segunda-feira, 31 de maio de 2010

CORPUS CHRISTI 5

Depois que li o trecho abaixo das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, liguei para dona Pola para dizer que ela não tinha razão em reclamar da mudança do horário na Procissão de Corpus Christi em Itajaí. Dona Pola é uma conhecida minha de longa data. Disse para ela que, por algum motivo, houve, provavelmente nos fins do Século XIX ou começo do XX, a mudança no horário da missa que antecedia a procissão de Corpus Christi, das 9 para as 15 horas. Ao ouvir isso, dona Pola informou-me que lhe disseram ser o Vigário que fizera a mudança um homem muito estudioso. Acreditei que a informação procedia.
Pela Lei Canônica (Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia - já em grande parte sem vigência), a procissão de Corpus Christi ocorria de manhã, depois da missa das 9 horas. O horário das nove horas é o horário das missas solenes, segundo a Liturgia das Horas. As horas canônicas são as seguintes: Matinas = zero hora; Laudes = 3 horas da manhã; Primas (início das missas públicas) = 6 da manhã; Terça (oportunidade da missa solene) = 9 horas; Sexta = meio-dia; Nona = 3 horas da tarde; Vésperas = 6 da tarde; Completas = 9 da noite (veja mais informações aqui). As Constituições do Arcebispado da Bahia, de 1707, diziam o seguinte:

497. Pelo que mandamos, que nesta Cidade se faça esta solene Procissão com o ornato possível de pompa, e magestade, assim como até agora se fez, na Quinta-Feira de Corpus Cristi pela manhã, acabada a celebridade da Missa, na forma que dispõe o Cerimonial dos Bispos, e sairá da nossa Sé, e Nós, e nossos sucessores levaremos a Custódia do Santíssimo Sacramento, e tendo legítimo impedimento a levará o Deão do nosso Cabido, ou Dignidade a quem pertencer. A mesma Procissão se poderá fazer nas mais Igrejas de nosso Arcebispado, em que houver costume de se fazer, havendo o ornato necessário, na forma que ordena o Ritual Romano.

domingo, 30 de maio de 2010

CORPUS CHRISTI 4

As Ordenações Filipinas eram as leis que regulavam o Reino Português e suas colônias (incluindo o Brasil) desde 1603. As Constituições do Arcebispado da Bahia regularam a vida religiosa dos católicos no Brasil desde 1707. A Procissão de Corpus Christi, em face da ligação entre Igreja e Estado, que foi muito forte até a proclamação da República, era regulada pelas Ordenações Filipinas, como se viu na postagem Corpus Christi 1 e pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. As Constituições consideravam a procissão de Corpus Christi como o mais importante evento religioso:

Livro Terceiro
TITULO XVI.
DA SOLENE PROCISSÃO DE CORPO DE DEUS, E QUE PESSOAS A DEVEM
ACOMPANHAR.
496. A principal de todas as Procissões é a grande, e festival Procissão do Corpo de Deus, que em cada um ano se faz na Quinta Feira depois do Domingo da Trindade, tão encomendada pelos Sagrados Cânones, e Concilio Tridentino, e ainda pelas Leis do Reino. Foi ordenada pela Igreja para exaltação do Divino Sacramento, manjar sagrado em que se nos dá o mesmo Cristo nosso Senhor, para honra de Deus, gloria dos Católicos,confusão dos hereges, e para que os fieis lembrados deste imenso beneficio, com fervoroso afeto se movam a render o obséquio devido a tão Divina Majestade, e a dar as graças a Cristo nosso Senhor, tão liberalíssimo benfeitor, que se nos dá a si mesmo em iguaria da vida espiritual.

sábado, 29 de maio de 2010

CORPUS CHRISTI 3

Os tapetes da procissão de Corpus Christi, em Itajaí, tanto podiam ser feitos na rua em frente das casas, quando dos estabelecimentos de ensino ou lojas. Nas casas, a montagem do tapete era um momento de confraternização das famílias e da vizinhança. Desde a aquisição da serragem, seu tingimento e na confecção dos tapetes, as pessoas aprofundavam seus laços familiares e de amizade. Se era nos colégios, turmas de alunos se organizavam para fazer o tapete. Um ano, participei da confecção de tapetes na frente do Colégio Salesiano. Devia ser por volta de 1972. O tapete era o escudo do Colégio, feito de serragem, fécula, “champinhas” etc. Passamos a semana anterior e o dia de Corpus Christi em função do tapete. E, enquanto fazíamos o tapete, o equipamento de som do Colégio tocava, quase que todo o tempo, “Summer Holiday”, de Terry Winter, o sucesso da época (veja aqui).
Naquele ano pude me dedicar a fazer o tapete na frente do Colégio, pois a procissão não passaria pela casa de minha família. Parece-me até que há muito tempo não passava. Então, por volta da uma hora da tarde, quando as pessoas andavam pelas ruas vendo os tapetes já prontos, meu pai passou e apreciou o tapete que eu fizera junto com os colegas. Foi gentileza paterna ter gostado do tapete que fizemos, pois os que ele projetou e executou com nossa ajuda na frente de nossa casa eram belíssimos. Houve um ano que o tapete que fizemos em casa rivalizou com o de minha prima, que morava ao lado, ela também uma artista muito talentosa. Isto deve ter sido na década de 1960 e foi por estes tempos a última vez que houve tapete, altar e procissão em grande estilo em frente da casa de meu pai.
Perguntei para Dona Pola, outro dia, se ela tinha fotos de quando a procissão passou na casa dela. Dona Pola é uma conhecida minha de muitos anos. Disse-me ela que não tinha fotos, mas se soubesse que, num dos anos da década de 1990, seria a última vez que a procissão passaria na casa em que ela morava e da qual logo se mudou, teria tirado muitas fotos. Dona Pola se mudou daquela casa porque o marido faleceu.
Ponderei a Dona Pola que teria sido muito ruim se ela soubesse que aquela seria a última vez que faria um tapete na frente de sua casa. Ela concordou e acrescentou que teria se acabado de chorar se pudesse prever o futuro.
Filosoficamente, chegamos à conclusão de que o homem seria muito infeliz se pudesse prever com certeza científica o futuro.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

CORPUS CHRISTI 2

Dona Pola ligou-me, por estes dias, reclamando que o Vigário passara a procissão de Corpus Christi, em Itajaí, para depois da missa que seria celebrada às 9 horas da manhã. Estava muito aborrecida, pois – lembrou-me – sempre se fizera a procissão após a missa das 3 da tarde e, naquele novo horário, seria muito complicado fazer os tapetes, que teriam que ser começados de madrugada. Dona Pola tinha razão em parte.
Pelo menos desde a década de 1950, a Procissão de Corpus Christi ocorria em Itajaí à tarde. De manhã eram feitos os tapetes. Estes tapetes eram feitos de serragem tingida (a base principal). Mas se usava também pó de café (na verdade a borra que sobrava depois de se fazer a bebida), tampinhas de garrafa de refrigerante e outros elementos. Mas, o que mais se usava além da serragem, era o pó de café e as tampinhas. Assim, durante a procissão, o cheiro de café já aguçava o apetite para o lanche que se fazia na Igreja após a missa.
As tampinhas de garrafa eram uma diversão à parte. Eram tampas de garrafa de refrigerante e de cerveja (hoje ainda se usa nas garrafas de vidro), forradas com papel laminado, em geral prateado ou dourado (mas também de outras cores). Davam um efeito bonito nos tapetes de rua. E, durante a procissão, os meninos se engalfinhavam catando as tampinhas (que também eram chamadas “champinhas”, deturpação de chapinhas). Evidentemente que o burburinho feito pelos meninos, os empurrões e os agachamentos para pegarem as “champinhas” tiravam boa parte da concentração dos pais.
A confecção dos tapetes exigia algum trabalho prévio. Dias antes se ia às madeireiras buscar serragem (alguns tapetes usavam sipilho: eram lascas muito finas e pequenas de madeira; a serragem era o pó que sobrava do corte das madeiras). Não sei se a serragem e o sipilho eram doados ou vendidos. Creio que eram doados, pois naquele tempo (década de 1960 e início de 1970) havia muitas madeireiras em Itajaí e ainda estavam em fase embrionária os produtos feitos à base de resíduos do beneficiamento da madeira. Até uma moça que trabalhava lá em casa dizia que sua família se aquecia queimando serragem, pois a lenha era cara. Na Avenida Joca Brandão, onde hoje é a continuação da Avenida Marcos Konder, havia um terreno todo aterrado com sipilho; e a Rua João Morezi se chamava Rua do Sipilho.
Depois de se trazer a serragem para casa, ela era tingida nas cores com que se pretendia fazer o tapete. Então, ou se fazia a forma de madeira com o desenho do tapete ou se desenhava o tapete num papel, que serviria de suporte e guia no chão. As formas de madeira eram usadas para “passadeiras”, ou seja, tapetes compridos e com pouca variação. Geralmente as passadeiras ficavam na frente de terrenos baldios e casas comerciais e os tapetes mais elaborados, na frente das casas.
Algumas casas tinham altares na frente, feitos a pedido dos organizadores da procissão. Nestes altares se fazia uma parada na procissão, o Padre colocava o ostensório no altar e abençoava os presentes.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

