sábado, 13 de março de 2010

REGRAS E PUNIÇÕES ENTRE OS ÍNDIOS 2

Orlando Villas BÔAS(1) observou que, entre os índios do Xingu, caso nasçam filhos gêmeos, geralmente são mortos, pois, se um representa o bem e o outro, o mal, como saber distingui-los? Este costume ainda persiste, tanto que foi noticiado em edição recente da Revista ISTOÉ(2):
Amalé tem quatro anos. (...) Índio da etnia kamaiurá, de Mato Grosso, Amalé (...) é, na verdade, um sobrevivente de sua própria história. Logo que nasceu, às 7 horas de 21 de novembro de 2003, ele foi enterrado vivo pela mãe, Kanui. Seguia-se, assim, um ritual determinado pelo código cultural dos kamaiurás, que manda enterrar vivo aqueles que são gerados por mães solteiras. (...)
“Antes de desenterrar o Amalé, eu já tinha ouvido os gritos de três crianças debaixo da terra”, relata Kamiru, hoje com 36 anos. “Tentei desenterrar todos eles, mas Amalé foi o único que não gritou e que escapou com vida”, relata. (...) pesquisadores já detectaram a prática do infanticídio (sic – ver nota 3) em pelo menos 13 etnias, como os ianomâmis, os tapirapés e os madihas. Só os ianomâmis, em 2004, mataram 98 crianças. Os kamaiurás, a tribo de Amalé e Kamiru, matam entre 20 e 30 por ano.
Os motivos para o infanticídio (sic) variam de tribo para tribo, assim como variam os métodos usados para matar os pequenos. Além dos filhos de mães solteiras, também são condenados à morte os recém-nascidos portadores de deficiências físicas ou mentais. Gêmeos também podem ser sacrificados. Algumas etnias acreditam que um representa o bem e o outro o mal e, assim, por não saber quem é quem, eliminam os dois. Outras crêem que só os bichos podem ter mais de um filho de uma só vez. Há motivos mais fúteis, como casos de índios que mataram os que nasceram com simples manchas na pele – essas crianças, segundo eles, podem trazer maldição à tribo. Os rituais de execução consistem em enterrar vivos, afogar ou enforcar os bebês. Geralmente é a própria mãe quem deve executar a criança, embora haja casos em que pode ser auxiliada pelo pajé.
(...)
Outra índia que ousou enfrentar a tradição foi Juraka, também kamaiurá, de uma aldeia próxima à de Amalé. Sua filha (...) nasceu com distrofia muscular progressiva, uma doença que a impossibilita de andar. A tribo descobriu o problema quando Sheila deveria estar dando os primeiros passos. A mãe fugiu antes de ser obrigada a aplicar a tradição. (...) Sheila deverá passar a vida numa cadeira de rodas”.
(...)
Edson Suzuki, diretor da ONG Atini, “cria a garota Hakani, dos surwahás do Amazonas. Ela hoje tem 13 anos. A menina nasceu com dificuldades para caminhar. Os pais se recusaram a matá-la; preferiam o suicídio. O irmão mais velho, então com 15 anos, tentou abatê-la com golpes de facão no rosto, mas ela sobreviveu.(...)”
Dos povos indígenas acima mencionados, os kamaiurá e os tapirapés pertencem ao grupo lingüístico macro-tupi e os ianomâmis pertencem a uma família lingüística menor, com uma história mais específica. Os madihas também são conhecidos como Kulina e pertencem ao grupo lingüístico arawá ou arawak(4).

Na Carta de Pero Vaz de Caminha se percebe a proibição de furto entre os índios: um dos degredados que vieram com Cabral foi à terra à terra e nada lhe tomaram, salvo um índio que fugiu com umas continhas amarelas que o degredado levava. Mas outros índios lhas tomaram de volta e as devolveram a Afonso.
Em outro documento histórico (certidão de Valentim Fernandes), percebe-se que a proibição de incesto entre os índios valia somente para pais com filhas, mães com filhos, irmãos com irmãs. Em carta de Américo Vespúcio, de 1503, é negada tal proibição de incesto entre os índios.
Damião de Góis informa que os índios por nenhum delito fazem justiça, senão por homicídio. A justiça pelo homicídio se fazia do seguinte modo:
Os parentes do homicida o hão de entregar aos parentes do morto, os quais o afogam e enterram, presentes uns e outros, com muitos prantos e choros, comendo e bebendo por muitos dias. E assim ficam amigos; se, por acaso, o homicida foge, e se não pode fazer entrega dele aos parentes do morto, então lhes dão as filhas e irmãos do homicida; ou, se as não têm, as parentas mais chegadas, por cativas dos parentes mais chegados do morto. E assim ficam amigos.

Os índios são povos ágrafos, de modo que seus costumes e as punições decorrentes do descumprimento de tais costumes só podem ser observados (e não lidos em normas escritas).

Notas:
1 - VILLAS BÔAS, Orlando. A arte dos pajés: impressões sobre o universo espiritual do índio xinguano. São Paulo, Editora Globo, 2000, pp. 27, 30, 31, 33 e 79.
2 - Edição nº 1998, 20/02/2008, páginas 40 e 41.
3 - Este uso incorreto da expressão infanticídio, revela um inescusável desconhecimento, por parte do jornalista que redigiu a matéria, da definição legal (e de conhecimento obrigatório – art. 3º da LICC – DL 4657, de 04/9/1942) de infanticídio (Código Penal, art. 123: Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após).
4 - URBAN, Greg, A História da cultura brasileira segundo as línguas nativas. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. Em CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras:Secretaria Municipal de Cultura:FAPESP, 2ª edição/1ª reimpressão, 2002, p. 88. O mapa também se encontra nesta página 88, pp. 89, 90, 95 e 97 e TISS, Frank. Gramática da Língua Madiha (kulina)site.

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