quarta-feira, 31 de março de 2010

Quinta-Feira Santa 1



A Quinta-Feira Santa não é dia santo. Em Portugal, informa-me J.Miguel Galaghar, na quinta-feira Santa o Estado dá sempre tolerância de ponto, trabalhando-se só na parte da manhã (abrasileirei a transcrição). No Brasil, durante o Império, era feriado (ver a postagem Uma História Legal das Férias ). Na Justiça Federal, até hoje, é feriado (Lei nº 5.010/66, art. 62, II). Assim, em algumas repartições públicas é feriado, noutras não. As raízes da não assunção deste feriado, no Brasil, ou da sua usança por uns e não usança por outros, podem estar nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. O parágrafo 374 dizia o seguinte: E ainda que em Quinta Feira e Sexta da Semana Santa não há por direito obrigação de ouvir Missa, nem de cessar do trabalho e obras servis, contudo exortamos a nossos súditos que, da Quinta Feira, depois de se expor o Santíssimo Sacramento, até ser acabado na Sexta Feira o ofício da manhã, se abstenham de trabalhar, ao menos em público e freqüentem a Igreja acompanhando o Santíssimo Sacramento com muita devoção e reverência.”
A Quinta-Feira Santa é o dia do Sacerdote. Minha homenagem são as fotos acima, de uma missa em Fátima e outra em Braga, ambas em Portugal.

terça-feira, 30 de março de 2010

Quaresma e Jejum



Segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707, o jejum devia ser feito em toda a Quaresma, salvo nos Domingos. O jejum devia ser feito na Quarta –Feira, Sexta e Sábado depois do primeiro domingo da quaresma (par. 406). Havia três tipos de jejum: o espiritual (abstinência de todos os vícios e gostos ilícitos do mundo); o Natural (abstinência de toda comida e bebida, ainda que fosse medicinal) e Eclesiástico (abstinência de carne e uma só refeição por dia). O jejum a ser feito na Quaresma era o jejum eclesiástico. Estavam dispensados deste jejum os doentes, mulheres grávidas e que amamentassem, os lavradores, os cavadores de enxada, cortadores de cana, carpinteiros, pedreiros, ferreiros, caminheiros de pé e as demais pessoas que exercessem ofício que se não pode obrar sem trabalho, que quebranta e cança notavelmente o corpo (parágrafos 396 a 403).
Seriam excomungados os Almotacés e oficiais de justiça secular que consentissem que se talhasse, cortasse ou vendesse publicamente nos açougues, praças, ruas e quitandas, durante a Quaresma, carne, salvo se fosse para doentes (par. 412).
Percebe-se, portanto, que – em decorrência da unicidade entre Igreja e Estado - a Igreja fazia normas para serem observadas por todos, inclusive por entes vinculados ao Estado (almotacés e oficiais de justiça – estes oficiais eram os Juízes, Desembargadores, Tabeliães, enfim, todas as pessoas que trabalhassem no hoje chamado Poder Judiciário).
As prescrições sobre jejum mudaram um pouco com o Código de Direito Canônico em vigor (veja aqui os Cânones 1249 a 1253).

segunda-feira, 29 de março de 2010

Quaresma e Confissão





É impressionante o quanto o comportamento das pessoas durante a Quaresma se manteve estável do Século XVIII até a década de 1960 e o quanto mudou de lá para cá. Se tomarmos como referência as prescrições das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707, veremos as semelhanças entre o que lá está determinado e o comportamento de 1960. As funções eclesiásticas dominavam a vida da cidade – tomada como exemplo a cidade de Itajaí/SC, que não é uma cidade atípica no Brasil. Além da preparação comercial para a Páscoa (que acontece até hoje), não se faziam bailes. É verdade que nem sempre os bailes de Carnaval terminavam na terça-feira, à meia-noite, mas esta era a regra. Também é verdade que há locais privados de eventos, em Itajaí, que não fazem bailes na Quaresma até hoje (caso do Salão do Juca). Mas o fato é que o cerimonial da Igreja Católica se sobrepunha à vida de Itajaí. Mas quais eram as regras das Constituições do Arcebispado da Bahia para a quaresma?
Os que embarcassem para partes remotas durante a Quaresma, deviam se confessar e comungar antes da viagem (parágrafo 113). A confissão era uma obrigação de todos (par. 139), ou seja, todos os que fossem maiores de sete anos de idade, ou, quando menores de sete anos, se tivessem malícia e capacidade para pecar. A obrigação de confissão anual deveria ser cumprida durante a quaresma. A falta da confissão anual era considerada pecado mortal e podia ser punida com excomunhão. Mas podia haver absolvição, desde que dada pelo Bispo, ou pelo Provisor, ou pelo Vigário Geral e mediante o pagamento de dois arreteis (460g) de cera para a fábrica da Sé. O prazo para confessar ia da Quarta-feira de Cinzas até a Páscoa, mas podia ser prorrogado até a “dominga” seguinte. Moços (no texto, “homens”) menores de 14 anos e moças (no texto, “mulheres”) menores de 12 não incorreriam na pena de excomunhão caso não se confessassem na quaresma, desde que eles, ou seus pais, ou amos ou pessoas que os tivessem a seu cargo pagassem um arretel de cera.
Também deviam se confessar e comungar os presos que estivessem na Cadeia no tempo da Quaresma. O Pároco iria até a cadeia para ouvir a confissão e ministrar a comunhão (parágrafo 152). O pároco também deveriam ir aos Hospitais para ouvir a confissão e dar a comunhão aos enfermos (par. 153). Os vagabundos deviam se confessar e comungar durante a quaresma. Vagabundos eram aqueles que, deixando totalmente de fato e no ânimo o lugar de sua origem, andam de uma parte para outra e em nenhum lugar têm domicílio permanente; conforme o direito contraem domicílio em qualquer lugar onde se acham (par. 154).
Também deveriam se confessar por ocasião da quaresma, na Paróquia onde estivessem, os tratantes (ou seja, que trabalhavam por trato), os peregrinos, caminhantes e oficiais, ainda que tivessem domicílio em outro lugar (155).
Pelo menos o cumprimento da obrigação de confessar na quaresma chegou até 1960 em Itajaí, pois lembro-me das imensas filas que se formavam nos confessionários, especialmente entre Quarta e Sexta-Feira Santas.
Outra obrigação da quaresma era o jejum, que veremos em outra postagem.