CORPUS CHRISTI 1

A Procissão de Corpus Christi, durante muito tempo, no Brasil, deve ter sido um mega-evento das cidades. Era uma das três ocasiões em que ficava mais pública a união político-jurídica entre Igreja e Estado. A procissão era regulamentada pelas Leis Estatais e Canônicas. Nas leis estatais, a regulamentação e o caráter oficial da festa estava nas Ordenações Filipinas, Livro 1, Título LXVI, item 48:

Procissões

48. Item, mandamos aos Juízes e Vereadores, que em cada um ano aos dois dias do mês de Julho ordenem uma procissão solene à honra da Visitação de Nossa Senhora. E assim mesmo farão em cada um ano no terceiro Domingo do mês de Julho outra procissão solene, por comemoração do Anjo da Guarda, que tem cuidado de nos guardar e defender, para sempre seja em nossa guarda e defensão. As quais Procissões se ordenarão e farão com aquela festa e solenidade, com que se faz a do Corpo de Deus: para as quais, e para quaisquer outras, que de antigo se costumaram fazer, ou para outras, que Nós mandarmos fazer, ou forem ordenadas dos Prelados, ou Concelhos e Câmaras, não serão constrangidos vir a elas nenhuns moradores do termo de alguma cidade, ou vila, salvo os que morarem ao redor uma légua. E os ditos Vereadores não levarão dos bens do Concelho dinheiro, nem percalço algum, por fazerem as ditas Procissões, ou irem nelas. E não consentirão nelas representações de coisas profanas, nem máscaras, não sendo ordenadas para provocar a devoção. E a pessoa, que nas ditas Procissões for por qualquer dos modos acima defesos, pagará, da cadeia mil réis, a metade para o Concelho, e a outra para quem acusar.

terça-feira, 25 de maio de 2010

RAÍZES JURÍDICO-POLÍTICAS CENTRO-AFRICANAS 7


Segundo SILVA, As estruturas políticas do Congo assentavam-se num delicado equilíbrio de forças, no qual o rei tinha o poder vigiado pelos grandes da terra, os muxicongos ou muissicongos, uma aristocracia dentro da aristocracia, formada pelas 12 candas da região central do reino, onde ficava Banza Congo. Era nessa elite da elite que se elegia o manicongo, podendo qualquer muissicongo ser o escolhido, desde que descendente de rei, de preferência por uma de suas filhas. Como o manicongo tinha muitas mulheres e pelo casamento poderia se vincular à maioria das candas, o poder tendia a circular entre as várias linhagens.
Os escravos, no Congo, antes da chegada dos portugueses, eram um grupo servil transitório, pois não havia uma classe escrava. Em geral, os escravos eram do tipo doméstico: gente de origem estrangeira, capturada na guerra ou em razias, criminosos proscritos ou retirados da sociedade, pessoas que tinham perdido a proteção dos seus ou incorrido em fortes dívidas. Os filhos e netos destes escravos podiam ser absorvidos pela sociedade. Tal qual sucedia no século XIX, é possível também que escravos fossem enterrados vivos com um chefe morto, que outros fossem sacrificados quando da ascensão de seu sucessor, e que um homem importante pudesse manda-los em seu lugar para serem submetidos ao ordálio por veneno, num julgamento por feitiçaria.
A sociedade conguesa se caracterizava por sua rígida hierarquização e seu extremo autoritarismo. As distinções de origem e fortuna eram marcadas. Até mesmo na dieta dos distintos grupos sociais. Assim, enquanto a elite comia bacorinhos, cabritos, galinhas e até, de vez em quando, carne de vaca, a plebe alimentava-se somente de verduras, legumes e ovos. E, também, quando havia, de peixe a alguma caça.
Com a chegada dos portugueses e o aumento das compras pelo Congo, cresceu também o pagamento com escravos. Assim, por volta de 1515, faziam-se guerras fúteis nas fronteiras, para capturar os vencidos. Nobres desentendiam-se entre si e pelas armas cativavam os vassalos uns dos outros. Condenavam-se pessoas à escravidão por pequenos delitos. Vendiam-se indivíduos que se haviam penhorado por dívida. Meninos eram sequestrados e embarcados às escondidas.
O comum era reduzir à escravidão os estrangeiros e só por um crime abominável um conguês podia ser escravizado, mas só depois de ser excluído da grei. Entretanto, esta prática vinha mudando, face à procura por escravos. O manicongo intruduziu, neste começo do século XVI um sistema de controle que reduziu a escravização dos congueses. Então, a partir daí, predominavam nas cargas humanas os ambundos, angicos, bobangis, sucus, ianzis, bomas, teges e cotas. E, claro, em exportando gente, uma das conseqüências ruins para o Congo é que perdia mão-de-obra para se desenvolver. No ano de 1548 seis mil serem humanos saíram pelo porto de Pinda na condição de escravos.
Por volta de 1560, a situação no Congo andava bem ruim. Para piorar, em 1568 houve a invasão dos jagas.
A foto acima, de 2001, é de uma escultura africana exposta no Cafua das Mercês, em São Luiz/MA, Brasil.

Bibliografia:
SILVA, Alberto da Costa e. A Manilha e o Libambo. Rio de Janeiro, Ed. Nova Franteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002, pp. 366, 369,370, 377, 379, 389, 390.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

RAÍZES JURÍDICO-POLÍTICAS CENTRO-AFRICANAS 6


As cidades do Congo se chamavam mbanza e as aldeias lubata. O chefe da aldeia era o nkuluntu e o chefe religioso, o kitomi. Este kitomi era quem entronizava o novo chefe, razão pela qual legitimava a ordem política. O símbolo do poder do kitomi era um bastão de 120 cm, com o topo esculpido. O nascimento de gêmeos era prenúncio de males irremediáveis, de modo que havia rituais quando de seu nascimento para afastar tais males (1). Portugal e Congo eram monar-quias, governadas por reis e uma classe de nobres nas quais o sistema político era dominado por relações de clientelismo e influência (2). No Congo a “semana” tinha quatro dias: três de trabalho e um de descanso (3). Não havia no Congo um exército permanente (4); o rei administrava o país com um grupo de nobres, os quais tinham diversas atribuições: secretários reais, coletores de impostos, oficiais militares, juízes e empregados pessoais. A cada três anos havia a cerimônia de investidura em cargos públicos (5).
A foto acima, de 1995, é de uma apresentação folclórica em Salvador, Bahia.

Notas:
1 – PARREIRA, Adriano, ECONOMIA E SOCIEDADE EM ANGOLA Na Época da Rainha Jinga Século XVII.Lisboa, Editorial Estampa, 1997, p. 49.
2 – SOUZA, Marina de Mello e. Reis Negros No Brasil Escravista. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002, pp. 47, 65 e 71.
3 - PARREIRA, obra citada, p. 30.
4 - PANTOJA, Selma. NZINGA MBANDI – MULHER, GUERRA E ESCRAVIDÃO. Brasília, Thesaurus, 2000, p. 61.
5 - PARREIRA, obra citada, p. 31.

