particulares e de outras paredes, em distância em que possam andar as Procissões ao redor delas. E que se faça em tal proporção, que não somente seja capaz dos fregueses todos, mas ainda de mais gente de fora, quando concorrer às festas e se edifique em lugar povoado, onde estiver o maior número dos fregueses.

688. As Igrejas Paroquiais terão Capela maior e cruzeiro e se procurará que a Capela maior se funde de maneira, que posto o Sacerdote no Altar fique com o rosto no Oriente e não podendo ser fique para o Meio dia, mas nunca para o Norte, nem para o Ocidente. Terão pias batismais de pedra e bem vedadas de todas as partes, almarios para os Santos Óleos, pias de água benta, um púlpito, confessionários, sinos e casa de Sacristia; e haverá no âmbito e circunferência delas adros e cemitérios capazes para nele se enterrarem os defuntos; os quais adros serão demarcados por nosso Provisor, ou Vigário Geral, como acima fica dito, e os autos desta demarcação se guardarão no nosso Cartório e o traslado no Cartório de cada uma das Igrejas.

terça-feira, 20 de julho de 2010

A Primeira Capela II

Itajaí, 150 anos de direito, 352 de fato XVI

O requerimento ao Bispo para provimento de capelão de fato foi feito. A presença de um Capelão era condição essencial para que funcionasse a Capela, que já estava em construção. A Capela era edificada com invocação do SS. Sacramento e N. S. dos Remédios de Itajaí. O requerimento era de 5.1.1824 e já se pretendia que a primeira missa fosse rezada em 2.2.1824. Além da nomeação do Capelão, pedia-se ao bispo a "independência e separação territorial" do Distrito de Itajaí em relação a "Itapocoróia", com o que já havia concordado o Capelão daquele lugar. (o texto do requerimento se encontra em D'ÁVILA, Edison. Pequena História de Itajaí. Itajaí, Prefeitura Municipal de Itajaí, 1982, pp. 113-116).
Em 5 de janeiro de 1824, 21 pessoas assinam um requerimento ao Bispo do Rio de Janeiro, solicitando o desmembramento do Distrito de Itajaí do de Itapocoroi. Antônio Dias de Arzão é uma destas 21 pessoas. No requerimento é informado que ali habitavam trezentos fogos, ou seja, trezentas pessoas. O uso da palavra “distrito” não parece ter conotação política ou territorial. A julgar pelas vezes em que a palavra “distrito” aparece nas Ordenações Filipinas, aparentemente seu significado era de sede de um lugar, ponto central, sítio.
Na carta há um compromisso do Povo de, voluntária e generosamente, apesar de suas curtas possibilidades a fazer uma côngrua (= dar uma pensão) certa a seu Capelão até se acharem em circunstâncias de requererem a S.M. Imperial e Real o que por lei se concede às mais Freguesias.
O requerimento era necessário, pois não se podia edificar capela sem autorização do Bispo e, após pronta a edificação, somente se poderia dizer missa com nova autorização do Bispo (parágrafo 683 das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia).

segunda-feira, 19 de julho de 2010

A Primeira Capela I

Itajaí, 150 anos de direito, 352 de fato XV


Ao chegar a Itajaí, Agostinho Alves Ramos já tomou as providências para ser erguida uma Capela. Em carta de 21 de dezembro de 1823, Frei Agote comunicava ao Bispo do Rio de Janeiro que, em outubro daquele ano por uma das cláusulas entre nós concluídas (entre o Frei e os moradores de Itajaí), o povo ficou na obrigação de requerer a V. Exa. Revma. a Provisão que me é necessária para entrar em aquela ocupação. Nesta Carta, Frei Agote já se referia ao lugar como “Distrito de Itajaí”.
Nesta carta ao Bispo, Frei Pedro Antônio de Agote fornecia seu currículo. Isto era importante para descaracterizar sua situação de frade monástico e caracterizar a situação de frade secular, conforme veremos em outras postagens. Frei Agote chegara à Capitania de Santa Catarina em 3.9.1814. Era religioso espanhol da Ordem do Seráfico Pai São Francisco. Foi Capelão de Armação de Garopaba a partir de 30.11.1814. E, na carta ao Bispo, Agote deixa claro que, já para ser capelão de Garopaba, obteve, do Bispo do Rio de Janeiro, as superiores licenças de que ainda carecia, com as mais faculdades”. Agote ficou como capelão de Garopaba por quatro anos e oito meses, ao fim dos quais se tornou capelão da Capelaria de Armação de Nossa Senhora da Piedade, que era administrada pelo Administrador Geral Manoel Dias de Lima. Lá ficou por três anos e meio mês, saindo por motivo de doença, segundo alegou ao Bispo. Depois Agote foi para São Miguel, na Capela das Garoupas, ficando como capelão interino de 22.02.1823 até 09.6.1823, quando chegou o Padre Frei José da Ave Maria, que fora provido capelão. Diz Frei Agote, em sua carta ao Bispo, que Antes de passar a Santa Catarina, fiz uma digressão a Itapocorói, passando em Itajaí.... Para ir a Santa Catarina (hoje Florianópolis) só se passa por Itapocorói se o lugar São Miguel mencionado por Agote for a praia que fica ao Norte de Itajaí, pois há uma outra localidade de São Miguel ao Sul de Itajaí, entre esta cidade e Florianópolis. Nesta passagem por Itajaí, Frei Agote combinou alguma coisa com os moradores que parece que não deu certo. Aparentemente, o problema foi por causa do Procurador que deveria tirar duas públicas formas dos documentos enviados por Frei Agote.
A pública forma era a fotocópia da época: alguém copiava textualmente tudo que estava no original, inclusive timbres, sinetes, símbolos, rasuras etc. A pública forma foi se extinguindo com o uso de fotocópias autenticadas, mas ainda hoje é mencionada no Código de Processo Penal e, portanto, tem valor legal. Eu mesmo, em 1998, requeri uma pública forma à Secretaria de um Juízo, que só foi feita depois de eu explicar como se fazia.
Os documentos enviados por Frei Agote ao Bispo, então, tiveram uma pública forma e isto foi feito pela dificuldade que aqui há de mandar regular na Câmara Eclesiástica de São Francisco, para prevenir qualquer extravio que por casos imprevistos acontecem.
Frei Agote devolveu ao Bispo as licenças que venciam em 25 de junho de 1823 ou 1824 (isto não está muito claro na carta) quando se candidatou a Capelão de Itajaí (conforme texto da carta publicado em D'ÁVILA, Edison. Pequena História de Itajaí. Itajaí, Prefeitura Municipal de Itajaí, 1982, pp. 111-112)