domingo, 28 de março de 2010

Justiça Espetáculo e Caso Nardoni

Foram impressionantes os fatos que cercaram a leitura da Sentença no Caso Nardoni. Impressionantes porque muitas máscaras caíram. A primeira delas foi a de que “não deve existir justiça espetáculo”. Esta discussão só vem à tona quando o criminoso é alguém da turma do colarinho branco. Nestes casos, o crime é complexo, a grande maioria da população, portanto, não vai entender o que aconteceu e como aconteceu; se foi ou não crime; se deveria ou não ser crime. Aí a repercussão – por maior que seja – se dá nos limites de quem entende alguma coisa do riscado. No caso de um homicídio, não. Todo mundo entende que o fato é crime e que quem o comete deve ser preso. Então se se somam alguns ingredientes que tornam o homicídio mais incomum (criminoso da classe média, bem apessoado, crime ser cometido contra filho/a criança e alguns outros fatores imponderáveis), as atenções de uma grande maioria são despertadas. Aí ninguém resiste à pressão da opinião pública. A imprensa é compelida a divulgar e a entender o funcionamento do Judiciário (e os comentaristas que desaprovam a “justiça espetáculo” são compelidos e nada comentar sobre o estardalhaço), o Judiciário não cogita de descumprir a norma da publicidade dos atos processuais, o Ministério Público passa a atuar como parte em todas as instâncias (e não só na primeira) e os Advogados sequer cogitam de bradar contra o alvoroço. Tudo isto serve para demonstrar que, quando se diz que não deve existir “justiça espetáculo”, se está negando a finalidade principal da Justiça, especialmente da criminal, que é prevenir socialmente o crime. Ou seja, quando o Judiciário aplica uma pena, o Estado-Juiz diz o seguinte: tu, que delinqüistes, vais ser punido e vós todos, que viram a punição, não cometam este tipo de crime, porque serão igualmente punidos. E para que isto aconteça, a Justiça precisa ser espetáculo, precisa ser vista funcionando, pelo maior número possível de pessoas possível. Era isto que se via durante a leitura da sentença: uma multidão sedenta de punição e festejando a condenação. Não vem ao caso dizer que o alarido foi certo ou errado. O que se deve admitir é que todo o aparato Judicial serve àquela multidão e é pago por ela. Afinal, fazemos questão (nós, membros do Ministério Público e os Juízes) de dizermos que somos agentes políticos. Pois exatamente por sermos agentes políticos (política é exercício de poder) é que devemos dar satisfações àqueles que nos deram poder (o povo, por seus representantes).
A segunda máscara que caiu foi o pseudo-repúdio do público leigo (imprensa incluída) ao/ ou à dificuldade com/ o “juridiquês”. A linguagem jurídica, em geral, é feita de termos tirados da linguagem comum. Pode ser uma linguagem mais sofisticada, mas não possui termos que somente são usados por operadores do Direito. Em Portugal, por exemplo, a imprensa domina esta linguagem. Por trás das alegadas dificuldades de entender a linguagem usada no Direito, pode estar uma grande pobreza vocabular e uma grande má-vontade de enriquecer o vocabulário. No caso Nardoni, como cada órgão de imprensa enfrentava concorrentes, todo mundo tratou de entender o processo e a linguagem da sentença. Até porque são ridículas as explicações volta e meia dadas sobre o funcionamento do processo e de júri, num país em que estes ritos ocorrem repetida e corriqueiramente há mais de cem anos. Mais ridículas ainda são as explicações do processo brasileiro a partir de filmes ou livros produzidos nos EUA. Assim, tanto todos estavam se esforçando para entender tudo, que, tão logo o Juiz chegou naquela primeira parte da Sentença que fala da resposta aos quesitos, já surgiram legendas nos vídeos dizendo que os réus foram condenados e, concomitantemente, pessoas começaram a comemorar. Ou seja, não precisou alguém “traduzir” o “juridiquês”. Trechos da sentença chegaram a ser publicados, sem precisar "tradução", ou seja, como todos queriam entender, todos entenderam.
Finalmente, uma última contradição que a repercussão do caso apresentou, foi o impedimento de divulgação de sons e imagens do julgamento. Uma vez que se tem divulgado sessões do STF na televisão, até ao vivo, porque não pode ser divulgado todo um Julgamento pelo Tribunal do Júri?
Afinal, se o Julgamento pelo Júri é público para quem pode estar lá fisicamente presente, qual o motivo de proibir sua transmissão por rádio e televisão?
Veja-se o que diz o Código de Processo Penal:
Art. 792. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados.
§ 1o Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.
Sequer se pode dizer que a falta de transmissão televisiva pode gerar escândalo. Escandaloso o caso já é, como o foi o de Chico Mendes e outros tantos. Porque não transmiti-lo ao vivo e a cores para quem quiser ver em casa, como se faz com as Sessões do STF?

