sexta-feira, 11 de julho de 2025

Libertação de Escravos no Livro 4 das Ordenações Filipinas

         As Ordenações Filipinas tratavam a escravidão como uma instituição a que estavam sujeitas quaisquer pessoas, em geral as que, elas ou seus ancestrais, tivessem sido prisioneiros de guerra. A guerra tinha que ser justa. No Tomo II da História Geral das Guerras Angolanas (CADORNEGA, Antônio de Oliveira de. História Geral das Guerras Angolanas – 1680 – Tomo II; Lisboa, Agência - Geral do Ultramar, Lisboa, 1972. Reprodução fac-similada da edição de 1940.), se tem uma ideia de como se decidia se uma guerra era considerada justa ou injusta: "a junta formada dos cidadãos, religiosos e teólogos foi de parecer que se podia fazer a guerra e que era justa." No livro 4 das Ordenações Filipinas (íntegra aqui) vamos encontrar menções a escravos mouros, tidos como pessoas de cor branca; nas notas de rodapé, há menção a escravos de cor branca; no livro 5 há menção a escravos de cor branca por 6 vezes. E há menção a escravos de cor negra, em geral denominados "Africanos".

        O Livro 4 das Ordenações Filipinas (incluindo as notas de rodapé) menciona a palavra “escravo” 127 vezes e “escrava”, 31 vezes. 

        As notas de rodapé de Cândido Mendes de Almeida são uma interessantíssima fonte de interpretação e atualização (até o século XIX) do Direito das Ordenações no Brasil. Vejamos algumas notas de rodapé.

“Os Expostos de cor lançados na roda são livres (Prov. de 22 de Fevereiro de 1823).” Expostos eram as crianças abandonadas. Veja-se em https://brasocentrico.blogspot.com/search?q=expostos

Havia mais de uma expressão para se referir à libertação de um escravo e uma destas expressões era “forrar um escravo”, ou seja, alforriá-lo; ou, ainda, dar-lhe a manumissão. Vejam-se estas notas de rodapé: 

“Escravo não pode forrar-se em inventário sem que algum herdeiro permita, tornando-o à sua parte (Res. de 6 de Março de 1854, em Av. n. 57 – de 26 de Janeiro de 1856).”

“O escravo que sai para fora do Império sem ser por fuga, ainda voltando com seu senhor, é livre (Av. n. 188 - de 20 de Maio de 1856).”

        Sobre a perseguição de escravos fugitivos, é interessante notar que não há no Livro 4 das Ordenações Filipinas menção a “Capitão-do-Mato”, mas sim Alfaqueque. A menção a alfaqueque se dá quando se diz como eram resolvidas as dúvidas sobre o preço de um escravo Mouro que seria trocado por cativo Cristão. Neste caso, o Alfaqueque funcionava como avaliador. Em nota de rodapé se informa que "Alfaqueque" significa "o resgatador de escravos, de prisioneiros, etc." Assim, a julgar pelo texto do Livro 4 das Ordenações Filipinas, o nome jurídico do perseguidor de escravos fugitivos era Alfaqueque. Capitão-do-Mato provavelmente seria o nome popular de Alfaqueque.

        Havia outras situações em que o escravo era libertado, como era o caso do Decreto nº 1.303, de 28/12/1853, mencionado resumidamente em nota de rodapé: “Africano arrematado para servir fica livre e emancipado no fim de 14 anos (Dec. n. – de 22 de Dezembro de 1853).” A ementa deste decreto estava assim redigida: “Declara que os Africanos livres, cujos serviços foram arrematados por particulares, ficam  emancipados depois de quatorze anos, quando o requeiram, e providencia sobre o destino dos mesmos Africanos.” O destino aqui mencionado, era descrito no corpo do decreto: (...) “obrigação de residirem no lugar que for pelo Governo designado, e de tomarem  ocupação ou serviços mediante um salário.

        Outro caso de libertação era este: “O escravo dado a um filho por seu pai, sem título de doação, se aquele libertou-o, mantém-se a liberdade (Gasetta dos Tribunaes n. 76).