Nossa Senhora Auxiliadora


MARIA AUXILIUM CHRISTIANORUM
Dia 24 de maio é dia de Nossa Senhora Auxiliadora. Para quem estudou em Colégio Salesiano, é uma data que marcou. Íamos à missa e, neste dia, não havia aula. Ou, se havia, ocupava só a metade do período.
Antes do dia 24 de maio, ensaiávamos os cânticos da missa e as orações.
A foto acima é da Igreja de Ascurra. Foi tirada em data próxima do dia 24 de maio de 2003, talvez até no dia 24 (era um sábado à tarde). Apesar de eu ter estudado no Colégio Salesiano Itajaí, fui uma vez a Ascurra. Ascurra era uma cidade muito falada no Colégio Salesiano Itajaí, creio que porque lá havia um seminário salesiano e alguns padres tinham nascido lá. Muito provavelmente tivéssesmos ido lá no dia de Nossa Senhora auxiliadora (foi num domingo a nossa viagem). Uma picape branca e verde, dirigida por um Padre, levava todos nós (uns 8 ou 10 guris na faixa dos 10/11 anos, todos componentes do pequeno grupo de cantores) na carroceria. Corria o ano de 1968 ou 1969. A carroceria era coberta por um toldo e tinha dois bancos ao comprido, um de cada lado: viajávamos de lado em relação à estrada (de costas para a margem da estrada). Sem cinto de segurança, só sentados naqueles bancos. Hoje isto não seria permitido, mas, naquele tempo, as estradas eram bem pouco movimentadas e todos eram menos prudentes.
Na verdade, antes de eu estudar no Salesiano, uma tia minha era muito devota de Nossa Senhora Auxiliadora (antes de dormir, fazia todos dizerem MARIA AUXILIUM CHRISTIANORUM ORA PRO NOBIS).

sábado, 22 de maio de 2010

Quindim e Ovos Moles




Penso que se fôssemos um dia fazer um ritual celebrando nossas raízes africanas e portuguesas, um doce símbolo seria o quindim. O quindim - li isso na Dona Fausta do Diarinho - é o doce "ovos moles" de Portugal, com o côco da África. A palavra "quindim" teria vindo do quicongo "kénde", grande pudim de mandioca ou milho fresco; ou do bacongo de Angola, em que "dikende" é uma pasta de milho fresco que depois de enrolada em folhas de bananeira é assada ou cozida. Se "quindim" vem de "kénde", então temos uma união do português, do negro e do índio, pois a mandioca foi desenvolvida pelo índio e exportada para a África.
Estas hipóteses sobre a origem da palavra "quindim"estão no Novo Dicionário Banto do Brasil, de Nei Lopes (Rio, Ed. Pallas, 2003, p. 188).
A foto da direita, acima, é da cidade de Aveiro, em Portugal, considerada a "capital" dos ovos moles. E a foto da esquerda é de um quindim. Na foto de baixo, se vê um pedaço de quindim e clicando aqui e aqui se pode ver fotos de "ovos moles". Os "ovos moles", por serem mais pastosos do que o quindim, são vendidos em Aveiro dentro de casquinhas feitas de trigo e água (a massa tem a mesma consistência, cor e aparência das hóstias usadas na igreja católica), com formas de conchas e caramujos. O sabor do doce "ovos moles" tem um pronunciado gosto de gema, gosto este que não é tão forte no quindim. Não sei o que os portugueses pensam do sabor do quindim (sei que apreciam muito os ovos moles), mas prefiro o quindim aos ovos moles. Talvez porque o nosso açúcar é de cana, aparentemente mais doce do que o de beterraba.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

RAÍZES JURÍDICO-POLÍTICAS CENTRO-AFRICANAS 5


Na linguagem do tráfico de escravos, crianças de até oito anos eram designadas pela palavra africana moleque; dos oito aos quinze anos, eram molecões e moleconas e dos quinze aos vinte e cinco, eram designa-dos por peças da índia, que eram os escravos de condição física ideal. Na região do Congo e Angola havia diversos outros reinos (Luba e Lunda) ou Estados (Kasange e Matamba, Ndongo e Soyo) (1). Segundo PANTOJA, o Congo podia ser considerado, “no século XV, como um exemplo da estrutura sócio-política dos estados africanos nesta região:
A aldeia era a unidade política mínima e, nesta época, já comportava homens livres e alguns cati-vos ou prisioneiros de guerra. Cada conjunto de aldeias era governado por um funcionário nomeado pelo Manikongo, que poderia ser substituído segundo a vontade do soberano. À frente de cada província estava também um funcionário escolhido pelo Manikongo. No cimo desta escala estava o senhor africano.
Todos os titulares eram denominados mani; alguns tinham funções específicas como, por exemplo, o manivangu, juiz em adultério e governador de Mbanzakongo (2).

Foi Diogo Cão o primeiro português a fazer contado com a gente do Congo, em 1483. Reinava o manicongo Nzinga a Nkuwa. Outro navegador que esteve no Congo foi Rui de Souza. Quando visitou o manicongo, em Banza Congo, foi recebido festivamente: vieram ao seu encontro cinco batalhões bem armados, com numerosos músicos e "bem ordenados em fieiras e modo de cantar", pois três ou quatro guerreiros entoavam um verso e a tropa inteira lhes respondia. O rei (manicongo) ficava no alto de um estrado, numa cadeira entalhada de madeira e marfim. O símbolo de seu poder era um barrete especial, branco, alto como uma mitra e com lavores em relevo, qual se fosse cetim aveludado; um espanta-moscas de rabo de zebra ou de cavalo, guarnecido de prata; um bracelete de cobre no braço esquerdo; e, no ombro do mesmo lado, um saquinho com relíquias dos antepassados (pedaços de unhas, mechas de cabelo etc.) . Os clãs e linhagens matrilineares eram chamados “candas” e tinham um chefe. Os chefes das 12 candas da região central do reino eram chamados muxicongos e eram eles que elegiam o manicongo.
O rei do Congo era o grande distribuidor de riqueza, ao destinar os tributos que recebia aos governadores provinciais, que os repartiam entre chefes de distritos que, por sua vez, redistribuíam aos chefes de aldeia e cabeças de linhagem. Os sacerdotes eram conhecidos como quitomes e gangas e alguns deles eram especializados em ressurreição de mortos. O manicongo tinha uma intercessora e co-chefe mulher, a nzimbu mpangu. (3).
Na foto acima um inquisi, exposto no Cafua das Mercês, em São Luiz/MA (foto de 2001).

Notas:
1 – FLORENTINO (Manolo. Em Costas Negras – Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, p. 99). Segundo MILLER, Joseph C. [em PANTOJA e SARAIVA (Selma e José Flávio Sombra – org., Angola e Brasil nas Rotas do Atlântico Sul, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999, p. 31)], Kasanje era um reino, havia reis-guerreiros nos estados do Ovimbundo (p. 36) e Lunda era um Império (p. 39). Para CURTO (José C., Vinho verso Cachaça: A Luta Luso-Brasileira pelo Comércio do Álcool e de Escravos em Luanda, c. 1648-1703. In Angola e Brasil nas Rotas do AtLântico Sul. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999), Matamba era um reino. No reino do Loango, o soberano tinha poder centralizado e desempenhava a função mágica de fazer chover. O culto malunga, dos Mbundo, também consistia em provocar chuva: eram colocadas pequenas figuras de madeira nos leitos dos rios, para intercederem junto ao deus do tempo (PANTOJA, Selma. NZINGA MBANDI – MULHER, GUERRA E ESCRAVIDÃO. Brasília, Thesaurus, 2000, pp. 67 e 71).
2 - PANTOJA, obra citada, pp. 60-61. PARREIRA (Adriano, ECONOMIA E SOCIEDADE EM ANGOLA Na Época da Rainha Jinga Século XVII.Lisboa, Editorial Estampa, 1997, p. 168, p. 15) afirma que Angola e o Kongo do século XVII são as únicas regiões africanas ao sul do Saara possíveis de tomar como modelo para todas as outras.
3 – SILVA, Alberto da Costa e. A Manilha e o Libambo. Rio de Janeiro, Ed. Nova Franteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002, pp. 360, 361, 363, 364, 365, 366.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