sábado, 27 de março de 2010

Domingo de Ramos 2



No Domingo de Ramos é celebrada a entrada de Jesus em Jerusalém. As pessoas levam palmas (os ramos) para a Igreja Católica e lá estas palmas são bentas. A Igreja é também enfeitada com palmas. Estas palmas são bentas e, depois de secas, queimadas, sendo suas cinzas guardadas e distribuídas na Quarta-Feira de Cinzas do ano seguinte.
Num certo ano, creio que em 1964, organizou-se uma procissão entre a Igreja Velha em Itajaí e a Nova, ou seja, entre a Igreja da Imaculada Conceição e a Matriz do Santíssimo Sacramento. Lembro-me bem do sábado, quando eu e meu pai fomos pedir palmas para os fregueses (= filli eclesiae = filhos da igreja) que tinham palmeiras nos quintais de suas casas.
A procissão deve ter ocorrido só naquele ano, ou – se houve nos demais – não lembro. Até porque esta procissão não estava prevista nas Constituições do Arcebispado da Bahia.
As fotos acima foram tiradas na encenação da entrada de Jesus em Jerusalém, na Via Sacra que dirigi em 1981, em Itajaí. O autor das fotos é Jorge da Venda.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Domingo de Ramos 1


Quando me lembro da procissão de Ramos vem-me à memória um sábado chuvoso, no qual eu e mau pai fomos a diversas casas pedir palmas (ou seja, pedir doações de ramos de palmeiras, que seriam usados na igreja no dia seguinte). Nem os pedidos de palmas deviam ser comuns nos nossos hábitos de semana santa, nem o destino deles devia sê-lo. É que meu pai recém comprara seu primeiro carro (um DKW vermelho com o teto branco; era o hoje chamado sedan). E não era uma tradição a procissão sair da Igreja Velha para a Igreja Nova, que eu soubesse. Nem sei se era costume fazer a procissão de Ramos em Itajaí. Mas, naquele ano, o bagageiro do DKW logo foi se enchendo de palmas ou ramos. Preferíamos as que não tinham espinhos, mas, na falta destas, levávamos as com espinho. Lembro de uma casa amarela em que fomos, com um jardim na frente, uma varanda com entrada em forma de arco, uma ou duas águas-furtadas no segundo andar, situada na Rua Samuel Heusi. O jardim tinha caminhos com pedregulhos brancos e as flores, folhagens e plantas ficavam em pequenos canteiros, onde havia também as palmeiras. Batemos palmas, uma mulher veio nos atender e pedimos palmas, explicando que eram para a Igreja. Elas nas cedeu, como em outras casas nas cederam. Colocamos no bagageiro do DKW e fomos para a Igreja Velha (apelido da Igreja da Imaculada Conceição), onde as palmas foram amontoadas na sala em que ficava a pia batismal. Pia que estava em desuso, desde 1955, quando fora inaugurada a Igreja Nova (apelido da Matriz da Paróquia do Santíssimo Sacramento).
Meu pai explicou-me que as palmas coletadas pela Igreja e usadas no Dia de Ramos (comemoração da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém) eram bentas e, depois de secas, queimadas, sendo suas cinzas guardadas e distribuídas na Quarta-Feira de Cinzas do ano seguinte. De fato isto é verdade (veja aqui, aqui e aqui). A distribuição era feita pelo Padre, que colocava um pouco de cinza na testa das pessoas. Já as palmas levadas pelas pessoas recebiam uma benção coletiva. Estas palmas eram trazidas para casa, cada qual fazendo o uso religioso que lhe aprouvesse. O avô de minha esposa, por exemplo, as guardava debaixo do colchão e as colocava nas janelas durante as tempestades.
A foto acima é encenação da entrada de Jesus em Jerusalém, na Via Sacra que dirigi em 1981, em Itajaí. É esta entrada em Jerusalém que se comemora no Domingo de Ramos.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Diretas Já




O final de 1983 e o começo de 1984 foram politicamente movimentados por conta da campanha pelas eleições diretas. A campanha foi num crescendo, a ela aderindo os meios de comunicação, mais por pressão dos acontecimentos do que por vontade própria. Aqui em Santa Catarina, vários órgãos de imprensa fizeram cadernos específicos nos jornais escritos ou reservaram espaços nos meios de comunicação de som e imagens. Na época, tudo só repercutia na imprensa. Não era como hoje, que alguma coisa pode não repercutir na imprensa, mas pode fazer sucesso na internet.
O Jornal de Santa Catarina criou um caderno chamado Jornal das Diretas. Não lembro se houve uma ou mais edições, mas a que aparece na reprodução acima é de 14 de janeiro de 1984. Foi neste dia ou perto dele que houve um comício monstro em Balneário Camboriú. Comparecerem Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e outras figuras políticas de destaque nacional ou local. Não faltaram, nas imediações do comício, os arapongas do regime militar registrando em fotos ou em papel quem estava lá e o que fazia (em geral, estes arapongas eram policiais lotados no que se chamava "setor de informações", nome pomposo que servia para identificar onde trabalhavam os que bisbilhotavam a vida de quem era contra o governo de então).
Mas o Jornal das Diretas entrevistou os que eram tidos por "formadores de opinião" (políticos, jornalistas, sindicalistas, padres, empresários, professores). Na verdade, não sei se há pesquisa científica demonstrando que, no Brasil, há quem forme a opinião dos outros. Penso que um vizinho ou um parente forma a opinião de outro vizinho ou de outro parente, mas daí a existirem figuras públicas, com carisma suficiente para mudar opiniões de multidões, acho difícil.
Das pessoas entrevistadas que aparecem na reprodução da folha de jornal, acima, muitas depois se candidataram a cargos eletivos, ganharam e perderam eleições; umas estão em atividade até hoje, outras saíram de atividade, outras morreram.
As diretas foram vistas como panacéia. Veja-se que há uma matéria, na página acima, chamada "A solução para a crise", segundo a qual, economistas brasileiros defenderam a idéia de que, com democracia, viveríamos melhores condições econômicas. De fato, hoje, na democracia, o país está mais rico e próspero do que na época da ditadura.
Mas a campanha seguiu em frente e o regime militar se viu tão acuado que, no dia da votação da emenda constitucional, deu uma das então habituais demonstrações de força bruta, colocando um ostensivo e belicoso policiamento em Brasília e outras capitais.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O Papa-Siri