domingo, 18 de julho de 2010

A FORMAÇÃO DA FREGUESIA

Itajaí, 150 anos de direito, 352 de fato XIV

Uma freguesia existe em função de uma Igreja. Fregueses são as pessoas que habitam em torno de uma igreja, ou recebem dela a assistência espiritual (freguesia vem da expressão filli eclesiae = filhos da igreja; esta é a origem da palavra freguesia e a origem das freguesias ainda hoje existentes).
Mas as freguesias acabaram, também, por ser uma unidade política.
Em fins do ano de 1823, passa a residir na região que então já era conhecida como Itajaí, Agostinho Alves Ramos, de profissão "guarda-livros". Com ele vem sua mulher e o Padre Franciscano Pedro Antônio Agote (FLORES, Maria Bernadete Ramos. História Demográfica de Itajaí – Uma População em Transição. 1866/1930. Florianópolis, 1979. Dissertação aprovada pelo Curso de Pós-Graduação em História da UFSC, p. 53).

sábado, 17 de julho de 2010

EM BUSCA DE UM FUNDADOR II

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato XVIII

Esta passagem de Drumond por Itajaí rendeu-lhe as glórias de fuindador da cidade, pelo menos até 1958 (1). É que Marcos Konder, com base unicamente na biografia do referido personagem (o próprio Konder confessa isso em sua obra “A Pequena Pátria”, p. 67), entendeu ser ele o fundador. E assim redigiu aquela obra, com base nestes dados. Mas não ficou só aí. Sendo prefeito de Itajaí, de 1915 a 1930, realizou, em 1920, as festividades do centenário de fundação da cidade. Mais tarde, em 1960, houve novas festividades comemorativas ao centenário. Desta vez, porém, celebravam-se os cem anos de instalação do município, em face de lei emancipatória de 1959.
Ocorre, porém, que isto de vir alguém fundar uma cidade, vila, freguesia, distrito, colônia ou lugar não ocorreu nem em São Francisco, nem em Itajaí. Quando Manoel Lourenço de Andrade chegou em São Francisco, lá havia uma capela e foi em 1553 que chegaram os primeiros povoadores. E Francisco Lourenço da Costa, em 1815, alegou, para receber uma sesmaria em Itajaí, que ali já tinha um armazém para recolher os efeitos que ali compra para o giro de seu negócio(2).
Portanto, já existiam – e isto foi visto anteriormente – pessoas no lugar. De modo que as informações disponíveis indicam que estas pessoas foram se instalando e, a partir de determinado momento, obtiverem a “oficialização” da póvoa como unidade administrativa canônica. E também estatal, já que, na época, Igreja e Estado se confundiam. Ao curato que seria criado em Itajaí, foi dado o nome de Santíssimo Sacramento do Itajaí.

