terça-feira, 4 de maio de 2010

O PODER E AS REGRAS OBRIGATÓRIAS ENTRE OS ÍNDIOS 2


Democracia e igualdade
Democracia e gosto pela igualdade são a tônica das sociedades indígenas das Américas, segundo CLASTRES; e os morubixabas – chefes indígenas – praticamente não têm autoridade, não têm poder decisório. Prestígio, entre os índios, não significa poder e a palavra do chefe não tem força de lei. O que caracteriza em geral um chefe indígena é ser um fazedor da paz, é ser generoso, bom orador e ter o privilégio da poliginia. Durante a guerra, o chefe dispõe de um poder quase absoluto(1), como era o caso do Chefe Cunhambebe, dos Tamoios. O líder indígena se torna chefe somente em função de sua competência “técnica”: dons oratórios, habilidade como caçador, capacidade de coordenar as atividades guerreiras, ofensivas ou defensivas (2). Ao fazer a paz, o chefe indígena não tem uma função judiciária, pois ele não pode impor sua decisão pela força (ainda segundo CLASTRES): fracassando em reconciliar as partes, o chefe não pode impedir que a desavença se prolongue indefinidamente, com ataques violentos e outros tipos de vingança(3). Se o chefe não faz o que dele se espera, ele é abandonado pela aldeia, que escolhe um líder mais fiel aos seus deveres(4). O cacique não tem privilégios de autoridade, mas somente os de conselheiro e deve observar normas rígidas de comportamento: É comedido, não fala nem ri alto, não faz gestos bruscos, não anda apressado e jamais se põe a correr (5).
A foto acima é de uma apresentação de rituais indígenas para hóspedes de um hotel de selva, próximo a Manaus, AM, Brasil. Foto tirada em 2001.

Notas:
1- Segundo CLASTRES (Pierre. A sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo, Cosac & Naify, 2003, pp. 46 a 51, 53, 222 e 223) o chefe indígena: 1) Faz a paz, sendo a instância moderadora do grupo; 2) é generoso, pois não se pode permitir, sem ser desacreditado, repelir os incessantes pedidos de seus “administrados”; os índios têm uma espécie de direito à pilhagem permanente do chefe e se reconhece o chefe porque ele possui menos que os outros e traz os ornamentos mais miseráveis; entre os índios da América do Sul, quem mais trabalha é o chefe (p. 58); 3) somente um bom orador tem acesso à chefia; o talento oratório é uma condição e também um meio de poder político; o tema das arengas do chefe é a paz, a harmonia e a honestidade, essencialmente uma repetição de normas de vida tradicional: Nossos avós se sentiram bem vivendo como viviam. Sigamos seu exemplo e, dessa maneira, levaremos juntos uma existência tranqüila. (p. 171); em regra, os índios não prestam atenção ao que o chefe fala; a fala ocorre todos os dias, ao amanhecer e ao crepúsculo, estando o chefe deitado na rede ou sentado perto do fogo, pronunciando com voz forte o discurso;. 4) a poligamia em geral se dá sob a forma sororal. Apenas um vigésimo das sociedades indígenas pratica a monogamia rigorosa. Isto quer dizer que a maioria dos grupos reconhece a poliginia e que esta é quase continental em sua extensão. Segundo PERRONE-MOISÉS [Beatriz. Os Mebengokre Kayapó: História e Mudança Social De comunidades autônomas para a coexistência interétnica. In CUNHA, Manuela Carneiro da (org.) HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 2ª edição, 2002, pp. 319 e 334], os Kayapó, por exemplo, são monogâmicos. Mas muitos cismas importantes na história dos Gorotire e Mekranoti (subdivisões dos Kaiapó) foram causados por questões de adultério ou rivalidade sexual.

2 – CLASTRES, obra citada, pp. 90 e 223. Apesar de o chefe não ter poder, há um lugar reservado para a chefia, sendo estranho uma tribo que não tenha chefe – p. 258.
3 – CLASTRES, obra citada, p. 48.
4 – CLASTRES, obra citada, p. 62.
5 - VILLAS BÔAS, Orlando. A arte dos pajés: impressões sobre o universo espiritual do índio xinguano. São Paulo, Editora Globo, 2000, p. 25.

2 comentários:

  1. Então participaste do legítimo programa de índio! E os guerreiros, onde estão? Abs

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  2. Os guerreiros não compareceram, pois estavam numa importante reunião na taba sagrada. Além disso, não sei se os índios que estavam lá eram da tribo tupi.
    Na ocasião não ouvi cantos piaga. E, apesar de ser de noite, era cerca de 21 horas, de modo que a lua não estava morta. Quando adormeci, mais tarde, no hotel (e não numa horrível caverna), anhangá não me vedou sonhar.Também não vi nada de feio, medonho ou tremendo, ou seja, não vi espectro algum.
    Como não vi espectro, ninguém me perguntou "por que dormes", nem falou comigo como se eu fosse o piaga, nem tampouco como um sacro instrumento, que, de per si, já começasse a vibrar.
    Apesar da umidade na floresta amazônica, não vi nos bosques a bruma, nem uma coruja de dia. E a floresta não se mexia sem aragem.

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