As fotos acima são da edição zero do jornal O Papa-Siri, que era uma publicação da Comissão Municipal de Cultura de Itajaí. A publicação ocorreu em junho de 1980, em Itajaí. O nome do jornal foi dado porque os blumenauenses chamavam os itajaienses de "papa-siris", alusão ao fato de Itajaí ser uma cidade litorânea. Então, resolvemos usar um termo tido por pejorativo, para virar motivo de orgulho. Como consta no editorial, era preciso que vivêssemos Itajaí, que reconhecêssemos o sangue que corre em nossas veias, sangue que cheira a peixe e maresia , acariciado pela doce harmonia que nos traz a brisa, no condoreiro dizer de Castro Alves. Então, foi pelo esforço em assumir características de litorâneos, que se buscou o nome O PAPA-SIRI. E o que era pejorativo haveria de ser motivo de orgulho; o que era nosso trivial alimento, passaria a ser o manjar de outras gentes.
Participaram deste número zero o então Prefeito Amílcar Gazaniga, Ronaldo S. Júnior (poesia Confissão), Osmar Flores (poesia Bolhas de Acrílico), Sônia Miriam T. Moreira (Primeiro Voo), Constância Teresinha Severino (Maralice no País Sem), Osmar de Souza (Documento para a "Memória de Itajaí"), Edison d'Ávila (O Rio do Nosso Nome), Magru (cartuns), J Grimm (cartum) e Guedes (cartum). Eu escrevi o Editorial e entrevistei João Amaral Pereira. Todos trabalhavam de graça (era o que hoje se chama de trabalho comunitário). O papel e a impressão eram pagos pelo Município (dinheiro público, portanto).
Uma das páginas do jornal (foto acima) contem um anúncio sobre o que viria a ser a Casa da Cultura, depois inaugurada, vivenciada e hoje fechada.
A foto da contra-capa é um quadro mostrando Itajaí em 1884 e a da capa mostra o mesmo local em 1980.
O EXPEDIENTE do jornal era assim:
O PAPA Siri era uma edição da Comissão Municipal de Cultura de Itajaí.
Diretor de Edição: J.M. Brandão Neto
EDITORA-CHEFE.: CONSTÂNCIA TERESINHA SEVERINO
Conselho de Redação : R.L.V. Silva, Sônia Moreira.
Arte e Diagramação: Adilson Pacheco
Colaboradores : Jeferson, Léo, Magru,;
Edison, Osmar , Marisselva Camargo.


terça-feira, 23 de março de 2010

Clavaria Flava 1







Acima, programa da peça A Criminosa, Grotesca, Sofrida e Sempre gloriosa Caminhada de Alqui Cabala Silva em Busca da Grande Luz, uma experiência muito interessante em minha vida. Conheci pessoas que me mostraram situações que eu não conhecia e aumentaram meus horizontes. Entre 1976 e 77, Curitiba-PR (eu morava em Itajaí, mas ia de vez em quando a Curitiba).

segunda-feira, 22 de março de 2010

Problemas Constitucionais

Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas de poder; a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país vigem e as constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social: eis aí os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar.
LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Tradução de Walter Stönner. Rio, Editora Lúmen Júris, 2000, p. 40.

domingo, 21 de março de 2010

Igreja e Estado










Durante o tempo em que vigoraram no Brasil as Ordenações do Reino e mesmo após a independência, o país tinha uma religião oficial, a Católica Apostólica Romana. Isto permitia que houvesse interferências mútuas entre Governo e Religião. Com a Proclamação da República, em 1889, houve a separação entre igreja e Estado. Mas até hoje autoridades ainda acompanham procissões católicas. Na procissão do Senhor dos Passos, hoje, 21.3.2010, carregavam o Pálio sob o qual estava o Arcebispo Metropolitano, o Governador do Estado, o Prefeito e uma Deputada Federal (fotos acima). E um dos pontos de parada em que cantava a Verônica, era o Tribunal de Contas do Estado, ornamentado para o evento. A procissão também foi acompanhada pela Banda de Música da Polícia Militar. Isto descaracterizaria a separação entre Igreja e Estado?