Notas:
1 - FLORES, Maria Bernadete Ramos. História Demográfica de Itajaí – Uma População em Transição. 1866/1930. Florianópolis, 1979. Dissertação aprovada pelo Curso de Pós-Graduação em História da UFSC, p. 52.
2 - SILVEIRA JÚNIOR, Norberto. Itajaí. São Paulo, Comemorativas, 1972, p. 15

sexta-feira, 16 de julho de 2010

EM BUSCA DE UM FUNDADOR I

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato XVII

A partir de 1799, passam-se, então, os últimos 24 anos em que Itajaí é apenas um lugar de poucas casas, às margens do rio do mesmo nome.
No ano de 1820, lá chegava Antônio de Menezes Vasconcelos Drumond. Ele fora incumbido, pelo Ministro Tomaz Antônio de Vilanova Portugal, de fundar uma colônia. Sobre Drumond, Almeida Coelho fez alguns comentários, na obra “Memória Histórica da Província de Santa Catarina”, publicada pela primeira vez em 1853 e reimpressa em 1877. Este autor nasceu em 1792, na então Vila do Desterro. Assentou praça no Regimento de Linha da Ilha de Santa Catarina e, sendo reformado do serviço militar em 1849, foi nomeado Secretário da Câmara Municipal do Desterro (1).
A respeito de Drumond, Almeida Coelho diz o seguinte:
Este homem gastou um ano em passear e iludir o Ministro a bem de seu interesse particular, vexando aos pobres moradores do lugar, a quem dava a tarefa de serrar taboado, e cujos jornais nunca foram pagos, apesar de dispender a Fazenda Real, em tão pouco tempo, pois retirou-se em 1821, o melhor de cinco mil cruzados; não fez mais do que uma derrubada, sem deixar sinal algum de colônia. Ouviu-se por muitas vezes dizer: aproveitemos o Ministro de Estado que está velho (2).

Notas:
1 - PIAZZA, Walter Fernando. Santa Catarina: Sua História. Florianópolis, Editora da UFSC-Editora Lunardelli, 1983, p. 22.
2 - SILVA, Afonso Luiz da. Itajaí de Ontem e de Hoje. - não constam outros dados - p. 10.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

A POPULAÇÃO DE SANTA CATARINA NO SÉCULO XVIII

Datado de 17 de novembro de 1797, é enviado para Lisboa um relatório elaborado pelo governador de Santa Catarina, João Alberto de Miranda Ribeiro. Consta deste relatório que havia na capitania 24.892 pessoas, sendo 18.674 homens e mulheres livres, 5.191 escravos e 1.027 militares. O número de sacerdotes era de 26 e existiam 3 vilas, 6 freguesias e um distrito. As três vilas eram as seguintes: Vila Capital de Nossa Senhora do Desterro (hoje, Florianópolis), Vila de Laguna e Vila do Rio de São Francisco (PIAZZA, Walter Fernando. Santa Catarina: Sua História. Florianópolis, Editora da UFSC-Editora Lunardelli, 1983, p. 215).
Em 1799, o Padre Bento Cortes de Toledo, “visitador do Continente do Sul”, relatava que a Vila de “Nossa Senhora da Graça do Rio de São Francisco” tinha 3.731 almas de confissão e comunhão. Existiam duas capelas filiais, uma delas dedicada a São João Batista na “armação” de Itapocoroi. Esta capela era a mais próxima de Itajaí, de onde distava, aproximadamente, 30 km; e estava a 60 km de São Francisco, também em números aproximados. Ainda em São Francisco havia 3 padres e entre as 3 vilas e os seis distritos, era esta a segunda mais populosa, superada somente pela vila capital.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Conflitos de Terras no Século XVIII (5)

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato XVI

Na sequência dos acontecimentos, em 30 de abril de 1796, o demarcador da Real Fazenda, José Ferreira de Mendonça, conclui um mapa das sesmarias existentes na Foz do Rio Itajaí. Ocorre que entre os proprietários das sesmarias mapeadas estava um com o nome de João Dias de Arzão. A sesmaria ficava na frente da foz do Rio Itajaí-Mirim, uma região que fez parte do município de Itajaí até 1962, quando do desmembramento do município de Navegantes (1). Este Arzão que assinou, em 1796, o documento que certificava a exatidão das medidas e confrontações era casado com Maria do Rosário e morreu afogado no Itajaí em 4 de novembro de 1797. Era filho de Antônio Dias de Arzão (...) e que morreu viúvo, com 90 anos, no dia 20 de setembro de 1796.” Foi sepultado em Itajaí (20).

Notas:
1- SILVEIRA JÚNIOR, Norberto. Itajaí. São Paulo, Comemorativas, 1972, p. 29.
2 - SILVA, Pedro Ferreira e. Reminiscências. Itajaí-Cem Anos de Município. Itajaí, 1960 (sem numeração de páginas).

terça-feira, 13 de julho de 2010

Conflitos de Terras no Século XVIII (4)

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato XV

O requerimento de Arzão foi despachado em 1794 e consistia numa apelação ao Vice-Rei do ato do governador da Capitania, que concedera as sesmarias. Este era um tipo de apelação feito em autos extra-judiciais, assim regulado no Livro 3 das Ordenações Filipinas:

TITULO LXXVIII

Quando poderão apelar dos autos, que se fazem fora do Juízo, e de que efeito serão as protestações, que se fazem fora dele


Há alguns autos extrajudiciais, que se tratam e fazem em modo de jurisdição, e estes convém somente as Universidades das Cidades, Vilas, Conselhos, Colégios, Confrarias, e quaisquer outros semelhantes, quando juntamente fazem alguns autos, que por seus Estatutos antigos e sentenças lhes pertence fazer em suas Vereações, Colégios, ou Confrarias. E destes podem licitamente apelar para Nós, e para nossos Desembargadores e Oficiais, para isso ordenados, as partes, que se sentirem agravadas, salvo, se os autos forem tais, que segundo nossas Ordenações, ou privilégios, que lhes por Nós forem dados, ou confirmados, façam fim em eles por sua determinação.

