domingo, 14 de março de 2010

REGRAS E PUNIÇÕES ENTRE OS CENTRO-AFRICANOS

FREYRE, em sua famosa obra Casa-grande & Senzala, assinalou a mestiçagem como uma das características colonização portuguesa: Pelo intercurso com mulher índia ou negra multiplicou-se o colonizador em vigorosa e dúctil população mestiça, ainda mais adaptável do que ele puro ao clima tropical(1). Havia, no século XVIII uma deliberada política portuguesa para o Brasil de incentivo à mestiçagem, fomentando os casamentos mistos interétnicos(2). Dados atuais do IBGE indicam este fato: pelo censo de 2000, 38,45% da população se declarou de cor parda. Portanto, ainda que não escrita, alguma coisa da cultura jurídico-política africana ficou entre nós. E o que ficou, devemos procurar nos hábitos e nos costumes jurídico-políticos dos dos negros que estavam na África até 1830, ano em que terminou o tráfico de lá para o Brasil, especialmente porque estes hábitos e costumes foram assimilados por nós todos, na medida em que o tamanho do eleitorado se aproxima do tamanho da população (na constituinte de 1946 só 16% da população votava, enquanto que, na de 1988, a proporção era de 60%, por exemplo). Assim, quanto maior a participação da população no eleitorado, mais representativos da população se tornam os governantes e, espera-se, mais correspondam aos anseios desta população. Daí porque é interessante anotarmos algumas características de governo de alguns povos que formaram nosso país.

Os africanos, quando vieram como escravos para o Brasil, eram povos ágrafos. Vejamos alguns de seus costumes e as punições para o descumprimento de tais costumes.
Os centro-africanos que vieram para o Brasil como escravos eram povos bantos. Os bantos eram agricultores e ferreiros (3). Segundo KI-ZERBO (4), na Nigéria havia pré-bantos e no Congo proto-bantos. Na dispersão, os bantos (5) chegaram, inclusive, no que veio a ser o reino de Angola.
Em Oyo, o rei que se tornava culpado de exação ou de crime escandaloso, tinha que andar com uma cabaça vazia ou com ovos de papagaio. Ou pior, podia receber a seguinte determinação do Oyo-mesis (o bahorum):
“As nossas sessões de adivinhações revelaram-nos que o seu destino é mau e que o seu orun (o seu outro ser celeste) já não tolera que continue aqui na Terra. Pedimos-lhe, pois, que vá dormir”. O soberano devia envenenar-se logo a seguir.

No Congo muitas pessoas se tornaram escravas por transgredirem normas de direito consuetudinário, por dívidas (incluídas as tributárias) e por feitiçaria (6). Dentre as normas de direito consuetudinário cuja transgressão era punida com a escravatura, estava a proibição de adultério e de homicídio. O nascimento de gêmeos era prenúncio de males irremediáveis, de modo que havia rituais quando de seu nascimento para afastar tais males (7).
No Ndongo, em 1575, havia pena de morte para adultério e roubo (8). No século XVIII, a demanda do tráfico de escravos fez com que se tornasse fácil reduzir alguém à servidão: pela lei quituxe, esbarrar ou pisar no pé de alguém tinha como pena a escravidão (9).
O quilombo, na África, era um sistema militar de iniciação. Os Mbangala criaram os ritos e leis (quigila/kijila) dos quilombos (10). Entre os ritos estava o canibalismo (11), abstinência de carnes de porco, de elefante e de serpente. Outra lei kijila associava os gêmeos ao infortúnio e ao mau presságio, de modo que estes e os deficientes físicos eram sacrificados logo após nascerem (12).

Notas:
1 - FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala. São Paulo, Global, 47 ed., 2003, p. 74.
2 - CUNHA, Manuela Carneiro da. Política indigenista no século XIX; AMOROSO, Marta Rosa. Corsários no Caminho Fluvial. PARAISO, Maria Hilda B. Os Botocudos e sua Traje-tória Histórica. In CUNHA, Manuela Carneiro da (org.) HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 2ª edição, 2002, pp. 143, 303 e 419.
3 - KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Tradução de Américo de Carvalho. Mem Martins (Portugal), Publicações Europa-América, 3ª Edição, 1999, p. 123.
4 - Obra citada, p. 231.
5 - Segundo SOUZA (Marina de Mello e. Reis Negros No Brasil Escravista. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002, p. 135), banto não é o nome de nenhuma língua ou povo específico, designando um macrogrupo com características lingüísticas e culturais semelhantes. O nome “banto” resultou de uma denominação dada por W.H.Bleck, que percebeu um grande grupo lingüístico africano, no qual em todas as lín-guas a palavra “ntu” tinha o sentido de gente. “Banto” é o plural de “ntu”.
6 - FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras – Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, p. 91 e 99 e PAN-TOJA (Selma. NZINGA MBANDI – MULHER, GUERRA E ESCRAVIDÃO. Brasília, Thesaurus, 2000), p. 75.
7 - PARREIRA, Adriano, ECONOMIA E SOCIEDADE EM ANGOLA Na Época da Rainha Jinga Século XVII.Lisboa, Editorial Estampa, 1997, p. 49.
8 - PANTOJA, obra citada (NZINGA...), pp. 132-133.
9 - PANTOJA, obra citada, pp. 140 e 157. A mesma informação consta em HEINTZE, Beatrix. Angola nas garras do tráfico de escravos: as guerras do Ndongo (1611-1630). Em REVISTA INTERNACIONAL DE ESTUDOS AFRICANOS, Lisboa, Editora Jill R. Dias, nº 1, janeiro/junho 1984, pp. 11-12.
10 - HEINTZE, obra citada, p. 44. Quigila ou Kijila, em kimbundo, quer dizer “proibição”.
11 - SOUZA, obra citada, p. 104.
12 - PARREIRA, obra citada, pp. 153 e 154.

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