É impressionante o quanto o comportamento das pessoas durante a Quaresma se manteve estável do Século XVIII até a década de 1960 e o quanto mudou de lá para cá. Se tomarmos como referência as prescrições das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707, veremos as semelhanças entre o que lá está determinado e o comportamento de 1960. As funções eclesiásticas dominavam a vida da cidade – tomada como exemplo a cidade de Itajaí/SC, que não é uma cidade atípica no Brasil. Além da preparação comercial para a Páscoa (que acontece até hoje), não se faziam bailes. É verdade que nem sempre os bailes de Carnaval terminavam na terça-feira, à meia-noite, mas esta era a regra. Também é verdade que há locais privados de eventos, em Itajaí, que não fazem bailes na Quaresma até hoje (caso do Salão do Juca). Mas o fato é que o cerimonial da Igreja Católica se sobrepunha à vida de Itajaí. Mas quais eram as regras das Constituições do Arcebispado da Bahia para a quaresma?
Os que embarcassem para partes remotas durante a Quaresma, deviam se confessar e comungar antes da viagem (parágrafo 113). A confissão era uma obrigação de todos (par. 139), ou seja, todos os que fossem maiores de sete anos de idade, ou, quando menores de sete anos, se tivessem malícia e capacidade para pecar. A obrigação de confissão anual deveria ser cumprida durante a quaresma. A falta da confissão anual era considerada pecado mortal e podia ser punida com excomunhão. Mas podia haver absolvição, desde que dada pelo Bispo, ou pelo Provisor, ou pelo Vigário Geral e mediante o pagamento de dois arreteis (460g) de cera para a fábrica da Sé. O prazo para confessar ia da Quarta-feira de Cinzas até a Páscoa, mas podia ser prorrogado até a “dominga” seguinte. Moços (no texto, “homens”) menores de 14 anos e moças (no texto, “mulheres”) menores de 12 não incorreriam na pena de excomunhão caso não se confessassem na quaresma, desde que eles, ou seus pais, ou amos ou pessoas que os tivessem a seu cargo pagassem um arretel de cera.
Também deviam se confessar e comungar os presos que estivessem na Cadeia no tempo da Quaresma. O Pároco iria até a cadeia para ouvir a confissão e ministrar a comunhão (parágrafo 152). O pároco também deveriam ir aos Hospitais para ouvir a confissão e dar a comunhão aos enfermos (par. 153). Os vagabundos deviam se confessar e comungar durante a quaresma. Vagabundos eram aqueles que, deixando totalmente de fato e no ânimo o lugar de sua origem, andam de uma parte para outra e em nenhum lugar têm domicílio permanente; conforme o direito contraem domicílio em qualquer lugar onde se acham (par. 154).
Também deveriam se confessar por ocasião da quaresma, na Paróquia onde estivessem, os tratantes (ou seja, que trabalhavam por trato), os peregrinos, caminhantes e oficiais, ainda que tivessem domicílio em outro lugar (155).
Pelo menos o cumprimento da obrigação de confessar na quaresma chegou até 1960 em Itajaí, pois lembro-me das imensas filas que se formavam nos confessionários, especialmente entre Quarta e Sexta-Feira Santas.
Outra obrigação da quaresma era o jejum, que veremos em outra postagem.
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