Alguns povos dos quais nos originamos tiverem pensamentos parecidos.
Entre os árabes, vemos em HOURANI (1) que Mesmo que o governante fosse injusto ou ímpio, aceitava-se em geral que devia ser obedecido, pois qualquer tipo de ordem era melhor que a anarquia.
Entre os índios do Brasil, já vimos, não havia um poder constituído, já que os morubixabas não tinham autoridade, não tinham poder decisório. A ascensão a uma posição de liderança ou de influência estava ligada a critérios lendários, sem escolha, como lembra VILLAS BÔAS (2):
Na sociedade indígena não existem também normas estabelecidas que confiram a alguém as prerrogativas de mandante ou líder do núcleo populacional. Aquele que é chamado de cacique não tem privilégios de autoridade, tem somente os de conselheiro. Não é um escolhido, é ligado, até quando possível, a uma linhagem lendária. E, quando essa condição desaparece, passa a responder como conselheiro da aldeia aquele que pelo número de aparentados alcança essa posição mais respeitada.
Mas, no Ndongo (África), chamava a atenção do Padre Garcia Simões, em 1575, a submissão do povo local ao Ngola, bem como a rigidez das leis [havia pena de morte para adultério e roubo (3)].
Mas, para entendermos nossa Teoria Política, o grande ponto é entender o como e o porque se dá o exercício do poder e a obediência entre nós (no caso o Poder Constituinte), para não fazermos um estudo mazombo do Direito Constitucional, ou seja, dando atenção para o França e a Inglaterra como o centro do mundo e pensando em nosso país como um detalhe, um “caso” digno de pouca atenção. Vejamos, então, para encerrar, o conceito de mazombo e as observações de Roberto Gomes a respeito de um modo de pensar de alguns intelectuais brasileiros. Primeiro o conceito de mazombo, segundo MOOG (4):
Em princípio do século passado (referência ao século XIX), o mazombo era espiritualmente português e vivia zangado com o Brasil, por não ser o Brasil a cópia exata de Portugal. Em fins do século, como as simpatias de Portugal se tivessem volvido para a França, vivia zangado com o Brasil porque a cultura brasileira não era a projeção exata da cultura francesa. (...) Cultura só a França tinha...
Cedamos a palavra, para arrematar, a Roberto GOMES (5):
Essa dependência (da moda européia) conduziu ao aparecimento, ao nível da reflexão, de uma atrofia escandalosa. Passou-se a discursar sobre uma realidade querida, a européia, sobre problemas europeus, utilizando termos e linguagem adequados àqueles problemas que estranham inteiramente nossa circunstância. A realidade querida é coisa diversa daquela na qual nos encontramos. Coisas problemáticas para um europeu podem ser, para nós, falsos problemas que somente à custa de verdadeira violência mental e grande alienação conseguimos revestir de “importância”. Se outra é a realidade, outros são os problemas virtualmente existentes, outros devendo ser os termos e métodos. No entanto, nada disso foi providenciado. Nossa realidade desde sempre foi suprimida. O intelectual brasileiro refugia-se numa constelação de conceitos esvaziados e de sonoras palavras que visam exorcizar isto de que tem tanto pavor e que julga de tão pouca classe: nossa brasilidade.
1 - HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo, Companhia das Letras, 2 ed., 1994, p. 156.
2 - VILLAS BÔAS, ORLANDO. A Arte dos Pajés – Impressões sobre o universo espiritual do índio xinguano. São Paulo, editora Globo, 2000, p. 25.
3 - PANTOJA, Selma. NZINGA MBANDI – MULHER, GUERRA E ESCRAVIDÃO. Brasília, Thesaurus, 2000, pp. 132-133.
4 - MOGG, VIANNA. Bandeirantes e Pioneiros – paralelo entre duas culturas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 18 ed., 1993, p. 106.
5 - GOMES, Roberto. Crítica da Razão Tupiniquim. São Paulo, Cortez Editora, 6 ed., 1983, p. 76.
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