Procissão do Encontro 7

No dia da Procissão do Encontro, acordávamos cedo e meu pai ia à missa na Igreja da Vila, me levando junto. Era a missa da Irmandade do Senhor dos Passos, celebrada na presença da imagem. Terminada a missa, íamos para a Igreja da Imaculada Conceição (igreja velha) arrumar o andar de Nossa Senhora. Dona Áurea já estava nos esperando (Dona Rosinha, por ser domingo, também estava lá). A imagem de Nossa Senhora era tirada do nicho em que ficava durante o ano e suas roupas eram arrumadas. Era comum pessoas doarem roupas novas para o Senhor dos Passos e para Nossa Senhora, a fim de agradecer graças recebidas. O andor era tirado do compartimento em que ficava guardado (uma sala dentro da igreja, que tinha tanque, torneira, vasos de flor vazios, chão de cimento, um depósito, enfim). Mas não havia banheiro; só mais tarde foi feito um. Era um andor de madeira, forrado de pano, dispondo-se o pano em forma de pedras. Era a mesma temática do andor do Senhor dos Passos, já que forrado pela mesma pessoa: meu pai, Alcino.
A imagem era colocada sobre o andor e fixada com travas de ferro. Terminada a tarefa, todos iam para casa almoçar.
À tarde, por volta das 16 horas, íamos para a Igreja Velha nos preparar para a Procissão do Encontro. Sempre acompanhávamos a Nossa Senhora, pois morávamos ali perto. 17 horas começava a Procissão, que seguia pela rua Hercílio Luz. Havia crianças e adultos que se vestiam como Nossa Senhora ou Senhor dos Passos (meninas e mulheres de Nossa Senhora e meninos e homens de Senhor dos Passos).
Os membros da irmandade iam de Opa, que era uma espécie de manto.
Havia uma certa segmentação das pessoas: homens da Irmandade, com suas Opas roxas; mulheres do Apostolado da Oração, de preto e branco, com uma fita vermelha no pescoço; coroinhas e as filhas de Maria. As Filhas de Maria era uma espécie de irmandade, ou grupo de oração. Ouvi dizer que só admitia mulheres virgens. Não sei se era verdade ou não.
Assim seguiam as duas procissões, uma vindo pela Rua Hercílio Luz, outra ora pela Rua Brusque, ora pela Rua Tijucas, ora pela Rua Anita Garibaldo, conforme o ano. E se encontravam na frente da Igreja Matriz, onde havia um bonito sermão. A procissão ocorre ainda hoje, mas não com tanta gente como em Florianópolis.

O Translado ou Procissão







As fotos acima são do traslado das imagens da Capela Menino Deus para a Catedral de Florianópolis. Note-se que o biombo já adquiriu uma forma perfeita, acabada e esteticamente bem acabada. Ele é aberto antes da procissão e fechado durante o trajeto. Mas a Nossa Senhora das Dores vai descoberta. Ainda assim, primeiro há o traslado do Senhor dos Passos, às 20 horas e só às 21:30 ocorre o traslado de Nossa Senhora. Algumas pessoas ligadas ao evento não souberam me explicar porque a imagem vai coberta na procissão noturna (chamada de traslado) e descoberta na procissão diurna. Uma das pessoas a quem consultei contou-me que, até 1960, a imagem de São Sebastião era trasladada de noite do Largo de São Sebastião para a Catedral de Florianópolis e também vinha coberta no traslado. Tudo isso reforça a hipótese de que as imagens cobertas o eram por causa da proibição de procissões noturnas, constante nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, mencionadas em outra postagem deste blog.

sábado, 20 de março de 2010

Procissão do Encontro 6

O encontro de Jesus com Nossa Senhora, em Itajaí, ocorre até hoje na frente da Igreja Matriz. O Senhor dos Passos vem da Igreja da Vila e a Nossa Senhora, da Igreja Velha (Imaculada Conceição). Como as imagens ficam durante o ano na Igreja Velha, há necessidade de trasladar o Senhor dos Passos para a Vila. Isto é feito no sábado à noite. A "procissão" (formalmente chamada de "traslado"), na década de 60, saía de Igreja Velha por volta das 19h30min. A imagem ia no andor, totalmente coberta dos lados, mas não em cima. Assim, só se via a ponta de um dos braços da cruz. O andor era levado por seis homens, que deviam ter a mesma altura e andar em passo cadenciado.
A "procissão" saía da Igreja Velha e rumava pela Rua Manoel Vieira Garção. Ali havia o Cine Luz, que anunciava o começo da venda dos ingressos mediante música tocada num alto falante de corneta. Durante a passagem da procissão, a música era desligada.
A "procissão" seguia pela Rua Guarani, nome depois mudado para José Bonifácio Malburg, Marcos Konder, Almirante Barroso, Alfredo Trompowski, até chegar na Igreja da Vila.
Na verdade, nunca chamaram esta ida para o Vila de “procissão”, mas sim de traslado, nome que se dá, até hoje, tanto em Itajaí quanto em Florianópolis, para a “procissão” que leva a imagem do Senhor dos Passos para o lugar de onde sairá para se encontrar com Nossa Senhora. Ainda para tornar mais peculiar esta "procissão", todos iam em passos muito rápidos. “A trote”, como dizia minha mãe.
Um certo ano, provavelmente na década de 1950, a imagem foi levada numa carroça para a Vila, coisa que era rememorada com tristeza e vergonha por minha mãe. O fato era visto como um escândalo. Muito mais tarde, creio que em 1999, vi a imagem ser levada da Igreja Velha para a Vila numa caminhonete: seria só porque faltava “quorum” para levar em procissão?