Porém neste caso, posto que não possam deles apelar, poder-se-ão agravar a nós por simples querela, fazendo primeiramente requerimento aos Oficiais da Universidade do que se algum sentir agravado, e declarando o agravo, que lhe é feito, e requerendo que seja emendado com justiça. E quando lhe não for emendado, peça Carta testemunhavel, ou instrumento de agravo com resposta dos Oficiais, para sermos informados por as tais escrituras, se a parte é agravada, e a provermos, como for justiça. 0 qual instrumento, ou Carta testemunhável apresentaram ante nós dentro de trinta dias.
Este tipo de recurso ao Vice-Rei podia ocorrer em caso de esbulho:
Assim como, se um homem esbulhasse outro de alguma causa, que ele possuísse pacificamente, em tal caso não se acha por Direito que de tal auto possa apelar, mas é dado o dito remédio, que se chama interdito, por o qual (provando ele como foi justamente esbulhado) será logo restituído à posse da coisa sem outro embargo, nem será o que esbulhou, relevado da dita restituição, ainda que diga que a coisa esbulhada é sua e tem em ela propriedade, ou qualquer outro direito.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O Antigo Delito de Assuada II

E assim continua o texto do Livro 5, Título XLV das Ordenações Filipinas:
2. E se fizer ajuntamento de gente pela maneira sobredita, para ir fazer mal, ou dano, posto que com ela não vá, nem saia a fazer mal, mandamos que pelo ajuntamento, que fez, de gente para fazer mal incorra nas penas de dinheiro sobreditas somente, segundo a diferença das pessoas acima ditas.
3. E o Juiz do lugar, em cada um dos sobreditos malefícios acontecer, será obrigado tirar devassa, posto que lhe não seja requerido e proceder por ela contra os malefícios acontecer, será obrigado tirar devassa, posto que lhe não seja requerido e proceder por ela contra os malfeitores, como for Direito.
4. Qualquer pessoa, que por força entrar em alguma casa, quebrando as portas, ou lançando-as fora do couce (segundo ALMEIDA, fora do couce significa fora da couceira, dos eixos, ou gonzos. Couce ou Couceira é a peça de pau, sobre que a porta se volve, em seus gonzos, dobradiças, quieto), ora consigo leve gente de assuada, ora não, e for para ferir, matar, roubar, forçar, ou tomar mulher, ou injuriar alguma pessoa que dentro na casa esteja, posto que nenhuma das sobreditas coisas faça, será degradado para sempre para o Brasil e mais pagará a injúria a parte pela força, que lhe assim fez, havendo respeito a qualidade das pessoas.
E além disso será punido, segundo o dano, ou ofensa, que lhe dizer.
5. Defendemos, que nenhuma pessoa feche portas algumas por fora contra vontade de seus donos, ou sem eles saberem; e o que o contrário fizer, se for peão, seja açoitado publicamente com baraço e pregão pela Vila; e sendo de maior condição, será degradado dois anos para África.
E se quando assim fecharem as portas, fizerem outro malefício, ou forem com assuada, serão punidos, segundo por outras nossas Ordenações merecerem.

TÍTULO XLVI

Dos que vem de fora do Reino em assuada a fazer mal

Se alguns forem tão ousados, que de fora destes Reinos venham a eles com assuada, ou por outra maneira, para mal fazerem com armas, mandamos que percam as armas, que trouxerem e sejam presos até nossa mercê.
E cometendo algum crime, ou malefício, haverão pena, que por nossas Ordenações e Direito merecerem.