RAÍZES JURÍDICO-POLÍTICAS CENTRO-AFRICANAS 4


Segundo KI-ZERBO (1), na Nigéria havia pré-bantos e no Congo proto-bantos. Na dispersão, os bantos (2) chegaram, inclusive, no que veio a ser o reino de Angola. Os Portugueses chegaram no Congo em 1482, quando já havia um reino estabelecido há um século. O rei do Congo era chamado manicongo [= senhor do Congo (3)] e reinava sobre seis províncias. Algumas províncias eram de reinos vassalos (Zaire, Ngoyo, Kakongo e Luango). A capital do Congo era chamada Mbanza Congo. O Congo não era um reino hereditário, pois parentes chegados ao rei (filhos ou sobrinhos) podiam disputar o trono, preferindo-se a sucessão matrilinear. O poder do rei era absoluto (4). Em 1569 os Jagas guerreiam o Congo: era o início da sua decadência, que efetivamente acaba em 1665, quando os Portugueses levam para Luanda – em Angola - a cabeça do Manicongo Antônio.
No Congo muitas pessoas se tornaram escravas por transgredirem normas de direito consuetudinário, por dívidas (incluídas as tributárias) e por feitiçaria (5). Dentre as normas de direito consuetudinário cuja transgressão era punida com a escravatura, estava a proibição de adultério e de homicídio. Além de tais casos, ainda poderia alguém ser reduzido à escravidão pela captura ou compra (comunidades vendiam membros seus em troca de comida, por ocasião de períodos de muita fome). Mas o principal meio para obtenção de escravos era a guerra. Os escravos eram obtidos nos reinos de Luba, Lunda, Kazembe e Lozi. A instituição da escravidão era disseminada na África e aceita em todas as regiões exportadoras, e a captura, compra, transporte e venda de escravos eram componentes normais das sociedades africanas (6). Das relações do Manicongo com os portugueses, constava a venda de escravos daquele para estes (7). Mesmo porque, como já se viu em outra postagem, no Congo, 50% da população era formada por escravos.
Para se ter uma idéia de como se vestia, em 1483, a gente do Sônio (Sonho, So-no, Soio ou Soyo), uma província de noroeste do reino do Congo, veja-se a descrição de SILVA: nua do umbigo para cima e pintada de branco e de outras cores, com cocares de penas e belos panos de ráfia amarrados à cintura, a tocar atabaques, gonguês, chocalhos e trompas de marfim. O "mani" trazia uma carapuça na qual vinha bordada uma serpente. (8)
A foto acima é de uma apresentação de capoeira em Itamaracá, Salvador/BA, em 1995.

Notas:
1 – Joseph. História da África Negra. Tradução de Américo de Carvalho. Mem Martins (Portugal), Publicações Europa-América, 3ª Edição, 1999, p. 231.
2 – Segundo SOUZA (Marina de Mello e. Reis Negros No Brasil Escravista. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002, p. 135), banto não é o nome de nenhuma língua ou povo específico, designando um macrogrupo com características lingüísticas e culturais semelhantes. O nome banto resultou de uma denominação dada por W.H.Bleck, que percebeu um grande grupo lingüístico africano, no qual em todas as línguas a palavra ntu tinha o sentido de gente. Banto é o plural de ntu.

3 – Mani, segundo PARREIRA (Adriano, ECONOMIA E SOCIEDADE EM ANGOLA Na Época da Rainha Jinga Século XVII.Lisboa, Editorial Estampa, 1997, p. 168) parece não ser um vocábulo kikongo ou kimbundo, razão pela qual este autor denomina o manicongo de ntotela. Enquanto que mani aparece no kikongo, na forma composta de maniputu, como sinônimo de “imperador”, soberano e “governador” e de “senhor”, na forma composta de manimwata, o vocábulo ntontela, assim como os vocábulos kikongo, ntinu, nfumu, nkuluntu e ndembu, são sinônimos de “imperador” e de “rei”.
4 – KI-ZERBO, obra citada, pp. 231-236.
5 – FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras – Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, p. 91 e 99 e PANTOJA (Selma. NZINGA MBANDI – MULHER, GUERRA E ESCRAVIDÃO. Brasília, Thesaurus, 2000), p. 75.
6 – SOUZA, obra citada, pp. 117 e 127. O texto em itálico é uma citação em nota de fim, atribuída a THORTON – nota 20, p. 342
7 – O mecanismo da captação e venda de escravos era controlado pelo soberano do Kongo, segundo PANTOJA (Selma. NZINGA MBANDI – MULHER, GUERRA E ESCRAVIDÃO. Brasília, Thesaurus, 2000, p. 63).
8 – SILVA, Alberto da Costa e. A Manilha e o Libambo. Rio de Janeiro, Ed. Nova Franteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002, p. 362.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

RAÍZES JURÍDICO-POLÍTICAS CENTRO-AFRICANAS 3


A sudoeste da atual Nigéria desenvolveram-se os principados yorubas. As origens lendárias destes principados apontam como grande antepassado Oduduwa, filho de Olodumaré (ou, para o islamismo, filho de Lamurudu, rei de Meca). Oduduwa teve sete filhos, que reinaram em Owu, Sabe, Popo, Benim, Ilé, Ketu e Oyo. Os Yorubas vieram do Nordeste, entre os séculos VI e XI. Oranyan (fundou Oyo) teve um filho chamado Shango (do qual, quando falava, saiam chamas da boca e fumo pelas narinas). Shango tentou dominar os raios por processos mágicos, o conseguiu, mas se enforcou. É venerado como deus dos raios. A característica dos países yorubas é a organização em base municipal, sendo um reino yoruba uma espécie de federação de cidades.

Em Oyo, o rei que se tornava culpado de exação ou de crime escandaloso, tinha que andar com uma cabaça vazia ou com ovos de papagaio. Ou pior, podia receber a seguinte determinação do Oyo-mesis (o baho-rum): As nossas sessões de adivinhações revelaram-nos que o seu destino é mau e que o seu orun (o seu outro ser celeste) já não tolera que continue aqui na Terra. Pedimos-lhe, pois, que vá dormir. O soberano devia envenenar-se logo a seguir. Apesar de as cidades yorubas serem administradas por um balé, o verdadeiro poder ficava nas mãos de um colégio de notáveis, chefiados pelo olovo oba. As cidades eram cercadas por muralhas, cujo porteiro, freqüentemente um mágico (babalawo) recebia os impostos.
O reino do Benim liga-se a Ifé pelo fundador lendário, Oranyan e teve seu início por volta do século XII. Benim era governado pelo oba (monarca absoluto). Supunha-se que o oba conhecesse segredos mágicos que levariam o país à prosperidade. O oba era sacerdote máximo (presidia ritos com sacrifícios humanos, alguns dos quais consistiam em matar doze ou quinze escravos, na esperança de fossem para um lugar melhor) e o mais alto justiceiro. Havia chefes de palácio e chefes de cidade, ligados ao oba. Viajantes declararam que o Benim tinha boas leis e uma polícia bem organizada. O reino do Benim atingiu seu apogeu no século XV. Foi o 16º oba, Okpamé, conhecido por Ozobwa, que fez contato com os Portugueses, em 1684 (1) ou em 1486, segundo SILVA (2). Na África, em geral a propriedade da terra era coletiva (3).
O palácio do obá era composto por numerosos prédios, nos quais viviam o rei, suas mulheres e uma porção de nobres, com suas famílias, agregados, servidores e escravos. O reino do Benim tinha uns 385km de oeste para leste e cerca da metade disto do sul para o norte. No Benim se venerava o Oni ou rei de Ifé, a cidade sagrada, o umbigo do mundo, o lugar de onde viera Oraniã, o pai do primeiro dos obas do Benim. E era ao "oni" que cada novo obá solicitava a confirmação ritual do poder. O Benim comerciava escravos com Portugal nos séculos XV e XVI. Por volta de 1514, eram transportados, anualmente, mil escravos do Benim para a ilha do Príncipe (4).
Segundo SILVA, o reino de Oyo também era conhecido por Oió e seu rei era o “alafim”. Os oiós teriam entrado em guerra com o Benim, mas foram derrotados (5).
A foto acima, de uma estátua de Oxalá, foi tirada no Hotel Iberostar, Praia do Forte, BA, em 2008.

