Em algumas das aulas de latim que tive no Colégio Salesiano Itajaí (1970 e 1971), o professor explicou a necessidade de vírgula nas frases com o exemplo de uma profecia feita pelos oráculos aos soldados romanos, antes de irem à guerra: "Idis redibis non morieris in bello" (Irás voltarás não morrerás na guerra). Finda a guerra, ficava-se sabendo se a previsão fora acertada. Se o soldado sobrevivesse, a leitura seria essa: "Idis, redibis, non morieris in bello" (Irás, voltarás, não morrerás na guerra). Mas se o soldado morresse na guerra, a família era informada que a previsão também fora acertada: "Idis, redibis non, morieris in bello" (Irás, voltarás não, morrerás na guerra). "Redibis" se traduz por retornarás, ou voltarás. Quando estudei Direito Civil na FEPEVI, hoje UNIVALI, memorizei o significado de vício redibitório por causa da profecia da guerra. Redibitório é o que volta.
As Ordenações Filipinas enumeram diversas situações em que a compra e venda podia ser desfeita por causa de vícios do bem objeto do contrato. Este desfazimento da compra tinha prazo e, segundo a doutrina da época, constante nas notas de rodapé do Livro 4, a prescrição aquisitiva era de dez anos entre presentes e de vinte entre ausentes. A prescrição até trinta anos "só cabe sendo a lesão enormíssima". Havia lesão enorme e lesão enormíssima.
O comprador de casa, herdade ou qualquer outro bem de raiz (imóvel) só era obrigado a respeitar a locação ou arrendamento se fosse superior a dez anos.
O preço injusto era causa de desfazimento da venda.
Desembargos do Rei, da Rainha e do Príncipe não podiam ser vendidos nem comprados por pessoa alguma. E se o que comprar os ditos desembargos, ou os tomar em pagamento de qualquer coisa, que se possa dizer, que se lhe deve, for nosso Contador, Escrivão dos Contos, Tesoureiro, Almoxarife, Recebedor, Escrivão do Tesoureiro e Almoxarifado, ou outro algum oficial de nossa Fazenda, ou pessoa das que andam e servem nela na Corte, ou Corregedor, ou outro algum Oficial de Justiça ou outro Oficial nosso, de qualquer qualidade que seja, perca polo mesmo feito toda sua fazenda móvel e de raiz, a metade para o Hospital de todos os Santos da cidade de Lisboa, e a outra para quem o acusar, e haverá a pena crime, que houvermos por bem. Em nota de rodapé, consta: Desembargos nossos. Segundo Silva no com., pela expressão desembargos entendem-se ordens de pagamento. Vide também Arouca na l. Princeps 31 n. 17, e Sousa de Macedo - Dec. 94 n. 2. Por desembargos entendiam alguns, os diplomas ou títulos especiais, ou graças nos quais os Reis davam certas somas aos seus criados na Corte, quando se casavam. Moraes no Dicc. define: Alvará, despacho, ou cédula, porque se mandava pagar nos Contos ou Erário alguma soma devida ou de mercê. Desembargo quer dizer despacho. De desembargo provém a expressão - desembargadores, equivalente a Despachadores. Os Desembargadores do Paço eram outr’ora como os Ministros d’ Estado hoje, pois assim eram chamados porque despachavam com o Rei.
Os casos de vícios redibitórios se iniciavam por escravos doentes, mas o tema escravidão será objeto de outras postagens. Quem tiver curiosidade, basta acessar o livro 4 na íntegra aqui e pesquisar a palavra "escravo"; se pesquisar "escrav" pegará variações do termo em mais pontos do livro 4.
Há uma disposição genérica sobre vício redibitório: "E todas as coisas acima ditas se poderão enjeitar, não somente quando são havidas per título de compra, mas ainda se forem havidas per troca ou escambo, ou dadas em pagamento, ou por qualquer outro título, em que se traspasse o senhorio: mas não se poderão enjeitar, quando forem havidas por título de doação.
E as coisas, que não são animadas, quer sejam móveis, quer de raiz, se poderão enjeitar por vícios, ou faltas, que tenham, assim como um livro comprado, no qual falta um caderno, ou folha em parte notável, ou que está de maneira, que se não possa ler, ou um Pomar, ou Horta, que naturalmente sem indústria dos homens produze plantas, ou ervas peçonhentas."
Nas notas de rodapé há interessante interpretação da norma jurídica:
1) A nota se inicia referenciando a obra de Barbosa, e Silva, que comentaram o Livro 4 das Ordenações. Referencia também Silva Pereira, autor do Repertório das Ordenações (no caso, o tema está no to. 2 nota "e" à pag. 249). Os imóveis e inanimados, enjeitam-se dentro do ano pela ação quanti minoris.
