segunda-feira, 14 de abril de 2025

Visita a Porto Calvo

         Maragogi é uma cidade turística de Alagoas. Há hotéis, alguns com tudo incluso e outros com algumas refeições. O mar é belíssimo, águas bem mais quentes que as do nosso mar do sul. Quase não chove e se pode ir aos folguedos típicos do calor o ano todo.

Hospedei-me num dos hotéis (Salinas Maragogi) pela primeira vez em abril de 2024. Não há aeroporto em Maragogi, de modo que se aterrissa em Maceió e, de lá, se contrata o traslado para Maragogi. No caminho há algumas cidades e, na primeira vez, apesar de ter memorizado temporariamente os nomes, nenhuma delas me chamou a atenção. 

Eu havia levado o livro História da Guerra Brasílica (FREIRE, Francisco de Brito. Nova Lusitânia, História da Guerra Brasílica.). Trata-se de uma obra escrita na época dos fatos ocorridos no século XVII, da mesma forma que outro livro, o História das Guerras Angolanas (CADORNEGA, Antônio de Oliveira de. História Geral das Guerras Angolanas – 1680 –3 Tomos; Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, Lisboa, 1972. Reprodução fac-similada da edição de 1940). O primeiro livro é específico sobre a guerra com os holandeses no nordeste brasileiro e o segundo também narra a guerra contra os holandeses em Angola, entre outras campanhas militares dos portugueses contra os nativos da costa ocidental africana.

Num dos momentos de leitura em Maragogi foi que passei por um dos trechos do livro Nova Lusitânia, História da Guerra Brasílica que mencionava Porto Calvo. Lembrei-me que passara por esta cidade quando do traslado de Maceió para Maragogi. Várias vezes a cidade é mencionada no livro, o que indica que muitos dos fatos do Tempo dos Flamengos (flamengos era outra denominação para os holandeses) se passaram em Porto Calvo.

Segundo FREIRE, Domingos Fernandes Calabar era um “mulato, natural da paróquia de Porto Calvo, então em Pernambuco (hoje Alagoas), onde tinha mãe e alguns parentes”. Em uma das batalhas, “foi ferido de um mosquetaço.” Acrescenta FREIRE que Calabar foi o primeiro a se passar para o lado dos holandeses, em 20 de abril de 1632. FREIRE acreditava que Calabar guiou os holandeses em diversos ataques aos luso-brasileiros e “a causa principal (do sucesso dos holandeses) era Calabar, o que logo se receara quando ele se passou para o inimigo, procurou o general Matias de Albuquerque por todos os meios possíveis reduzi-lo; assegurando-lhe não só o perdão de seu delito, mas ainda mercês, se voltasse ao serviço de El-Rei; e esta diligência repetiu por muitas vezes, no que se gastou algum tempo; mas vendo que nada bastava para convencê-lo, tratou de outros meios (...)” (p. 151). Calabar acabou sendo preso pelos luso-brasileiros. “Foi enforcado e esquartejado a 22 de julho” de 1635. “Tanto que apontou a noite, se pôs a soldadesca em ordem e o sargento-mor dos italianos, Paulo Bernola, com o Proboste e mais ministros da Justiça tiraram ao Calabar da prisão e a um esteio que ali estava junto à casa lhe deram garrote e o fizeram em quartos, os quais puseram em cima dos paus da estacada que havia servido de trincheira aos holandeses.” (p. 67 do Valoroso Lucideno e Trriunfo da Liberdade).  

No livro de FREIRE, Calabar é varias vezes mencionado, atribuindo-lhe o autor papel preponderante a favor dos holandeses.  FREIRE também explica a expulsão dos holandeses do nordeste como resultado das lutas dos luso-brasileiros (as guerras brasílicas).

  Em outra obra (MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos - Influência holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. Rio de Janeiro, TOPBOOKS, 4 Ed., 2001, 308 p.), a derrota holandesa é atribuída à “política de exploração comercial, sem a capacidade colonizadora”. A capacidade colonizadora portuguesa era melhor que a holandesa (ao contrário da opinião comumente admitida, diz MELO), e foi um erro fatal dos flamengos “deixar praticamente sob domínio dos senhores de engenho o interior do país, em fácil ligação com a Bahia, onde se prepararam todos os planos” para as batalhas da reconquista. Outro erro dos holandeses foi “ter sido deixado em mãos dos pernambucanos a cultura da cana e o fabrico do açúcar, isto é, a base da riqueza da terra, sobre cuja economia se apoiava a própria Companhia” holandesa. (p.128) “O holandês não revelou no Brasil, como o colonizador português - observou também Gilberto Freire - habilidade para se adaptar a novo meio, a novas condições de vida.”(p.129).

Anos depois da presença dos holandeses no nordeste, a situação em 1644, no Recife, capital da colônia, era precária: “os comerciantes na metrópole, frustrados nos esperados lucros, começam a se retirar dos negócios, seus correspondentes são dispensados das comissões.” Senhores de engenho eram devedores de quantias enormes aos holandeses (pp. 248-249).