domingo, 11 de julho de 2010

O Antigo Delito de Assuada I

O texto das Ordenações Filipinas sobre assuada era o seguinte:
Qualquer pessoa, quer com ajuntamento de gente, além dos que em sua casa tiver, entrar em casa de alguém para lha fazer mal e o ferir a ele, ou a outrem, que na dita casa estiver, morra morte natural.
E posto que não fira, se for peão, seja publicamente açoitado pela Vila com baraço e pregão e degradado dez anos para o Brasil.
E se for Escudeiro, ou Cavaleiro, ou daí para cima, será degradado dez anos com pregão na audiência para África.
1. E se o ajuntamento de gente, que assim fez, for para fazer mal, ou dano a alguma pessoa e não entrarem em casa alguma, posto que com o ajuntamento não faça mal, nem dano, se for Fidalgo, seja preso e degradado quatro anos para África e pague cem cruzados, a metade para quem o acusar, e a outra para nossa Camera.
E sendo escudeiro, ou Cavaleiro, pague cinqüenta cruzados pela mesma maneira.
E sendo peão, seja açoitado publicamente com baraço e pregão, e pague vinte cruzados pelo mesmo modo; e não os tendo, seja degradado dois anos para África.
E estas mesmas penas, segundo a diferença dos casos e das pessoas haverão os que forem na assuada e ajuntamento para fazer mal, ou dano, posto que não seja o que fez o dito ajuntamento: salvo no caso de morte natural, porque somente haverá o que em tal ajuntamento for, morte cível em lugar de morte natural.
Cândido Mendes de ALMEIDA, em nota de rodapé, esclarece sobre a expressão Morte cível em lugar de morte natural: É o primeiro título que trata positivamente de morte civil por contraposição de morte natural. (...) A pena de morte civil segundo as Leis do Reino e atesta Phoebo – Decreto 158 nº 5, é coisa duvidosa, porquanto alguns sustentam que essa pena é o degredo perpétuo e outros o desterro, que é o degredo perpétuo com confiscação de bens. (...) A favor da primeira opinião está a praxe que atesta Phoebo na Decreto 155 n. 10, dizendo que assim sempre vira praticar e que desterro além de 10 anos já era morte civil, assegurando que assim ouvira fora resolvida pelo Rey em certa Consulta.
Mas a opinião de Phoebo foi fortemente combatida pelo celebre professor Paulo Rebello no seu Tratado de Lege Naturali, cap. 23 illat. 1 n. 25, dizendo que Phoebo falava ineptamente, porquanto nunca o desterro sem a confiscação dos bens se pode chamar morte civil.
Entretanto Silva Pereira mantem a doutrina de Phoebo (...), declarando que não poucas vezes o degredo sem confiscação de bens se reputa morte civil.

sábado, 10 de julho de 2010

Conflitos de Terras no Século XVIII (3)

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato XIV


Matias Arzão e os demais requerentes que assinaram o documento para o Vice-Rei, acusaram os sesmeiros de 1792 de obtenção das terras mediante uso da força e prática de assuada. Tratava-se de delito definido no Título XLV das Ordenações Filipinas. O crime de assuada era assim definido no Livro 5 das Ordenações Filipinas:
TÍTULO XLV - Dos que fazem assuada, ou quebram portas, ou as fecham de noite por fora.
Segundo Cândido Mendes de ALMEIDA, em nota de rodapé, citando outro comentarista das Ordenações Filipinas, Assuada (era) o ajuntamento de pessoas estranhas para fazer mal a alguém. Chamava-se outrora assuada, o clamor ou gritaria com que se pedia socorro, do do Latim bárbaro – assunata. Em 1870 usava-se desta palavra no sentido de qualquer briga, tumulto, motim de pessoas com grande alarido e vozeria. As Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas definiam Assuada como o ajuntamento de gente armada, convocada para fazer alguma guerra, dano, ou desordem à casa de outrem, ou em algum lugar, Vila etc.
A Ordenação, portanto, não fixava o número de pessoas para constituir a assuada... Mendes de Castro na prática Lusitana p. 2 liv. 5 cap. 1 n. 47 opinava que para haver assuada bastavam três ou quatro homens. Era esta a opinião de Bartholo. O Alvará de 12 de Agosto de 1717 declarou que o ajuntamento de quinze pessoas tanto escravas, como familiares nas ilhas de Cabo Verde era caso de devassa; mas como bem nota o Dr. Basílio nas Liç. De Dir. Crim. tit. 4 § 3 não se acha bem definido este crime, pois diz o Alvará – se ajuntar algum morador com o número de 15 pessoas .....daí para cima que se repute como assuada.
A Lei 4 § 3 Dig. de vi bonor. raptor fixa em 10 ou 15 pessoas o número de indivíduos necessários para constituir assuada; por ela como subsidiária se guiavam os Juízes. Este crime se achava “prevenido no art. 285 do Código Criminal (do Império) sob a designação de ajuntamento ilícito, assim como nas Leis de 6 de Junho de 1831 art. 1, e de 26 de Outubro do mesmo ano art. 7, onde o moderno Legislador usa também da palavra assuada, como sinônimo de tumulto e motim.
Para dar-se assuada basta o concurso de três pessoas.”