Notas:
1 – KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Tradução de Américo de Carvalho. Mem Martins (Portugal), Publicações Europa-América, 3ª Edição, 1999, pp; 202-208.
2 – SILVA, Alberto da Costa e. A Manilha e o Libambo. Rio de Janeiro, Ed. Nova Franteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002, p. 309.
3 - KI-ZERBO, obra citada , p. 224.
4- SILVA, ob. cit., pp. 310, 311, 321.
5 – SILVA, ob. cit., p. 341.

terça-feira, 18 de maio de 2010

RAÍZES JURÍDICO-POLÍTICAS CENTRO-AFRICANAS 2


O reino sosso do Kaniaga sucedeu ao Gana. Situava-se na mesma região e evoluiu de 1076 a 1180 sob a direção de soninkés animistas: os Diarissos. Segue-lhe, também na mesma região, o Império do Mali, também chamado Mandinga (1). Hoje, no mesmo local, há o país denominado Mali (veja o mapa aqui). O rei era apenas o porta-voz do grande conselho (formado pelos clãs), que decidia sobre a guerra e os impostos. Os impostos consistiam em dias de trabalho nas terras do chefe e gêneros agrícolas para as festas da coletividade, sendo as multas decorrentes de sentenças prolatadas pelo rei satisfeitas de igual maneira. Estas sentenças eram dadas após o próprio rei examinar as queixas de seus súditos, já que o soberano era, antes de tudo, um dispensador de justiça. O declínio do Mali ocorreu por volta de 1490, tendo seu imperador pedido auxílio para Portugal, o que foi em vão. No reino do Mali era comum escravos libertos ocuparem postos de confiança muito elevados. Havia no reino do Mali quatrocentas cida-des e vilas, já que o reino estava dividido em províncias (2).
Os portugueses chegaram na costa africana por volta de 1442 e do ano de 1445 datam as primeiras compras de escravos. Nestas negociações, os portugueses conheceram os reinos Jalofo e Serere. Jalofo tinha as províncias Ualo, Caior, Baol e Sine. Jalofos e sereres tinham estruturas sociais altamente hierarquizadas. E tinham escravos.
O Mali tinha como rei o mandimansa. Mansa era um dos vários reis e mandimansa era o rei dos reis. A decadência do Mali começou já em 1433 e foi se acentuando ao longo dos cem anos que se seguiram. O Mali tinha um forte comércio com Portugal. Mesmo decadente, o reino do Mali ainda dominou o comércio de escravos por muito tempo (3).
Na foto acima, de 1995, box do Mercado Modelo, em Salvador/BA, onde estão expostos para venda vários instrumentos musicais de origem africana. Há também imagens de santos, representando o sincretismo religioso (símbolos de uma religião servirem para outra: santo católico/nkise africano).

Notas:
1 – KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Tradução de Américo de Carvalho. Mem Martins (Portugal), Publicações Europa-América, 3ª Edição, 1999, pp. 136-138; 163-164.
2 - KI-ZERBO, obra citada, p. 165, 174, 177, 178.
3 - SILVA, Alberto da Costa e. A Manilha e o Libambo. Rio de Janeiro, Ed. Nova Franteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002, pp. 157, 159, 160, 161, 168, 174 e 288)

segunda-feira, 17 de maio de 2010

RAÍZES JURÍDICO-POLÍTICAS CENTRO-AFRICANAS 1


FLORENTINO (1) informa que Congo e Angola eram as maiores fontes de escravos para o porto do Rio de Janeiro entre os anos de 1795 a 1830. Em 1789, metade dos 170 mil habitantes do Rio de Janeiro eram escravos. Um século antes, a situação era a mesma no Congo (África): 50% da população era composta por escravos. Ao todo, quatro milhões de africanos desembarcaram no Brasil entre os séculos XVI e XIX, a maioria deles parecendo ter se originado dos primeiros oitenta quilômetros entre a costa atlântica e o interior da África centro-ocidental (2).
Enquanto os índios no Brasil utilizavam instrumentos de pedra, madeira e cerâmica (Pero Vaz de Caminha menciona, em sua carta, o uso de machados de pedra pelos índios), na localidade de Nok (área hoje per-tencente à Nigéria) foram encontrados vestígios de domínio da técnica do ferro datados de 300 a ±100 a.C.. A palavra ferro em suaíli é de origem banta, ao passo que as palavras que designam outros metais são de origem árabe (3). Os bantos eram agricultores e ferreiros (4).
Diferentemente dos índios brasileiros, que não tinham um Estado e um Direito formal, os africanos centro-ocidentais (região do Congo, Angola e arredores) e da região de Moçambique (África centro-oriental) se organizavam em reinos e impérios. O primeiro império negro conhecido com bastante precisão é o império do Gana, dele havendo notícias pelo menos deste o ano 970 (5). O Gana se situava onde é hoje parte da Mauritânia, logo ao Norte dos Rios Senegal e Niger. Era o soberano (tunka) quem fazia justiça. A sucessão era matrilinear (o filho da irmã do rei era quem o sucedia). O governador da cidade e os ministros sentavam-se no chão, aos pés do rei.
A foto acima (de 1995) é de Iemanjá, ou Nossa Senhora dos Navegantes, um ícone do sincretismo religioso.

Notas:
1 - FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras – Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, pp. 23, 28 e 78.
2 – Destes 4 milhões de centro-africanos que imigraram compulsoriamente para o Brasil até 1850, só havia, em 1872, 1,5 milhão de escravos – FLORENTINO, obra citada, p. 52.
3 – KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Tradução de Américo de Carvalho. Mem Martins (Portugal), Publicações Europa-América, 3ª Edição, 1999, pp. 113-114.
4 – KI-ZERBO, obra citada, p. 123.
5 - KI-ZERBO, obra citada, p. 133.

domingo, 16 de maio de 2010

O PODER E AS REGRAS OBRIGATÓRIAS ENTRE OS ÍNDIOS 10



Sem lei e sem rei

foto artesanato
Na Carta de Pero Vaz de Caminha se percebe que alguma noção de propriedade havia entre os índios encontrados pela expedição de Cabral: um índio pediu aos portugueses as contas de um rosário e depois as de-volveu; um dos degredados que vieram com Cabral foi à terra com uma bacia pequena e duas ou três carapuças, as quais os índios não tomaram; o mesmo degredado (chamado Afonso Ribeiro) foi novamente à terra e nada lhe tomaram (mesmo tendo um índio fugido com umas continhas amarelas que o degredado levava, outros índios lhas tomaram de volta e as devolveram a Afonso). Mas a existência de relações políticas entre os índios, de propriedade e justiça foi muito tempo orientada pelo que escreveu Américo Vespúcio, em carta dirigida a Lourenço dei Médici, em 1502:
Não têm lei nem fé alguma. Vivem segundo a natureza. (...) Não possuem entre si bens pró-prios, porque tudo é comum. Não têm fronteiras de reinos ou província; não tem rei, nem obedecem a ninguém: cada um é senhor de si. Não administram justiça, que não é necessária para eles, porque neles não reina a cobiça.

Em outro documento histórico (certidão de Valentim Fernandes), percebe-se que a proibição de incesto entre os índios valia somente para pais com filhas, mães com filhos, irmãos com irmãs. Em carta de Américo Vespúcio, de 1503, é negada tal proibição de incesto entre os índios.
Damião de Góis informa que os índios por nenhum delito fazem justiça, senão por homicídio. A justiça pelo homicídio se fazia do seguinte modo:
Os parentes do homicida o hão de entregar aos parentes do morto, os quais o afogam e enterram, presentes uns e outros, com muitos prantos e choros, comendo e bebendo por muitos dias. E assim ficam amigos; se, por acaso, o homicida foge, e se não pode fazer entrega dele aos parentes do morto, então lhes dão as filhas e irmãos do homicida; ou, se as não têm, as parentas mais chegadas, por cativas dos parentes mais chegados do morto. E assim ficam amigos.

