quinta-feira, 4 de março de 2010

AS PENAS E O PROCESSO PENAL NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS

As Ordenações Filipinas vigoraram em Portugal e no Brasil. No Brasil, vigoraram desde 1603 e foram revogadas aos poucos. A parte penal e processual penal foi revogada em 1830 e 1831 pelos Códigos Criminal e de Processo Criminal do Império. As Ordenações Filipinas não previam a prisão como pena. O acusado permanecia preso até a sentença, quando então era executada a pena (Livro V, tít. CXVII, §§ 12 a 19 e tít. CXXII). Nos raros casos em que havia pena de prisão, esta nunca era superior a quatro meses (Livro V, tít. CXXXIX). As penas eram aplicadas segundo os privilégios ou linhagem dos executados (estes sofriam penas de degredo, morte etc) e os peões sofriam todos os tipos de penas. Assim, por exemplo, Fidalgos, Vereadores, Juízes e outros exaustivamente listados nas Ordenações, não poderiam sofrer pena de açoites, ou degredo com baraço e pregão, como consta no Livro V, tít. CXXXVIII. Mais detalhadamente: Escudeiros dos Prelados e dos Fidalgos, moços da Estrebaria do Rei, da Rainha, do Príncipe, Infantes, Duques, Mestres, Marqueses, Prelados, Condes e de Conselheiros, Pagens de Fidalgos, Juízes, Vereadores e respectivos filhos, Procuradores das Vilas ou Concelhos, Mestres e Pilotos de Navios, amos ou colaços dos Desembargadores ou de Cavaleiros de linhagem, não podiam sofrer a aplicação das penas vis. No Livro V, CXX, há disposição proibindo que sejam presos em ferros os Doutores em Leis ou Cânones, ou em Medicina, feitos em Universidade, os Cavaleiros Fidalgos, de Ordens Militares de Cristo, Santiago e Aviz, os Escrivães da Fazenda e Câmara reais, bem como as respectivas mulheres enquanto casadas ou mesmo já viúvas.
Havia, porém, alguns crimes cujas penas eram aplicadas indistintamente, sem qualquer ressalva quanto à qualificação do criminoso: lesa majestade, sodomia, testemunho falso e outros. O tormento (hoje, tortura) só era aplicado a todas as pessoas quando se fossem acusadas de crime de lesa majestade, aleivosia, furto e outros. Fora isso, só pessoas vis (= não nobres) sofriam tormento. O tormento não era pena, mas sim meio de prova, após alguns indícios (confissão fora do Juízo, uma testemunha, fama pública etc; mas o julgador poderia decidir mediante outros indícios que entendesse convincentes – Livro V, CXXXIII). Era feito auto circunstanciado do tormento, ao qual só podiam comparecer o julgador, o escrivão e o ministro (este ministrava o tormento).
Segundo Pereira de SOUZA(1), eram consideradas penas vis a forca, as galés, o cortamento de membro, os açoites, a marca nas costas, o baraço e o pregão. As penas cominadas nas Ordenações Filipinas são as seguintes: açoite (em público; em público com baraço e pregão; com grinalda de cornos)(2), atenazamento (apertava-se a carne do condenado, com tenaz ardente), baraço e pregão (baraço é o laço de apertar a garanta; pregão era a descrição da culpa e da pena), confisco de bens, decepamento de mãos ou corte de outros membros, degredo (para o Brasil, África, ou para o Couto de Castro-Mirim – a pena de degredo temporal era considerada leve, podendo o acusado se defender sem procurador); galés (remar em embarcações), morte atroz (com circunstâncias que agravam a morte, mas não o sofrimento: confisco de bens, queima ou esquartejamento do cadáver), morte civil (perda dos direitos e da graduação social); civil – perda dos direitos), morte com queima de cadáver após o estrangulamento, morte com queima do condenado vivo (a chamada "morte natural de fogo" ou "queima até virar pó"), morte cruel (tinha por fim tirar a vida lentamente, no meio de tormentos, para torná-la mais dolorosa – atenazamento, queima ou esquartejamento do condenado vivo, açoite até a morte, sepultamento do condenado vivo), morte na forca para sempre (deixar o cadáver apodrecer na forca), morte por degolação, com ou sem exposição da cabeça do réu, morte natural (por veneno, golpe, sufocação, decapitação), pagamento de custas processuais (não podendo pagar, o réu ficava quatro meses preso, sendo solto se não houvesse condenação ou cumprindo a pena dada além do pagamento das custas)e pena arbitrária.
O processo penal em regra tramitava pela Justiça (pois não havia Judiciário na acepção que temos hoje, ou seja, poder judiciário). A Justiça era exercida por diversos órgãos: a Casa da Suplicação era o maior tribunal (Livro 1, Título 1), seguindo-se o Desembargo do Paço (Livro 1, tít. 3), os Corregedores da Corte dos Feitos Crimes (Livro 1, tít. VII), os Corregedores da Corte dos Feitos Cíveis (Livro 1, tít. VIII), os Juízes dos Feitos do Rei da Coroa (Livro 1, tít.IX), os Juízes dos Feitos do Rei da Fazenda (Livro 1, tít. LX) e outros. Pois bem, dentre os Desembargadores da Casa da Suplicação, um servia como Promotor da Justiça (note-se: Promotor da Justiça e não Promotor de Justiça) – Livro 1, Título XV. A este promotor cabia requerer todas as causas que tocam à Justiça, formar libelos contra os seguros ou presos, que por parte da Justiça hão de ser acusados na Casa da Suplicação. Mais adiante, no item 6 do mesmo Título XV, havia a seguinte disposição:
E mandamos que, em nenhuma cidade, vila ou lugar haja Promotor da Justiça, salvo nas Casas da Suplicação e do Porto e assim, nas Correições, em cada uma haverá um Promotor dado por Nós. Porque nas outras cidades, vilas e lugares o Tabelião, ou Escrivão, que for do feito, fará o libelo e dará as testemunhas... E esta mesma ordem de dar as testemunhas terão os ditos Promotores. E do que o Tabelião ou Escrivão fizer como Promotor, não lhe será contado salário de Promotoria, somente lhe contarão as regras, como outra escritura do feito, que como Tabelião escreve.

As investigações criminais eram conduzidas pelos Juízes (Livro 1, Título 65, itens 31 a 72). Os inquéritos eram chamados de devassas e eram presididos ou por Juízes de Fora (nomeados pelo Rei) ou pelos Ordinários (eleitos por homens bons moradores de um determinado Concelho). Daí se percebe que, na época, era comum chamar a acusação de Justiça Pública. Hoje, chamar o Ministério Público de Justiça Pública é sinal de desinformação, descompasso temporal e desrespeito com a instituição e com o Estado Democrático de Direito.

Notas:
1 - apud ALMEIDA, Cândido Mendes de. Código Philipino, ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal. Rio de Janeiro, 1870. Edição por reprodução em "fac-símile" da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1985, p. 1315).
2 - ALMEIDA, obra citada, pp. 1257, 1249, 1190, 1149, 1148, 1191, 1313, 1278, 1298, 1162, 1279 e 1285; ORDENAÇÕES FILIPINAS, LIVRO 5º, TÍT. XXVI, § 9º.

7 comentários:

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