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Conflitos de Terras no Século XVIII (2)

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato XIII


Observa-se que, no requerimento feito ao Vice-Rei em protesto contra invasão de suas SESMARIAS, Matias Arzão e os demais requerentes, utilizando linguagem jurídica, procuravam encaixar os fatos e os argumentos em conformidade com a lei. Alegaram, entre outras coisas, que cultivavam uma terra que estava abandonada e que pertencia à coroa e de tudo pagavam os dízimos reais. Por terem declarado que já tinham pedido sesmarias, sem as obter, pode-se concluir que eram posseiros. Todavia, segundo diziam eles, sua posse estava em conformidade com a lei, de modo que foram desapossados mediante o uso da força.
Quanto aos esbulhadores, sempre na versão do requerimento de Arzão, eles obtiveram as terras por concessão obsequiosa do governador, não as podendo cultivar por morarem em Desterro (hoje Florianópolis). E por este motivo queriam as terras para fazer negócio mercantil – como já teria ocorrido com um deles – o que era contrário às leis do reino, pois proibiam a venda das mercês e graças que o rei concedia.
Para os posseiros, deve ter ficado a impressão de que o governador não cumpria as referidas leis do reino. É que entre os que receberam sesmarias em 1792, só Alexandre José de Azeredo Coutinho efetivamente ocupou as terras, segundo os dados até agora publicados. O lugar da ocupação é, hoje, o bairro Fazenda.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Conflitos de Terras no Século XVIII (1)

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato XII


Algumas das concessões de sesmarias em São Francisco, mas na região onde hoje é Itajaí, foram contestadas já em 1793, num requerimento dirigido ao Vice-Rei por Matias Dias de Arzão,Silvestre Nunes, José Correa e outros que alegavam ter sido desapossados das terras que ocupavam, por ato arbitrário do Governador da Capitania da Ilha de Santa Catarina (1).

Este governador era Manoel Soares Coimbra , que exerceu o cargo de janeiro de 1791 a 8 de julho de 1793. Ele fora comandante do Batalhão de Artilheiros-fuzileiros da Capitania, a partir de 1783. Neste posto foi que respondeu a um processo, com sequestro de bens, do qual foi absolvido e teve reintegração total e promoção a Brigadeiro. (2)

Notas:
1 - SILVA, J. Ferreira da. Os primeiros moradores. Itajaí-Cem Anos de Município. Itajaí, 1960 (sem numeração de páginas).
2 - PIAZZA, Walter Fernando. Santa Catarina: Sua História. Florianópolis, Editora da UFSC-Editora Lunardelli, 1983, pp. 126 e 132.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Banheiros de Uso Comum


Conheço poucos banheiros de uso comum que são satisfatoriamente limpos. Banheiro limpo é aquele que se usa sem receio e sem nojo. Os banheiros mais limpos que vi foram na Disneylândia, em Orlando. As privadas tinham um sensor que, quando o usuário se levantava, a descarga era acionada automaticamente. Os tampos, na parte da frente, ou eram mais amplos, ou eram abertos. Ou seja, o pênis do usuário que estivesse defecando não ficava em contato com o bacio. O chão era limpo, sem pingos de urina; quando há estes pingos nauseabundos, o usuário que preza pela higiene e se senta no bacio, tem que passar um papel no chão para não molhar a calça. Não vi banheiros assim limpos nem em São Paulo (shoppings e aeroportos), nem no Rio de Janeiro; nem em outras cidades que visitei; nem em Blumenau, Balneário Camboriú, Itajaí e Florianópolis, que é onde mais circulo. Sempre há uma sujeira no bacio, ou no chão; ou o bacio é pequeno demais e parte "das partes" encosta na porcelana, enfim, sempre se fica com um certo receio de contaminação ou nojo mesmo. Nos restaurantes a coisa não é melhor. E aí a sensação é pior ainda, pois se julga a limpeza da cozinha de um restaurante pela limpeza do banheiro. Falo aqui só dos banheiros masculinos, pois não conheço os femininos. Os tais “pipis-móveis” então são um desastre, uma imundície: escuros, sem espaço e sem higiene. Para urinar já são ruins; para defecar, terríveis: o fulano nem se sente seguro para sentar.
Os mictórios também não ficam melhor. Geralmente são feitos para homens altos, de modo que os mais baixos mal conseguem alcançar o recipiente. Além disso, ficam sujos de urina e pelos pubianos. Altos ou baixos, quem urina quase sempre deixa pingar urina no chão; e o usuário seguinte tem que urinar com os pés na urina dos outros que o antecederam. O mictório mais higiênico que vi foi no McDonald's da Avenue des Champs Elysees de Paris. A montagem acima dá uma idéia: eram três placas de granito e uma grade embaixo. O usuário dirigia o jato de urina para a placa do meio, que era lavada por um esguicho de água. Eventuais pingos de urina caíam na grade, que ficava sobre um grande ralo, por onde escorriam, sem ficar qualquer resíduo no chão. Muito prático e eficiente. Também foi em Paris, Montmartre, perto da Igreja do Sacré Coeur, que vi o banheiro público mais prático de todos: abre-se uma porta e dentro há uma bacia, na qual se pode urinar ou defecar. Acima, corre uma água para lavar as mãos. Depois do uso e ao se fechar a porta, tudo o conjunto se recolhe automaticamente para um nicho, onde recebe um jato d´água que tudo limpa; e o equipamento volta à posição normal.
Mas não bastam as tecnologias: por mais lambonas, ou porcalhonas que as pessoas que usam banheiros sejam, esta lambonice é parte do uso, é consequência do uso. Logo, há que se ter cuidado com a limpeza, também, ou seja, há que ter alguém encarregado de limpar, com a frequência desejada.