As fotos acima são de uma apresentação de um resumo do Festival de Parintis, apresentação esta ocorrida em Manaus, em 2001.

sábado, 15 de maio de 2010

O PODER E AS REGRAS OBRIGATÓRIAS ENTRE OS ÍNDIOS 9


Ensino da Lei e Igualdade
Os índios Botocudos tinham suas normas: idade para furar a orelha dos jovens, divisão social do trabalho segundo o sexo e a idade, regulamentação de lutas internas (1).
A forma de gravar tais regras na memória dos índios eram os rituais de iniciação, em que, mediante a dor corporal (inesquecível, especialmente por deixar cicatrizes), se fixavam os princípios da comunidade. As cicatrizes eram a marca que a sociedade indígena deixava no corpo do jovem: Nenhum de vós é inferior, nem superior. (...) Tu não és menos importante nem mais importante do que ninguém. Esta lei da igualdade é a lei primitiva (Tu não és mais do que os outros) e raros são os chefes que a transgridem. A lei é, assim, cruelmente ensinada e se torna uma vontade pessoal de cumpri-la (2). Mas a lei resulta de uma vontade social, ou seja, a sociedade tudo controla e interdita a autonomia dos que a compõem. Não há o indivíduo, mas sim o conjunto, a relação da pessoa com a comunidade. Uma observação interessante: os índios trabalhavam cerca de quatro horas por dia (3).
A foto acima é da Estátua de Iracema, na Praia do Mucuripe, em Fortaleza. Foto tirada em fevereiro de 1995. Para maiores informações sobre a estátua, clique aqui.

Notas:
1 – PARAISO, Maria Hilda B. Os Botocudos e sua Trajetória Histórica. In CUNHA, Manuela Carneiro da (org.) HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 2ª edição, 2002, p. 424.
2 – CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo, Cosac & Naify, 2003,, pp. 195-204 e 224. De se lembrar que a ênfase que o autor dá ao princípio da igualdade entre os índios deve ser vista sob a informação de que se trata de etnólogo francês, povo que se notabilizou - no campo político-jurídico - pela revolução que propagou ao mundo moderno o princípio da igualdade.
3 - CLASTRES, obra citada, p. 212.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

O PODER E AS REGRAS OBRIGATÓRIAS ENTRE OS ÍNDIOS 8


Castigos e obrigações


Entre os índios ARARA (localizados no Estado do Pará) TEIXEIRA-PINTO percebeu a existência de valores éticos polares: egoísmo, violência, predação de um lado e formas gentis, solidárias e generosas de convívio, de outro. O ROUBO, por exemplo, é uma forma de egoísmo. Mas a idéia de roubo e inveja quase que se aplica somente às coisas que o trabalho humano transforma. Na aldeia dos Arara, há roças coletivas e individuais e, da mesma forma que os Xavantes, as mulheres são PROMETIDAS em casamento logo após nascerem. Quando há visitas, estas não podem entrar na aldeia levando o que trazem para ser oferecido. Tudo deve ser deixado num acampamento próximo e, após fazerem a saudação e receberem a bebida é que pegam as dádivas no acampamento e retornam à aldeia para oferecê-las. AS CASAS são lideradas por um homem velho e têm autonomia política e econômica para escolher a forma de interagir com as outras casas. Como a residência é uxorilocal, os homens trocam de grupo residencial após casarem. Há OBRIGAÇÃO de doar caça: alguns devem dar a caça ao sogro (atual ou futuro, pois um casamento obriga o genro a prestar serviços ao sogro), outras dão para o que será sogro de seu filho e outros, ainda, para o líder da casa. A QUEBRA DESTAS REGRAS GERA CASTIGOS SOBRENATURAIS: no início dos tempos, os macacos-prego e as cutias eram gente, mas foram transformados em bicho por transgredirem as regras de boa convivência. MAS HÁ OUTRAS FORMAR DE ACOSTUMAR AS PESSOAS A CUMPRIREM AS REGRAS: crianças impacientes e irritadiças (...) ficam quase sem comida e sem carinho até que se acalmem e se submetam. Inimizades e desavenças eram resolvidas pelo afastamento do indivíduo ou do subgrupo hostil e, a depender das alianças políticas, pela formação de barreiras sociais que impediam a continuidade das relações do grupo adverso com a rede intercomunitária que envolvia as várias unidades locais dispersas espacialmente. TÉCNICAS DE GUERRA exigiam duplas de parceiros, que ficavam com vínculos duradouros entre si. Se uma dupla matava um inimigo, o vínculo entre os parceiros aumentava, autorizando que um parceiro tivesse acesso sexual à esposa do outro, já que sangue e esperma de um seriam da mesma substância que sangue e esperma do outro. O matador não pode ter relações sexuais com a própria esposa, mas deve ter com a do parceiro. Comer e manter relações sexuais têm metaforicamente um mesmo campo semântico, coberto pelo termo “emtabri”: quem mata um bicho não pode comê-lo, mas come o que os outros matam; quem mata um inimigo, não tem acesso sexual à própria esposa, mas sim à do parceiro. Somente homens mais velhos e matadores podiam tocar a flauta tïdïdï (no interior de uma casa, à noite, com todos de pé). Os mortos não podem ser enterrados, mas sim colocados sobre a terra, em plataformas suspensas alguns centímetros do chão, para não interferir na circulação das substâncias vitais do solo. As mães dão os nomes provisórios aos filhos e os pais, os definitivos. As mesas são postas segundo regras definidas; o lixo não é enterrado ou colocado longe da aldeia (o que começa a gerar problemas, em face de as aldeias terem se tornado fixas). AS DESAVENÇAS EM GERAL SÃO SOLUCIONADAS POR AMEAÇAS: os homens ritualizam, em frente às casas, ameaças a algum desafeto, geralmente em decorrência de relações extraconjugais de suas esposas. Neste caso de suspeita de relações extraconjugais das esposas, ocorre o seguinte: os homens se pintam e, discursando pausadamente em sinal de desagravo, afirmam ter descoberto aquele com quem sua esposa o está traindo. Não raro as esposas têm mesmo amantes, quase nunca o marido os descobre, mas sempre usa o rito público de afronta para ameaçar a relativa estabilidade em que as relações extra-conjugais transcorrem: mesmo sem saber de quem se trata, um homem acerta ao menos na sua existência, complica os encontro amorosos e, com um pouco de sorte, põe fim à sem-vergonhice. Ninguém interrompe um marido que discursa. Mas jamais vi qualquer continuidade prática destes ritos cotidianos; tudo parece de fato encerrar-se ao fim das falas. Os Arara não admitem o divórcio, mas os homens podem se casar com mais de uma mulher. Em caso de homicídio, o homicida pode ser banido da aldeia ou ser sujeitado à vingança de um parente da vítima. Em casos de ROUBO, o protesto público, sem nomear o desafeto, funciona como punição. A falta de cumprimento de regras de convivência também pode implicar interdições rituais, que o xamã impõe conforme o juízo do jaguar/onça, que é o próprio juízo do xamã. Mas a fala pública e veemente é a forma mais comum de acerto de contas com os desafetos; mais raro e mais grave é quando os homens, ao falarem, pintam seus corpos. E existe ainda, como castigo pela falta de generosidade, as punições sobrenaturais: ser transformado em queixada, caititu ou porco.
As informações acima foram colhidas na obra de Márnio TEIXEIRA-PINTO (Ieipari – Sacrifício e Vida Social entre os Índios Arara (Caribe). São Paulo, Editora Hucitec Anpocs, UFPR, 1997, pp. 41, 63, 73, 78, 83, 87, 98, 113, 119, 120, 121, 125, 137, 133, 155, 173, 175, 176, 186, 240, 258, 259, 264, 270, 308, 310, 341, 370, 371).
A foto acima foi tirada perto de Manaus/AM, em 2001, durante uma apresentação de rituais indígenas.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Fátima




