Foram impressionantes os fatos que cercaram a leitura da Sentença no Caso Nardoni. Impressionantes porque muitas máscaras caíram. A primeira delas foi a de que “não deve existir justiça espetáculo”. Esta discussão só vem à tona quando o criminoso é alguém da turma do colarinho branco. Nestes casos, o crime é complexo, a grande maioria da população, portanto, não vai entender o que aconteceu e como aconteceu; se foi ou não crime; se deveria ou não ser crime. Aí a repercussão – por maior que seja – se dá nos limites de quem entende alguma coisa do riscado. No caso de um homicídio, não. Todo mundo entende que o fato é crime e que quem o comete deve ser preso. Então se se somam alguns ingredientes que tornam o homicídio mais incomum (criminoso da classe média, bem apessoado, crime ser cometido contra filho/a criança e alguns outros fatores imponderáveis), as atenções de uma grande maioria são despertadas. Aí ninguém resiste à pressão da opinião pública. A imprensa é compelida a divulgar e a entender o funcionamento do Judiciário (e os comentaristas que desaprovam a “justiça espetáculo” são compelidos e nada comentar sobre o estardalhaço), o Judiciário não cogita de descumprir a norma da publicidade dos atos processuais, o Ministério Público passa a atuar como parte em todas as instâncias (e não só na primeira) e os Advogados sequer cogitam de bradar contra o alvoroço. Tudo isto serve para demonstrar que, quando se diz que não deve existir “justiça espetáculo”, se está negando a finalidade principal da Justiça, especialmente da criminal, que é prevenir socialmente o crime. Ou seja, quando o Judiciário aplica uma pena, o Estado-Juiz diz o seguinte: tu, que delinqüistes, vais ser punido e vós todos, que viram a punição, não cometam este tipo de crime, porque serão igualmente punidos. E para que isto aconteça, a Justiça precisa ser espetáculo, precisa ser vista funcionando, pelo maior número possível de pessoas possível. Era isto que se via durante a leitura da sentença: uma multidão sedenta de punição e festejando a condenação. Não vem ao caso dizer que o alarido foi certo ou errado. O que se deve admitir é que todo o aparato Judicial serve àquela multidão e é pago por ela. Afinal, fazemos questão (nós, membros do Ministério Público e os Juízes) de dizermos que somos agentes políticos. Pois exatamente por sermos agentes políticos (política é exercício de poder) é que devemos dar satisfações àqueles que nos deram poder (o povo, por seus representantes).
A segunda máscara que caiu foi o pseudo-repúdio do público leigo (imprensa incluída) ao/ ou à dificuldade com/ o “juridiquês”. A linguagem jurídica, em geral, é feita de termos tirados da linguagem comum. Pode ser uma linguagem mais sofisticada, mas não possui termos que somente são usados por operadores do Direito. Em Portugal, por exemplo, a imprensa domina esta linguagem. Por trás das alegadas dificuldades de entender a linguagem usada no Direito, pode estar uma grande pobreza vocabular e uma grande má-vontade de enriquecer o vocabulário. No caso Nardoni, como cada órgão de imprensa enfrentava concorrentes, todo mundo tratou de entender o processo e a linguagem da sentença. Até porque são ridículas as explicações volta e meia dadas sobre o funcionamento do processo e de júri, num país em que estes ritos ocorrem repetida e corriqueiramente há mais de cem anos. Mais ridículas ainda são as explicações do processo brasileiro a partir de filmes ou livros produzidos nos EUA. Assim, tanto todos estavam se esforçando para entender tudo, que, tão logo o Juiz chegou naquela primeira parte da Sentença que fala da resposta aos quesitos, já surgiram legendas nos vídeos dizendo que os réus foram condenados e, concomitantemente, pessoas começaram a comemorar. Ou seja, não precisou alguém “traduzir” o “juridiquês”. Trechos da sentença chegaram a ser publicados, sem precisar "tradução", ou seja, como todos queriam entender, todos entenderam.
Finalmente, uma última contradição que a repercussão do caso apresentou, foi o impedimento de divulgação de sons e imagens do julgamento. Uma vez que se tem divulgado sessões do STF na televisão, até ao vivo, porque não pode ser divulgado todo um Julgamento pelo Tribunal do Júri?
Afinal, se o Julgamento pelo Júri é público para quem pode estar lá fisicamente presente, qual o motivo de proibir sua transmissão por rádio e televisão?
Veja-se o que diz o Código de Processo Penal:
Art. 792. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados.
§ 1o Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.
Sequer se pode dizer que a falta de transmissão televisiva pode gerar escândalo. Escandaloso o caso já é, como o foi o de Chico Mendes e outros tantos. Porque não transmiti-lo ao vivo e a cores para quem quiser ver em casa, como se faz com as Sessões do STF?
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