terça-feira, 6 de julho de 2010

ÁLCOOL ou ETANOL

Tenho percebido nos postos de combustível que trocaram o nome do álcool nas bombas e colocaram etanol. Sempre fico apreensivo com certas mudanças que negam um passado. Álcool tem origem árabe, como é o caso de açúcar, arroz, almoxarife e outras. Os árabes (mais especificamente os muçulmanos) dominaram a Península Ibérica de 711 a 1492). Do ano de 1500 para cá muitas palavras árabes que estavam na língua portuguesa caíram em desuso ou são pouco conhecidas; outras continuam em uso. Vejamos: albarda (sela), alcaide (chefe de polícia), alcouce (prostíbulo), alcova (quarto de dormir), almáfega (tecido grosseiro), almocreve (condutor de bestas), almotacé (fiscal de abastecimento), almoxarife (responsável pelo estoque – sentido atual), almoeda (leilão), alfândega (serviço aduaneiro), alvará (autorização oficial), anadel (chefe de companhia militar), atafona (moinho, azenha), azemel (condutor de azêmola), azêmola (besta de carga), azenha (atafona), azinhaga (caminho), sisa (provavelmente oriundo do imposto que os muçulmanos cobravam dos cristãos, denominado “jizya"). Qual seria o motivo para trocar álcool para etanol?

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Montesquieu e o Ministério Público

Em Montesquieu há o seguinte trecho sobre os primórdios do Ministério Público:
Em Roma, permitia-se a um cidadão acusar outro. Isto era estabelecido segundo o espírito da república, em que cada cidadão deveria ter um zelo ilimitado pelo bem público, em que cada cidadão é reputado como tendo todos os direitos da pátria nas mãos. Cumpriram-se, na época dos imperadores, as máximas da república e, a princípio, viu-se surgir um gênero de homens funestos, uma turba de delatores. Quem quer que tivesse muitos vícios e talentos, uma alma vil e espírito ambicioso, procurava um criminoso cuja condenação pudesse agradar ao príncipe: era o caminho para as honrarias e a fortuna, coisa que absolutamente não vemos entre nós.
Temos atualmente uma lei admirável: a que determina que o príncipe, estabelecido para fazer executar as leis, designe um representante em cada tribunal, para processar, em seu nome, todos os crimes. Assim, a função dos delatores é desconhecida entre nós e, se este vingador público fosse suspeito de abusar de seu ministério, obrigá-lo-iam a nomear seu denunciador.
Nas leis de Platão, os que negligenciavam de advertir os magistrados ou de prestar-lhes auxílio devem ser punidos. Hoje, isso não seria conveniente. A parte pública vela por seus cidadãos: ela atua e eles estão tranquilos (1).
A obra de Montesquieu é de 1748. Isto não quer dizer que ele ou os franceses tenham inventado o Ministério Público. Em Portugal, desde 1521, as Ordenações Manuelinas já regulamentavam o ofício de Promotor da Justiça, um Desembargador encarregado de fazer a acusação dos crimes. Veja aqui o trecho das Ordenações Manuelinas que tratam do assunto.

Notas:
1 - MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de la Brède et de. Do Espírito das Leis. Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. São Paulo, 2ª Edição, Abril cultural (Os Pensadores), 1979, p. 418.

