sábado, 1 de maio de 2010

Dia do Trabalho 4

Temos, entre nós, alguns hábitos que hierarquizam o trabalho, dividindo-o em trabalhos grandiosos ou humildes. No Brasil, evitamos a palavra empregado, preferindo “funcionário”, “colaborador”, “associado” e outras que evitem lembrar a situação de alguém mandando e alguém obedecendo. No serviço público, se faz referência a “ordens” sob o nome de “pedidos”: “O Dr. Fulano pediu para eu para fazer tal coisa”, quando, na verdade, o Dr. Fulano tinha mandado o Beltrano fazer tal coisa. Em Portugal, a palavra “moço” é pejorativa. É que um dos sentidos da palavra “moço”, no Dicionário Aurélio, é “criado, serviçal.” Como para nós, brasileiros, a palavra "moço" é neutra, passamos por algumas situações embaraçosas entre os lusitanos quando, por força do hábito, chamamos - lá em Portugal - alguém, usando a palavra "moço".
Mas temos raízes históricas para tais hábitos. No século XVIII havia trabalhos considerados vis. Uma menção a alguns destes trabalhos está nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707. Cavar, roçar e cortar cana, por exemplo, estavam entre os trabalhos “baixos” ou “vis” (parágrafo 478). Mas havia também trabalhos que eram considerados “tão perigosos, que dificultosamente se podem exercitar sem pecado”, como era o caso de “todo gênero de trato, mercância e negociação”, incluídas aí as profissões de tratante, rendeiro e mercador (parágrafo 482).
Atualmente, nossa Constituição adota o princípio da valorização do trabalho humano (artigo 170). Mas esta valorização do trabalho deve andar junto com o princípio da igualdade (art. 5º), de modo que não haja trabalhos considerados superiores ou inferiores. Todo trabalho honesto deve ser considerado digno de respeito e consideração. Não se pode, portanto, ter uma hierarquia social do trabalho, como se houvesse pessoas que fossem socialmente superiores e outras inferiores, por causa do trabalho que exercem.
Não pode haver trabalho honesto que seja motivo de vergonha, ou motivo de humilhação. Ninguém tem o direito de tratar o outro arrogantemente porque, num dado momento este outro está servindo (arrogante é quem não roga, não pede). O que é servido, o é por uma circunstância momentânea, que não lhe dá o direito de aviltar quem serve. Esta é a idéia de dignidade do trabalho, vivenciada num regime de igualdade social e política. E aqui se usa a palavra "vivenciada", pois a igualdade não pode se resumir um desejo, um princípio, mas deve ser uma maneira de ser, de se comportar em relação ao todo social.
Vivemos numa sociedade em que a maioria das pessoas acha que é tratada desigualmente perante a lei (em pesquisa que realizei em Itajaí, em 1986, 90% das pessoas pensavam assim). Mas não é só perante a lei que as pessoas são tratadas com desigualdade: elas tratam os outros com desigualdade, praticando a filosofia do ciclista, pois pisam em quem está embaixo e se curvam para quem está em cima.
Relatos que ouvi de pessoas que se disseram maltratadas no exterior, vieram daqueles que, aqui, tratavam mal os que os serviam profissionalmente. Certamente trataram com rispidez e arrogância vendedores, garçons, guias turísticos e outros prestadores de serviço, como se estes fossem seus escravos. Levaram o troco. Muito provavelmente nunca (nem aqui, nem lá) praticaram a igualdade.
Viver a igualdade no trabalho é entender que, aquele que me serve, é igual a mim e que eu, em alguma outra ocasião, poderei estar a servi-lo. Ninguém fica menor por servir, nem maior por ser servido.


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