2) Mas a interpretação de lei mais curiosa é a que autoriza o desfazimento da compra e venda no caso de haver fantasmas na casa comprada ou ela ter vizinhança ruim: "Silva Pereira no - Rep. contempla também nas casas, como vícios redibitórios os fantasmas e maus vizinhos."
A escritura de compra e venda já era mencionada nas Ordenações: "Se algumas pessoas fizerem contrato de venda, ou de outra qualquer convença, e ficarem para fazer escritura desse contrato, antes que se a tal escritura faça, se pode arrepender e arredar da convença o que havia de fazer a escritura. E isto haverá lugar, quando o contrato for tal, que segundo o Direito não possa valer sem escritura, e que a escritura seja de substância do contrato, assim como nos contratos, que se devem fazer e insinuar, e em contrato enfitêutico de coisa eclesiástica e em outros, que segundo Direito são de semelhante qualidade e condição."
Em nota de rodapé, consta:
1) Ainda nos contratos feitos com o Fisco tem lugar o arrependimento. Não obstante, o senhorio que aceita o prazo que o foreiro lhe oferece não pode arrepender-se (Silva Pereira - Rep. das Ords. t. 1 nota (a) à pag. 228).
2) A escritura pública ou é da substância do contrato, ou necessária para a prova, como nos casos da Ord. do liv. 3 p. 59. Os casos em que, segundo nosso Direito, é da substância do contrato são os seguintes:
1°- Nas doações que devem ser insinuadas.
2°- Nos contratos de aforamento de bens eclesiásticos.
3°- Nos contratos esponsalícios (L. de 6 de Outubro de 1784 § 6, que é extensiva aos contratos de casamento em geral, puramente esponsalícios ou não).
4°- Nos hipotecários (L. de 20 de Junho de 1774 § 33, e L. n. 1274 - de 24 de Setembro de 1864 art. 4 §6).
5°- Nos de compra e venda de bens de raiz, cujo valor exceda de 200$000, sob pena de nulidade (L. n. 840 - de 15 de Setembro de 1855 art. 11, e Avs. n. 49 - de 22 de Janeiro, e n. 409 - de 16 de Dezembro de 1856, e n. 235 - de 30 de Julho de 1858).
6°- Nos contratos de compra e venda, e dação in solutum de escravos cujo valor ou preço exceda 200$000, qualquer que seja o lugar em que tais contratos se possam efetuar (L. n. 1114 - de 27 de Setembro de 1860 arts. 11 § 3, e 11§ 7, e D. n. 2699 - de 28 de Novembro do mesmo ano art. 3).
Estas disposições têm somente vigor na Corte e respectivo Município.
Nas Províncias rege outra legislação a este respeito; ainda que pelo D. n. 2833 - de 12 de Outubro de 1861 sobre a transferência de escravos e arrecadação de imposto da cisa, atualmente em todo o Brasil vigore aquela legislação (...).
7° - Nos contratos em que as partes expressamente convencionam fazer escritura, ou se posa presumir ser essa a sua vontade.
3) As doações que segundo a taxa da lei, devem ser insinuadas, posto que, ainda nestas circunstâncias, nem todos obrigam à escritura pública, como as da Ord. do liv. 3 t. 59 §11.
T. de Freitas na Consol. art. 413 diz o seguinte referindo-se a esta Ord.:
«As doações entre parentes nos casos da Ord. do liv. 3 t. 59 devem ser insinuadas, porém a escritura pública não é da substância dela, ex vi da citada Ord. §11, e da segunda parte do § 21 que diz:
«E quanto aos dotes, e quaisquer outras convenções, e prometimentos feitos nos casamentos, haverá lugar no que acima dizemos no § 11.»
Vide Silva Pereira - Rep. das Ords. to. 1 nota (c) à pag. 623, e Reynoso – Obs. 44.
4) T. de Freitas na Consol. art. 367 § 2 nota diz o seguinte:
«Na prática reputa-se a escritura pública como substancial de todos os aforamentos.
«Devo observar que a despeito da Ord. do liv. 4 t. 19 pr., muitos aforamentos de bens Eclesiásticos existem entre nós sem escritura pública, constando apenas de assentos lavrados nos livros. Para não fazer-se injustiças cumpre atender ao que sensatamente tem escrito Lobão - Dir. Emphy, nota ao § 67.»
Na nota ao art. 605 da mesma obra - Consol. diz que também se pode constituir aforamento por testamento do que dá ideia o § 8 da Ord. deste liv. t. 37.
Consulte-se também a última parte dessa nota sobre a natureza do contrato de aforamento ou enfitêutico.
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