Dia 13 de maio se comemora, no Brasil, a libertação dos escravos e, em Portugal e no mundo católico a aparição de Nossa Senhora em Fátima, Portugal.
O Bispo Fulton J. Sheen faz uma interessante conexão entre Nossa Senhora de Fátima e Fátima filha de Maomé. A conexão é interessante exatamente porque os muçulmanos dominaram Portugal do ano 711 até cerca do ano de 1300. Para ler o texto do Bispo Fulton, clique aqui.
As fotos acima são de julho de 2007 e foram tiradas em Fátima, Portugal, num domingo chuvoso, 15 de julho.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

13 de Maio III


Estado, Igreja e Escravidão

Uma pessoa podia se tornar escravo de diversas maneiras: por ser prisioneiro de guerra, por dívidas, por ter cometido algum crime punido com a escravidão.
Entre os índios brasileiros, não era comum a escravidão perpétua, mas sim a temporária. Certamente era mais aceitável para um índio ser escravo por um certo tempo e depois ser morto e devorado por seu dono, do que ficar a vida inteira como escravo. Entre os africanos já havia a instituição da escravidão, sendo suas regras muito parecidas com as do Brasil.
Nas Ordenações Filipinas havia diversas disposições sobre a escravidão. Entre elas, destaquei a que trata do batismo de escravos:

Livro 5 - TÍTULO XCIX

Que os que tiverem escravos de Guiné, os batizem

Mandamos, que qualquer pessoa, de qualquer estado e condição que seja, que escravos de Guiné tiver, os faça batizar, e fazer Cristãos do dia, que a seu poder vierem, até seis meses, sob pena de os perder para quem os demandar.
E se algum dos ditos escravos, que passe de idade de dez anos, se não quiser tornar Cristão, sendo por seu senhor requerido, faça-o seu Senhor saber ao Prior ou Cura da Igreja, em cuja Freguesia viver, perante o qual fará ir o dito escravo e se ele, sendo pelo dito Prior e Cura admoestado, e requerido por seu senhor perante testemunhas, não quiser ser batizado, não incorrerá o Senhor em dita pena.

1. E sendo os escravos em idade de dez anos, ou de menos, em toda a maneira os façam batizar até um mês do dia que estiverem em posse deles: porque nestes não é necessário esperar seu consentimento.

2. E as crianças, que em nossos Reinos e Senhorios nascerem das escravas, que das partes de Guiné vierem, seus senhores a façam batizar aos tempos, que os filhos Cristãs naturais do Reino se devem e costumam batizar, sob as ditas penas.

As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707, nos §§ 50, 51 e 52, também traziam diversas instruções sobre o batismo de escravos vindos da Mina e de Angola. Se não soubessem a língua portuguesa (nesta situação eram chamados de boçais ou buçais), as Constituições determinavam que fosse dado um intérprete.
Mas, informa Cândido Mendes de ALMEIDA, nos comentários ao TÍTULO XCIX do Livro 5 das Ordenações Filipinas, o Alvará de 3 de Agosto de 1708 determinou que ninguém tirasse aos Ingleses seus filhos para batizar contra sua vontade , salvo sendo de idade que pudessem escolher Religião, que era aos sete anos.
A Constituição brasileira de 1824 não falava em escravidão, mas o projeto feito pela Assembléia Constituinte que foi dissolvida por Dom Pedro I dizia o seguinte:
Art. 265. A Constituição reconhece os contratos entre os senhores e os escravos; e o governo vigiará sobre a sua manutenção.
O texto da Lei Áurea (LEI Nº 3.353, DE 13 DE MAIO DE 1888, que aboliu a escravidão no Brasil) e de outras leis que trataram da escravidão pode ser visto aqui e aqui.

terça-feira, 11 de maio de 2010

13 de Maio II


Origem da palavra Escravo

Em filmes, romances e novelas, normalmente se apresenta a obtenção de escravos na África como sendo unicamente pela razia. Esta maneira de apresentar o fato histórico acaba – por ser maniqueísta – colocando a responsabilidade em só um dos envolvidos: o não africano. Além disso, imbeciliza o que é escravizado por esse modo: se deixa apanhar e não reage, submetendo-se a uma vida na escravidão.
Na realidade, sem a decidida cooperação do africano, a obtenção de escravos só mediante a razia (“caça” na selva, raptos etc) seria inviável. Há inúmeras obras sobre o tema. Uma delas é A Manilha e o Libambo, de Alberto da Costa e SILVA (Ed. Nova Franteira/Ministério da Cultura, 2002 – foto acima); outra é Em Costas Negras – Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro, de Manolo FLORENTINO (São Paulo, Companhia das Letras, 1997). A desvantagem da razia era predominantemente de fundo econômico, pois quase sempre foi melhor negócio comprar o escravo do que correr os riscos de captura-lo (p. 19).
Há um componente cultural, também, para que viceje a escravidão, ou seja, há que ela ser aceita, para que alguém se submeta a tal situação por uma vida inteira. A idéia de que é natural existirem senhores e escravos é muito antiga: Aristóteles já dizia isso (veja a obra A Política aqui). Avicena, por volta do século X, citado por SILVA (p. 57) declarou ser da boa ordem das coisas haver senhores e escravos. Só, portanto, uma revolução econômica (ou industrial) seria capaz de movimentar e dar suporte à derrubada desta idéia de "naturalidade" da escravidão. É razoável supor, então, que motivos econômicos também estimularam o combate à escravidão e não somente a bondade dos homens.
Os africanos possuíam escravos. SILVA informa que ter escravos, na África, era sinal de riqueza e prosperidade (p. 102).
Diz, ainda, SILVA, que, segundo o historiador queniano Bethwell A. Ogot, teria sido no mundo islâmico que a pele negra se tornou símbolo de inferioridade e a África sinônimo de escravidão (p. 59). Ou seja, isto teria ocorrido entre os anos 622 e 1200, quando o islamismo surgiu no mundo e se expandiu em riqueza e território. E mais: até o século X só se usava "servus": foi depois das campanhas de Otão, "o Grande", e seus sucessores contra os povos eslavos que o grande número de cativos reduzidos à escravidão e distribuídos pelas várias partes do Império fez chamar "slavus" - "sclavus" - escravo ao servo. [conforme CAETANO, Marcello. História do Direito Português – Fontes – Direito Público (1140-1495). Lisboa, Editora Verbo, 3ª. Edição, 1992, p. 180] . Segundo SILVA (ob,. cit., p. 134), eslavo vem esclavus, escravo, esclave, esclavo, schiavo, slave e sklave. CAETANO (ob. ct., p. 181) cita as Institutas de Justiniano, I, 3, 3, para dizer que se chamava servo ao escravo porque os generais costumavam vender os prisioneiros e para isso os conservavam (em latim, "servare", conservar).
A escravidão, além de ser ruim por motivos humanitários, é ruim também por motivos econômicos, pois impede a circulação da riqueza. Felizmente acabou entre nós, ainda que tardiamente (em Portugal acabou no século XVIII).

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Treze de Maio I

13 de maio e Poesia
(...)

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p’ra não mais s’erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm’lo de maldade,
Nem são livres p’ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
- Férrea, lúgubre serpente -
Nas roscas da escravidão.

O trecho acima, da poesia O Navio Negreiro, de Castro Alves, permite conhecer a visão que o poeta tinha da vida dos africanos antes de vir para o Brasil: era uma vida idílica. Uma grande extensão de terra (areias infindas) cheia de palmeiras. As crianças eram lindas, as moças gentis. A vida dos homens também era muito tranqüila, segundo Castro Alves: guerreavam, caçavam leões e dormiam quando tinham vontade.