Sobre o período, vi pinturas do nordeste na Casa de Maurício de Nassau, em Haia.






É uma verdade histórica a luta contra os holandeses no século XVII. No mesmo período houve invasão holandesa em Angola, outra colônia portuguesa (CADORNEGA a relata).

Mas na obra de CADORNEGA há também uma informação sobre o desfecho da invasão holandesa (sobre isso já falei em outra postagem. Repito aqui o que consta em CADORNEGA (pp. 198-200):

    “Indo na direção de seu Governo o nosso Governador, lhe foi feito a saber por Carta de Sua Majestade, em como se havia feita e ajustada a paz com os Estados de Holanda (...), para a paz de Holanda (Nota marginal do Autor)][Nota 55 (pp. 522-523): (...) Em 6-8-1661 foi assinado em Haia o «Tratado de paz e confederação entre D. Afonso VI e os Estados Gerais das Províncias unidas dos Países Baixos». 

Portugal pagava à Holanda quatro milhões de cruzados, tendo cada cruzado o valor de dois florins carolinos, moeda de Holanda; deviam ser pagos em 16 pensões iguais.

    As importâncias a pagar por força destes dois tratados foram rateadas pela metrópole e pelas colônias de então.” A Angola coube pagar 300 mil cruzados durante 16 anos. 

Em 22-12-1663 resolveu-se em Angola como pagar sua parte: "a Câmara do Governo político desta Cidade (de Luanda) (...) ordenou que da Villa da Victoria de Masangano viessem a esta Cidade dez moradores dos principais daquela Villa, do serviço da Republica e das Fortalezas e Presídios da Enbaca, Cambambe, e Muchima, dois moradores de cada uma; havendo chegado todos a esta Cidade se ajuntarão na Sala do Palácio onde lhes propôs o Governador a todos a ordem Real que tivera sobre a Contribuição da paz, e composição dos Senhores dos Estados de Holanda, (...); que vissem em que se podia assentar a quantia de trezentos mil Cruzados que por repartição havia cabido aos Vassalos dos Reinos de Angola, em tempo proporcionado para se ir contribuindo; sobre a qual proposta houve diversas refertas, sem se poder averiguar o meio e forma em que se podia assentar esta Contribuição; com o que o Governador lhe disse se ajuntassem no Paço do Conselho, e nele discutissem entre si o meio mais suave que esta Contribuição podia  ter:   sobre dita   matéria   se  ajuntarão  do   Governo da Republica da Cidade com os da Vila de Masangano, e mais Presídios da Conquista, entre os quais houve muitos debates, dando o Governador calor a seu estabelecimento, e vieram a conferir que sem embargo que as peças de Escravos  tinham  muita carga   sobre  si  que  era   quatro  mil Reis de direitos Reais antigos, três de direito novo que eram sete, quatro de custeamento para o sustento de cada cabeça de mar e terra que vinham a ser onze, não achavam outro meio de pôr mais mil Reis em cada Cabeça de Escravos, que faziam doze, que vinha a ser meio por meio do que valia uma peça de índias nesta Cidade, feito disso acordo entre todos e assento deste novo subsidio se levou a resolução do que se havia acordado e assentado, de que ficou o Governador satisfeito, como quem nisso havia trabalhado tanto em razão de se estabelecer; com o que despediu aos Moradores da Vila da Vitória de Masangano e mais Moradores das Fortalezas e Presídios da Conquista.” 

    Portanto, a metrópole e demais colônias, incluindo certamente o Brasil, ficaram para pagar os restantes três milhões e setecentos mil cruzados, do total de quatro milhões de cruzados referentes à indenização à Holanda.

Das leituras que fiz, penso hoje que o fracasso da ocupação holandesa no Brasil foi uma soma de erros que os flamengos cometeram, que se somaram ao ímpeto dos luso-brasileiros para recuperar as terras. Mesmo assim, a recuperação somente se consumou mediante o pagamento de uma fabulosa indenização.

Voltemos a Calabar. Ao ler sobre Porto Calvo no livro de FREIRE, quando estava em Maragogi em 2024, fiquei curioso sobre a cidade. Ao comprar camisas que protegiam contra os raios solares, entabulei conversa com a vendedora sobre Porto Calvo e soube que a cidade tinha erguido uma estátua a Calabar e, anos antes, fizera um julgamento absolvendo-o de ter se bandeado para o lado dos holandeses. Foi então que liguei a cidade a Calabar. 

Calabar se tornara conhecido para mim na adolescência. Fora mencionado por meu amigo José Darcy, quando falávamos sobre a peça homônima de Chico Buarque (CALABAR: ELOGIO DA TRAIÇÃO), de 1973. Nunca vi a peça, pois nunca foi encenada em Itajaí naqueles tempos. Só tive o disco. Mas já naquela época achei o personagem digno de atenção. 

Quando, em 2024, soube que havia um memorial e uma estátua de Calabar, resolvi que, numa eventual volta a Maragogi, iria visitar Porto Calvo. Foi o que fiz em 2025. 







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