segunda-feira, 10 de maio de 2010

Treze de Maio I

13 de maio e Poesia
(...)

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p’ra não mais s’erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm’lo de maldade,
Nem são livres p’ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
- Férrea, lúgubre serpente -
Nas roscas da escravidão.

O trecho acima, da poesia O Navio Negreiro, de Castro Alves, permite conhecer a visão que o poeta tinha da vida dos africanos antes de vir para o Brasil: era uma vida idílica. Uma grande extensão de terra (areias infindas) cheia de palmeiras. As crianças eram lindas, as moças gentis. A vida dos homens também era muito tranqüila, segundo Castro Alves: guerreavam, caçavam leões e dormiam quando tinham vontade.

Esta visão romântica e, ao mesmo tempo, maniqueísta da escravidão no Brasil, talvez nos crie dificuldades para entender racionalmente o fenômeno e administra-lo no nosso relacionamento mútuo com os descendentes de escravos. O entender racionalmente significa conhecer o que aconteceu antes no mundo, ou seja, a experiência histórica com a escravidão, e o que aconteceu nos dois lados do Oceano Atlântico antes da proibição do tráfico humano da África para o Brasil (que ocorreu em 1830, para só em 13 de maio de 1888 serabolida totalmente a escravidão).
As rotas de escravos que o Poeta cita se limitam ao deserto do Saara, ou seja, fica a impressão de que todos os escravos que vinham para o Brasil tinham que cruzar o Saara. A realidade não era esta: dificilmente uma rota que trouxesse cativos para os portos do Atlântico cruzava o deserto, pois havia fontes de escravos no interior da parte central da África (há mapa com estas rotas em FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras – Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, mapa 2).
Raramente, também, as mulheres estavam em suas cabanas e eram surpreendidas por uma caravana que as sequestrava; e os homens não viviam em lúdicas guerras ou caçando leões. Até porque, se o africano perdesse a guerra e sobrevivesse, se tornaria escravo (o que era hábito de muitos povos, pelo menos até a Idade Média). Geralmente os escravos que vieram para o Brasil já eram escravos na África, como se verá nas próximas postagens.

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