Uma Procissão que não é Procissão



Só agora, em 2010, lendo as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia é que fui compreender porque a “procissão” de sábado à noite, que leva o Senhor dos Passos para a Vila, em Itajaí, é chamada de “traslado”; qual o motivo da imagem do Senhor dos Passos ser levada toda coberta e qual a razão para as pessoas andarem rapidamente só nesta “procissão”. Na verdade, este traslado era uma procissão disfarçada, por ser uma burla às normas eclesiásticas vigentes na época do início da procissão, em Florianópolis, no século XVIII. A procissão do Encontro de Itajaí foi copiada de Florianópolis; a de Florianópolis começou em 1766 (veja aqui). Nesta época já vigiam as Constituições do Arcebispado da Bahia e Florianópolis, então freguesia (de filii ecclesiae = filhos da igreja) de Nossa Senhora do Desterro, estava subordinada ao Bispo do Rio de Janeiro (conforme PIAZZA, Walter. Santa Catarina: sua história. Fpolis, ed. UFSC/Lunardelli, 1983, p. 218). Ainda conforme Piazza, já havia o Hospital e Caridade e a Igreja que hoje é a Catedral. Havia que se trazer a imagem do Hospital (num morro) para a igreja que ficava no centro da freguesia. Para trazer à noite, só com licença do Bispo, no Rio de Janeiro, o que deveria ser muito complicado, na época. A proibição, porém, era expressa e a punição severa, como se vê nas Constituições:
TITULO XV.
COMO SE COMPORÃO AS DÚVIDAS QUE SE MOVEREM SOBRE A PRECEDÊNCIA NAS PROCISSÕES, E QUE ESTAS SE NÃO FAÇAM DE NOITE
492. Porquanto tem mostrado a experiência que nas Procissões de noite pode haver e há muitas ofensas de Deus nosso Senhor, as quais, diz o Apostolo, são obras das trevas, de que é Príncipe o demônio, ordenamos e mandamos, sob pena de excomunhão maior "ipso facto", que nenhuma Procissão, assim das que já estão instituídas, como ao diante se instituírem, se possa fazer de noite das Ave Marias por diante e que nenhuma comece tão tarde, que seja preciso recolher-se de noite, excetuando-se a Procissão que por uso antigo e geralmente recebido e praticado no Reino e nesta Cidade se costuma fazer Quinta-Feira de Endoenças, saindo da Igreja da Misericórdia.
493. E quando houver alguma tão grave e urgente causa, que peça fazer-se a Procissão de noite, se nos dará conta dela, para darmos licença, se entendermos ser assim mais serviço de Deus. E proibimos às mulheres, sob pena de excomunhão maior "ipso facto", acompanhar as ditas Procissões e as mais que de nossa licença se fizerem de noite.
Certamente optou-se pela procissão disfarçada de traslado. Até porque transportar a imagem numa carroça seria um escândalo, pois ainda o era no século XX, como se viu em outra postagem. Então, a opção por cobrir a imagem e seguir rapidamente de um lugar sagrado a outro, de modo a tentar descaracterizar a procissão deve ter sido a forma de fugir das punições e contornar a proibição. Ou seja, o evento, tecnicamente, sempre foi uma procissão; mas que não era assumida como tal, por violar as regras eclesiásticas.
Oswaldo R. CABRAL, ao falar sobre a Procissão do Senhor dos Passos, em Florianópolis, informa que ela começou a acontecer em 1767. Mais adiante, CABRAL noticia que, na véspera do Domingo de Passos, a imagem, vedada por um biombo, descia da capela, na colina da Boa-Vista, passava pelas ruas do Vinagre e da Cadeia, subia o Largo da Matriz e nesta penetrava (- sem grifo no original; Nossa Senhora do Desterro, Fpolis, Lunardeli, 1979, V.2, p. 256). E o programa oficial da Procissão do Senhor dos Passos ainda chama o evento de sábado de traslado, reservando o nome "procissão" para o evento de domingo (ver a reprodução de partes do prospecto, acima).

sexta-feira, 19 de março de 2010

Procissão do Encontro 5


A Procissão do Encontro segue um roteiro de eventos e trajetos, que, ainda com variações, são os mesmos tanto em Itajaí quando em Florianópolis. Mas os tempos que mais me enternecem são os da minha infância, na década de 1960. No sábado à tarde, Seu Capela e Seu Manoel Lima iam à nossa casa, de onde saíam com meu pai para a Igreja da Imaculada Conceição (a Igreja Velha). Eu ia junto. Com cerca de 6 ou 7 anos de idade, ia mais para ver, do que para realizar algum trabalho (eu era devidamente alertado para só olhar, não incomodar, não mexer no que não devia e, se possível, ajudar nalguma coisa; enfim, os adultos estavam fazendo um favor em levar uma criança, que deveria retribuir a tal favor não incomodando). Mesmo com tais restrições, eu gostava muito, muito mesmo, de estar junto com meu pai e as demais pessoas que iam preparar a imagem do Senhor dos Passos.
As três imagens (do Senhor dos Passos, de Nossa Senhora das Dores e do Senhor Morto) ficavam o ano inteiro num grande nicho da Igreja Velha (assim chamada porque fora a Matriz e, com a construção da Igreja Nova, passou a ter “status” de capela).
Pois bem, saía-se da nossa casa e ia-se para a casa da Dona Áurea buscar a chave da igreja. Dona Áurea era a Zeladora da Igreja Velha. Ela cuidava do altar e das missas e sua irmã, Rosinha, cuidava do coro e dos sinos da Igreja. Para mim pareciam ser muito idosas. Hoje, fazendo as devidas estimativas, creio que estivessem na faixa dos 60 anos. Não sei se Dona Áurea cuidava da Igreja gratuitamente ou recebia algum pagamento para isso.
Geralmente Dona Áurea ia junto conosco para a Igreja ou não a encontrávamos em casa, pois já estava nos esperando lá. Sua presença era fundamental, porque era ela que sabia onde eram guardadas as alfaias e os percevejos para prendê-las no andor (percevejos eram tachinhas de metal, douradas). E sabia também onde estava a chave do compartimento da igreja em que estavam os andores. Aqueles andores eram de madeira, com encaixes para os varais; eram forrados de um tecido verde, com enchimentos pintados de cinza, para imitar pedras. Esta forração fora feita por meu pai.
No sábado era preparado apenas do andor do Senhor dos Passos: o andor era colocado sobre bancos da igreja; depois se trazia a imagem, que era fixada no andor (havia umas travas de ferro em forma de “L”, chatas numa ponta e com rosca na outra; o “L” travava a imagem e as roscas eram apertadas por baixo do andor, de modo a fixar a imagem). Depois eram encaixadas umas varas de madeira em furos que já existiam no andor. Eram varas verticais que serviam para prender um pano roxo que cobria a imagem de todos os lados. Assim, após a fixação das varas e do pano roxo, não se via mais a imagem do Senhor dos Passos: somente um pedaço da cruz que sobressaía do pano roxo. Este tampão era posto só no sábado. Domingo a imagem vinha descoberta na procissão. Terminado o andor, todos iam para casa se preparar para a "procissão" do sábado (oficialmente não se tratava de uma de procissão, mas sim de um traslado).
O andor da foto acima já é outro, mais moderno e mais leve.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Igreja da Imaculada Conceição