domingo, 4 de julho de 2010

AS SESMARIAS II

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato XI

A década de 1790 tem alguns fatos importantes: em 1791, D. Maria I, Rainha de Portugal fica louca; em 1792, Tiradentes é enforcado no Rio de Janeiro. Talvez os açorianos que chegaram em Santa Catarina entre 1748 e 1756 estivessem se expandindo para fora da então Desterro. Mas não há notícias disso, pois, segundo PIAZZA (1), sua expansão se deu, até 1854, pelos arredores da hoje Florianópolis, então desterro (N.Sra. da Lapa do Ribeirão, 1809; Santíssima Trindade, 1835; São João Batista do Rio Vermelho, 1834; S. Fco. de Paula de Canasvieiras, 1835; Bom Jesus dos Aflitos de Porto Belo, 1821 – à qual pertenceria Itajaí a partir de 1832; São Sebastião da Foz do Tijucas Grande, 1867; Santo Amaro do Cubatão, 1854; São João Batista do Imaruí, 1833).
Assim, o que acontecia, na década de 1790, no que veio a ser Itajaí, não parece ter, a princípio, relação com fatos nacionais ou provinciais do período. Mas parece que, naquela década de 1790, houve um aumento dos donos de terras.
Em 1792, um morador de Itajaí, chamado Silvestre Nunes Leal Correa cultivava as sesmarias que adquiria, nas margens do Itajaí-Mirim, de Feliciano Gutierrez e de Manoel de Souza Sarmentos que, por sua vez, as haviam obtido por despacho do Governador Teixeira Homem (2).
Teixeira Omem governou Santa Catarina de 5 de dezembro de 1778 a 7 de junho de 1786 (3).
A partir de 1792, crescem as concessões de sesmarias na Foz do Rio Itajaí-Açu. Somente nos oito anos seguintes, doze delas foram concedidas. E, a partir daí, a população começou a crescer com maior intensidade. Seria prematuro relacionar este crescimento com um Alvará de 1785 e um Decreto de 1792, mas convém mencioná-los. É que só no ano de 1792, houve seis concessões, ocorrendo, ainda, uma em 1793, e outra, em 1794. O Alvará de 1785 declarou que que as Sesmarias do Brasil constituíam uma parte considerável do domínio da Coroa, e eram dadas com a condição essencialíssima de se cultivarem. (…) Pela Carta Régia de 4 de julho de 1768 §11 tem o governo permissão para dar as das Corporações de mão-morta, quando elas não queiram fazê-lo. O Decreto de 10 de julho de 1792 declarou, que por Lei antiga, promulgada para bem adiantamento da agricultura, e incorporadas na Ordenação, davam as Sesmarias de terras incultas, sem outro encargo além do Dízimo. O Alvará de 5 de Outubro de 1795 regulou a concessão das Sesmarias no Ultramar, devendo para esse fim serem ouvidas as câmaras. Este Decreto foi suspenso em 1796 por outro de 10 de Dezembro (4).

Notas:
1 - Walter F. A Epopéia Açoriana (1748/1756), ed. Conselho Estadual de Cultura/SC, Florianópolis, 1987, p. 19.
2 - SILVA, J. Ferreira da. Os primeiros moradores. Itajaí-Cem Anos de Município. Itajaí, 1960 (sem numeração de páginas).
3 - PIAZZA, Walter Fernando. Santa Catarina: Sua História. Florianópolis, Editora da UFSC-Editora Lunardelli, 1983, pp. 131-132.
4 - Cândido Mendes de ALMEIDA, nota ao Título XLIII do Livro 4 das Ordenações Filipinas.

sábado, 3 de julho de 2010

Lafayette e Rio do Ouro




Desde que soube da existência das Galeries Lafayette, em Paris, nunca tive ilusões de que se trataria de um corredor, embaixo de um prédio, que dava acesso de uma rua para outra. Eu sabia que era uma grande loja de departamentos, mas a idéia de galeria ligando uma rua a outra teimava em não sair da minha cabeça. Meu inconsciente teimava em pensar nas Galeries Lafayette como uma réplica da Galeria Rio do Ouro, em Itajaí. A Galeria Rio do Ouro foi a primeira galeria que vi na vida e daí se formou o conceito visual na minha cabeça. Estas primeiras coisas que se vê na vida e que ilustram nosso conceito a respeito de uma palavra são difíceis de tirar da cabeça e dissociar o conceito da coisa. Das três fotos acima, uma é do Edifício Rio do Ouro, em Itajaí, no interior do qual está a Galeria Rio do Ouro, que liga a Rua Hercílio Luz com a Rua Edmundo Heusi; a foto em preto e branco é do interior da Galeria Rio do Ouro, na década de 80; outra foto colorida é do interior da Galeria Lafayette, em Paris. Ainda hoje, mesmo conhecendo a Galeria Lafayette, ainda penso na Rio do Ouro...

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Caipiras Negaceando


O quadro acima é uma cópia do original de Almeida Júnior (ver informações aqui). Esta cópia foi presenteada a meu pai no final da década de 1940 ou começo de 50. Ficava em destaque na sala de jantar lá de casa. Apesar de eu ter visto uma fotografia do original no Tesouro da Juventude, nunca ficou muito fixo na minha memória o nome verdadeiro da obra, que chamávamos "o quadro dos caçadores".
Numa temporada de praia (quando íamos para Balneário Camboriú), meu pai contratou um homem para tomar conta da casa. Perguntou-se ao guardião se ele não teria medo de ficar sozinho na casa. Ele disse que poucas coisas o intimidavam. Uma delas era o quadro dos caçadores, que ele suplicou ao meu pai fosse mantido escondido por um lençol.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A Cidade como Dependência do Campo

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato X
É muito provável que a família Arzão morasse na região que veio a ser Itajaí durante todo o século XVIII, mas fossem “vizinhos”, ou seja, considerados habitantes da Vila de São Francisco/SC. Isto porque era normal as pessoas morarem fora da sede da Vila, naquele Brasil Colônia, segundo afiança Sérgio Buarque de Holanda:
toda a estrutura de nossa sociedade colonial teve sua base fora dos meios urbanos (…). É efetivamente nas propriedades rústicas que toda a vida da colônia se concentra durante os séculos iniciais da ocupação européia: as cidades são virtualmente, se não de fato, simples dependências delas. (HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 16 ed., Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1983, p. 41).