        Em se tratando sobre a liberdade dos escravos da Nação, havia a seguinte norma:

Sobre a liberdade dos escravos da Nação consulte-se os Avs. n. 34 – de 18 de Janeiro de 1860, e n. 358 – de 4 de Agosto de 1863, e Perdigão Malheiros – A Escravidão no Brasil nota (552).” Há um erro de leitura no texto integral do Livro 4 em pdf por mim disponibilizado, pois consta aviso 353, quando o número do aviso é 358. Escravos da nação eram os escravos que pertenciam ao Império; ao governo, para usar uma linguagem mais acessível. Nos dois Avisos acima mencionados, se tratava de escravos da Fábrica de Pólvora. Os textos dos dois avisos se encontram aqui. Transcrevo a seguir os dois avisos, para que o leitor possa dar sua interpretação a tais textos:

“N.º 34. -Aviso de 18 de Janeiro de 1860.

Declarando que ao Governo Imperial não cabe a atribuição de passar carta

de liberdade a escravos da Nação.

Rio de Janeiro. Ministério dos Negócios da Guerra em 18 de Janeiro de 1860.

Participando o Sr. Ministro da Justiça em Aviso datado de 14 do corrente que ao Governo Imperial não cabe a atribuição de passar carta de liberdade ao escravo da Nação Caetano Vicente, em serviço nessa Fábrica que a requereu; assim o comunico a Vm. para seu conhecimento, prevenindo-o porém de que em atenção à avançadíssima idade em que se acha o dito escravo, fica ele dispensado dos serviços a que é obrigado, continuando a perceber as vantagens de que goza.

Deus Guarde a Vm. - Sebastião do Rego Barros. - Sr. Coronel Diretor da Fábrica da Pólvora.

N. 358. - GUERRA. - Aviso de 4 de Agosto de 1863.

Declarando que as cartas de liberdade dos Escravos da Nação ao serviço da Fábrica da Pólvora devem ser passadas pelo Tesouro Nacional, mediante o pagamento de direitos e emolumentos a que estiverem sujeitos segundo as tabelas da Fazenda.

4. ª Diretoria Geral. - 2.ª Secção.- Rio de Janeiro. - Ministério dos Negócios da Guerra em 4 de Agosto 1863.

Suscitando-se dúvidas na Coletoria da Vila da Estrela sobre os emolumentos que devia arrecadar pela liberdade do inocente Manoel, filho do escravo Ovídio, fique Vm. na inteligência de que, sem atenção ao que se tiver praticado até hoje, as cartas de liberdade dos escravos da Nação ao serviço dessa Fábrica devem ser passadas pelo Tesouro Nacional, mediante o pagamento de direitos e emolumentos a que estiverem sujeitas segundo as tabelas da Fazenda.

Deus Guarde a Vm. -  Antonio Manoel de Mello.- Sr. Diretor interino da Fábrica da Pólvora.”

        Em outra nota de rodapé do Livro 4 das Ordenações Filipinas, se transcreve nota de Desembargador sobre questão relativa à liberdade de escravos. Estas “notas de Desembargadores” são muito citadas ao longo das notas de rodapé das Ordenações, embora muitas vezes não sejam notícia de julgamentos. Vejamos a nota:

“Silva Pereira no Rep. das Ords. to. 3 nota (b) à pag. 597 traz sobre esta Ord. a seguinte nota do Des. Oliveira que também aqui registramos:

«Julgamos que esta Ord. do § 4 era especial no seu caso, e que assim não se devia dela fazer regra, para que todo o senhor fosse obrigado a vender seu escravo, a quem dizia que o queria libertar, na causa de apelação de João Chrysostomo com José de S. Paio Lanhes, Escrivão Felix Carlos de Sousa, ano de 1730.» 

E no to. 1 nota (b) à pag. 250 apresenta outra nota do mesmo Des. nestes termos:

«Em um feito de Conde de Atalaya com os Frades de S. Paulo, que se sentenciou no ano de 1687, de que foi Escrivão Manoel Soares Ribeiro, julgamos que sendo por Alvará de Sua Magestade o dito Conde constrangido a vender uma propriedade para o convento dos ditos Frades, se lhe devia pagar a quinta parte mais da justa estimação dela, na forma desta Ord., a qual falando em caso tão favorável, como da liberdade de um Cristão cativo em poder dos Infiéis, se devia com maior razão praticar em todas as outras: o que se deve notar.»

Não se devendo exceder do justo preço, observa o mesmo Silva Pereira: que também se deverá consultar na nota (a) do mesmo tomo, à pag. já citada.

Consulte-se Borges Carneiro – Dir. Civ. liv. 2 t. 1 § 5 n. 8 nota (a) na primeira parte, de acordo com a nota supra do Des. Oliveira.

        Há outros casos de libertação de escravos no Livro 4, mas abordarei em outras postagens.

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