Três fotos da Igreja da Imaculada Conceição (a Igreja Velha) em Itajaí: a primeira, foto do interior da Igreja, na década de 1950; a segunda, imagem aérea em que aparece a Igreja, em 1960 (imagem tirada por Juca); e foto atual, de 2004.

Procissão do Encontro 4


Como meu bisavô viera de Porto e tinha parentes em Valongo, cidade de forte tradição da procissão do encontro e da Confraria do Senhor dos Passos, certamente passou a devoção para meu avô, que, aos 44 anos de idade, transplantou o costume para Itajaí, trazendo as imagens como Presidente que era da Irmandade do Senhor dos Passos. Quando nasci, em 1957, meu pai é que comandava as comemorações e eventos da Semana Santa. Mais tarde, com a morte de meu pai, continuei o trabalho por alguns anos, até me mudar para Florianópolis, quando me desliguei de tais atividades.
Penso, porém, que as atividades religiosas que se faziam na década de 1960 eram de uma intensidade que pouco variara desde os séculos XVIII ou XIX. A cidade, na minha idéia, se associava nas comemorações e ainda tudo acontecia como se fossem acontecimentos cuja participação de todos era inapelavelmente obrigatória. É provável que assim fosse, dado o grande percentual de católicos na população brasileira em 1950 (93,5%). Mas também era possível que não fosse tão grande a adesão do povo à atividade religiosa, tudo não passando de superestimação minha, já que as pessoas mais próximas de mim é que se envolviam com os acontecimentos. Mas tudo era muito interessante.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Procissão do Encontro 3






Foi com o nome de Procissão do Encontro que conheci este evento religioso, quando me dei por gente em Itajaí. Em Florianópolis é mais conhecida por Procissão do Senhor dos Passos, mas já vi no Google que é também conhecida por Procissão dos Santos Passos. A data desta procissão varia entre os domingos da quaresma, havendo lugares onde é feita na Quarta-Feira Santa. Em Valongo (Portugal), a Procissão ocorre em 14 de março (veja aqui); em Florianópolis, ocorre no penúltimo domingo antes da Páscoa; em Itajaí, já ocorreu no penúltimo domingo antes da Páscoa, depois no Domingo de Ramos e, agora, voltou a ocorrer no penúltimo domingo antes da Páscoa. Deveria ser deveria ser realizada na segunda Sexta-Feira da Quaresma (par. 491 das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia). Esta mobilidade de uma Procissão (que já é, para os católicos, uma festa móvel) havida mais intensamente em Itajaí, talvez já caracterize a dificuldade com que tal o costume se mantém. Enquanto até hoje em Florianópolis há um público enorme acompanhando a Procissão, em Itajaí, desde a década de 1960, a quantidade de pessoas míngua a cada ano. Talvez por haver uma tradição de longa data em Florianópolis (200 anos) e curta, em Itajaí.
As imagens que estão nas fotografias acima foram trazidas para Itajaí em 1924, quando foram iniciadas as procissões. Foi a Irmandade do Senhor dos Passos que a trouxe, quando era presidida por meu avô, Joca Brandão (apelido de João Marques Brandão, como pode deduzir quem lê meu nome). Pelos relatos de meu pai, o episódio da compra das imagens pela Irmandade permeou o espaço público e o familiar. O Senhor dos Passos, a Nossa Senhora das Dores e o Senhor Morto foram pintados, ou repintados (ou retocados?) na casa do meu avô, pela Dona Gigi. O Senhor Morto ficava em cima da mesa da sala, que era um lugar de passagem, inclusive das crianças. Evidentemente que aquela imagem de um cadáver sobre a mesa dava muito medo nas crianças (meu pai tinha 4 anos de idade, então). A imagem do Senhor Morto era de um homem crucificado, com braços móveis que permitiam colocá-lo e tirá-lo da cruz. Com os braços abertos, ficava pregado na cruz; com os braços abaixados, era colocado num esquife e transportado na procissão de Sexta-Feira Santa. Na verdade, as três imagens retratam pessoas num momento de grande sofrimento: Jesus sofrendo sob o peso da cruz e a dor dos tormentos; Nossa Senhora vendo o filho naquela situação terrível.