Esta visão romântica e, ao mesmo tempo, maniqueísta da escravidão no Brasil, talvez nos crie dificuldades para entender racionalmente o fenômeno e administra-lo no nosso relacionamento mútuo com os descendentes de escravos. O entender racionalmente significa conhecer o que aconteceu antes no mundo, ou seja, a experiência histórica com a escravidão, e o que aconteceu nos dois lados do Oceano Atlântico antes da proibição do tráfico humano da África para o Brasil (que ocorreu em 1830, para só em 13 de maio de 1888 serabolida totalmente a escravidão).
As rotas de escravos que o Poeta cita se limitam ao deserto do Saara, ou seja, fica a impressão de que todos os escravos que vinham para o Brasil tinham que cruzar o Saara. A realidade não era esta: dificilmente uma rota que trouxesse cativos para os portos do Atlântico cruzava o deserto, pois havia fontes de escravos no interior da parte central da África (há mapa com estas rotas em FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras – Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, mapa 2).
Raramente, também, as mulheres estavam em suas cabanas e eram surpreendidas por uma caravana que as sequestrava; e os homens não viviam em lúdicas guerras ou caçando leões. Até porque, se o africano perdesse a guerra e sobrevivesse, se tornaria escravo (o que era hábito de muitos povos, pelo menos até a Idade Média). Geralmente os escravos que vieram para o Brasil já eram escravos na África, como se verá nas próximas postagens.

domingo, 9 de maio de 2010

O PODER E AS REGRAS OBRIGATÓRIAS ENTRE OS ÍNDIOS 7


Divisão Sexual do Trabalho, da Moradia e morte de crianças

No Xingu, também há regras específicas, especialmente quanto à divisão do trabalho: carregar água é função da mulher, rachar lenha é função do homem, mas a mulher a transporta. O incesto é proibido. Os pais não surram os filhos, as pessoas são distribuídas nas malocas segundo sua condição: o dono fica na primeira rede à direita, lado em que ficam os solteiros; na ala dos casais as redes são superpostas, não o sendo na dos solteiros; só é permitido conversar na ala social da maloca (1) (espaço de 1 metro entre as duas portas). Caso nasçam filhos gêmeos, geralmente são mortos, pois, se um representa o bem e o outro, o mal, como saber distingui-los?
Só homens podem tocar e ver uma flauta denominada Jacuí, que num passado remoto só podia ser vista e tocada pelas mulheres (2).
Entre os Xavantes, os casamentos dos filhos são decididos pelos pais e a mãe leva a filha para conhecer seu futuro esposo.
Um homem que batia muito em sua mulher foi justiçado: teve a garganta cortada com taquara; as coxas e o corpo foram cortados com dente de piranha (ainda assim, sobreviveu ao castigo). Mas os narradores do fato dizem que esse costume não continua (3).
A foto acima foi tirada em 2001, perto de Manaus/AM, após apresentação de danças e rituais indígenas.

Notas:
1 – Entre os Arara, este espaço é o centro da casa, que equivale ao pátio da aldeia (TEIXEIRA-PINTO, Márnio. Ieipari – Sacrifício e Vida Social entre os Índios Arara (Caribe). São Paulo, Editora Hucitec Anpocs, UFPR, 1997, p. 264).
2 – VILLAS BÔAS, Orlando. A arte dos pajés: impressões sobre o universo espiritual do índio xinguano. São Paulo, Editora Globo, 2000, pp. 27, 30, 31, 33 e 79.
3 – SEREBURÃ et all. Wamrêmé Za’ra – Nossa Palavra: Mito e História do Povo Xavante. Tradução Supretaprã Xavante e Jurandir Siridiwê Xavante I. São Paulo, Editora SENAC São Paulo, 1998, pp. 22 e 106.

sábado, 8 de maio de 2010

O PODER E AS REGRAS OBRIGATÓRIAS ENTRE OS ÍNDIOS 6



Divisão sexual do trabalho

CLASTRES informa que os índios Guayaki, localizados no Paraguai, marcavam a divisão sexual dos trabalhos por utensílios que homens e mulheres carregavam: estas cestos, aqueles arcos. Aos quatro ou cinco anos, o menino recebe do pai um pequeno arco; aos nove ou dez anos, a menina recebe da mãe uma miniatura de cesto. Para os homens é uma vergonha carregar um cesto, para as mulheres é uma temeridade tocar um arco. O contato da mulher com o arco,atrairia para seu proprietário o pane, ou seja, o azar na caça (fundamental para a subsistência dos Guayaki), o mesmo azar se abatendo sobre o homem que tocasse um cesto. Se um homem passa a carregar cesto, deixa de ser homem e, metaforicamente, se torna uma mulher. Na época da pesquisa, dois homens estavam condenados a carregar cestos: um, porque era pane, ou seja, azarado na caça (sequer mulher tinha); ou outro, era homossexual. O pane era objeto de desprezo pelos homens, de riso pelas mulheres e não tinha o respeito das crianças; o homossexual não despertava maiores atenções. Outras regras também há entre os guayaki, cuja transgressão provocaria o pane, como, por exemplo, a proibição do caçador comer sua presa (deve dá-la para os outros e comer da caça de outro caçador). Outra regra determina que cada mulher tenha dois maridos (um principal e um secundário, situação que não é aceita de boa vontade pelos homens) (*).
A foto acima, de 2001, foi tirada no Museu do Índio de Manaus.

Nota:
* - CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo, Cosac & Naify, 2003, pp. 119 a 143. Note-se que estas regras têm, segundo o autor citado, suas razões: a proibição de comer da própria caça, leva à solidariedade do grupo, pois sozinho, o homem não poderia sobreviver, já que passaria fome ao não poder comer sua caça; a poliandria se deve ao fato de um déficit crônico de mulheres entre os guayaki.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O PODER E AS REGRAS OBRIGATÓRIAS ENTRE OS ÍNDIOS 5



Guerra e Escravidão
CLASTRES assinala que os índios Achagua e os Chibcha (localizados na Colômbia e Venezuela) se diferenciavam do resto das populações índias sul-americanas porque escravizavam seus vizinhos menos pode-rosos e tomavam prisioneiras como esposas complementares. Os índios Omágua (localizados no oeste do Estado do Amazonas) também escravizavam prisioneiros de guerra e faziam das mulheres suas concubinas (1). Entre os índios Tupinambás, os prisioneiros de guerra eram escravizados temporariamente. Durante este tempo – que podia ser longo - eram alimentados e recebiam esposa. A escravidão provisória terminava com a festa ritual, na qual o prisioneiro era devorado (2). Américo Vespúcio (3), em carta a Lourenço dei Médici (1502) informa que se os prisioneiros fossem homens, os apreensores casavam-no com uma de suas filhas e, se mulheres, casavam com elas. Mas tantos os homens prisioneiros e seus filhos, quanto as mulheres prisioneiras e filhos que tivessem, seriam devorados nas cerimônias para tal fim realizadas. Viver dentro das normas consideradas certas, para os Tupinambás, era viver para matar e comer muitos inimigos (4). Os Arara não levavam para suas aldeias prisioneiros com vida (5).
As fotos acima são de um pote com farinha de mandioca, invenção dos índios, assimilada por nós e pelos africanos que, a partir do século XVI, comerciavam com Portugal e Brasil. É que desde este tempo, a farinha de mandioca foi exportada do Brasil para a África e lá ficou conhecida também como farinha de guerra, pois, por ser fácil de conservar e transportar, podia ser usada como alimento em guerras.

Notas:
1 – PORRO, Antônio. História Indígena do Alto e Médio Amazonas – Séculos XVI a XVIII. In CUNHA, Manuela Carneiro da (org.) HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 2ª edição, 2002, p. 182. Há registro também de que índios capturavam e aprisionavam outros índios como escravos em DANTAS (Beatriz G. et all. Os povos indígenas no nordeste brasileiro Um esboço histórico. In CUNHA, obra citada, p. 436).
2 – CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo, Cosac & Naify, 2003, pp. 51 e 87.
3 – Este documento, a carta de Caminha, as cartas de Américo Vespúcio, a certidão de Fernandes e a Crônica de Damião de Góis se encontram em AMADO, Janaína e FIGUEIREDO, Luís. Brasil 1500: quarenta documentos. Brasília, Editora UNB, São Paulo, IOESP, 2001.
4 – FAUSTO, Carlos. Fragmentos de História e Cultura Tupinambá Da etnologia como instrumento crítico de conhecimento etno-histórico. In CUNHA, Manuela Carneiro da (org.) HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 2ª edição, 2002), p. 387.
5 - TEIXEIRA-PINTO, Márnio. Ieipari – Sacrifício e Vida Social entre os Índios Arara (Caribe). São Paulo, Editora Hucitec Anpocs, UFPR, 1997 , pp. 114-115.