terça-feira, 16 de março de 2010

Procissão do Encontro 2

Segundo o Livro 1, Título 66, item 48, das Ordenações Filipinas, o Rei mandava aos Juízes e Vereadores, que em cada um ano, aos dois dias do mês de Julho ordenassem uma procissão solene à honra da Visitação de Nossa Senhora. E assim mesmo farão em cada um ano, no terceiro Domingo do mês de Julho, outra procissão solene, por comemoração do Anjo da Guarda, que tem cuidado de nos guardar e defender, para sempre seja em nossa guarda e defesa. As quais Procissões se ordenarão e farão com aquela festa e solenidade, com que se faz a do Corpo de Deus: para as quais, e para quaisquer outras, que de antigo se costumaram fazer, ou para outras, que Nós mandarmos fazer, ou forem ordenadas dos Prelados, ou Concelhos e Câmaras, não serão constrangidos vir a elas nenhuns moradores do termo de alguma cidade, ou vila, salvo os que morarem ao redor uma légua. E os ditos Vereadores não levarão dos bens do Concelho dinheiro, nem percalço algum, por fazerem as ditas Procissões, ou irem nelas. E não consentirão nelas representações de coisas profanas, nem máscaras, não sendo ordenadas para provocar a devoção. E a pessoa, que nas ditas Procissões for por qualquer dos modos acima defesos, pagará, da cadeia mil réis, a metade para o Concelho, e a outra para quem acusar. Conforme anota Cândido Mendes de Almeida, para resumir, as Câmaras Municipais tinham obrigação de fazer despesas com três procissões: a de Corpo de Deus (Corpus Christi), a mais antiga; a da Visitação de Nossa Senhora (2 de Julho); e a do Anjo da Guarda, no terceiro domingo de Julho. Mas, além das procissões determinadas e patrocinadas pelo Estado Português (o Rei ou os Concelhos), havia as procissões determinadas pela Igreja Católica. Estas procissões constavam das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, cuja primeira edição é de 1707 e a última é de 1853. Estas Constituições se compunham de normas eclesiásticas para o Brasil, mas sua força coerciva se equiparava às Ordenações.

Procissão do Encontro 2A


Segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, havia as seguintes procissões: depois do Oficio de Sexta Feita Santa, a Procissão do Enterro (parágrafo 119), na quinta-feira Santa, a dos Santos Óleos: Óleo do Crisma, Óleo dos Catecúmenos e Óleo dos Enfermos (par. 249 e 253); nos respectivos dias, das onze mil Virgens, da Santissima Trindade, das quarenta horas, da Sexta Feira da Paixão, da Quarta-Feira de Cinzas, de S. Sebastião, do Padroado de S. Francisco Xavier, dos Apóstolos S. Filipe e Santiago, do Anjo Custódio, da Aclamação em primeiro de Dezembro, de Santo Antonio de Arguim, da Quinta Feira de Endoenças e de todos os Santos. A procissão dos Passos deveria ser realizada na segunda Sexta-Feira da Quaresma (par. 491). Mas a principal de todas as Procissões era a do Corpo de Deus (par. 496). Nas próprias Constituições constava que esta procissão era encomendada pelos Sagrados Cânones, pelo Concílio Tridentino e pelas Leis do Reino (as Ordenações Filipinas mencionadas em outra postagem).
As Constituições definiam procissão como uma oração pública, feita a Deus por um comum ajuntamento de fieis disposto com certa ordem, que vai de um lugar sagrado a outro lugar sagrado” (...). São atos de verdadeira Religião e Divino culto, com os quais reconhecemos a Deus como a Supremo Senhor de tudo e piíssimo distribuidor de todos os bens e por isso nos sujeitamos a ele, esperando da sua Divina clemência as graças e favores que lhe pedimos para salvação de nossas almas, remédio dos corpos, e de nossas necessidades. E como este culto seja um eficaz meio para alcançarmos de Deus o que lhe pedimos, ordenamos e mandamos, que tão santo e louvável costume e o uso das Procissões se guarde em nosso Arcebispado, fazendo-se nele as Procissões gerais, ordenadas pelo direito Canônico, Leis, e Ordenações do Reino, e costume deste Arcebispado e também as mais que Nós mandarmos fazer, observando-se em todas a ordem e disposição necessária para perfeição e majestade dos tais atos, assistindo-se neles com aquela modéstia, reverência e religião, que requerem estas pias, e religiosas celebridades. (par. 488).

segunda-feira, 15 de março de 2010

Procissão do Encontro 1



Neste ano de 2010 a Procissão do Encontro ocorre em 21 de março em Itajaí e Florianópolis. Uma pesquisa no Google voi mostrar que esta data varia muito de região para região, de país para país. Em alguns lugares é em 28 de fevereiro, noutros no domingo de Ramos e noutros, ainda, na Quarta-Feira Santa. Pelo que se comemora, na Procissão, a data mais coerente com os fatos seria a Sexta-Feira Santa. Mas a quantidade de atividades religiosas neste dia impede mais uma procissão. O tema da procissão é o encontro de Jesus com Nossa Senhora, no caminho da cruz.
Tenho uma ligação familiar muito forte com a Semana Santa, tanto por parte da minha família (de Itajaí) quanto pela da minha esposa (de Florianópolis). Curiosamente, no lugar donde veio meu bisavô (Porto/Valongo, em Portugal), a procissão se faz há 300 anos. A procissão é chamada de Procissão do Encontro, Procissão do Senhor dos Passos e Procissão dos Santos Passos (nomes que encontrei no Google, o que não quer dizer que não existam outros).
Tanto em Valongo, quanto em Itajaí e Florianópolis a procissão é organizada pela Irmandade do Senhor dos Passos (em Valongo, Confraria). A Irmandade do Senhor dos Passos, tanto em Itajaí, quando em Florianópolis, é uma entidade pia, privada e – pelo menos de fato – estreitamente vinculada à Igreja Católica. Lendo as Ordenações Filipinas, pareceu-me que o fato da procissão ser organizada por uma entidade privada pode ter suas raízes na negativa do Reino de Portugal de custear a procissão. Até porque as Ordenações são de 1609 e as notícias da procissão que vi lhe dão, em todos os casos vistos, cerca de 300 anos de existência. Logo, começam no Século XVII. Interessante notar que, ao que parecem, começaram após a restauração do Trono Português (1645) e desligamento da Espanha, país onde são fortes as tradições de procissões na semana santa.