Apesar do texto das Ordenações Filipinas não conter as expressões “enorme” e “enormíssima”, as notas de rodapé as mencionam. Isto significa que o que hoje chamamos “doutrina”, reconhecia tais gradações de lesão. Digo “hoje chamamos doutrina”, pois esta expressão, para fazer referência aos livros que discorrem sobre direito, parece-me que surgiu no século XX. Do teor das notas de rodapé das Ordenações, doutrina pareceu significar opções legislativas: “...e com elas se entenderá a doutrina da Ordenação do livro 4 título 44 § 1”; “A doutrina deste parágrafo está de acordo com a do parágrafo da Ordenação que desposou o rigor do Direito Romano…”
Um dos casos de lesão enorme - segundo os Doutores (era como eram chamados os doutrinadores nas notas de rodapé das Ordenações Filipinas) - ocorria quando alguma coisa fosse vendida pela metade do preço: “... E o preço pago ao vendedor se for achado que o vendedor foi enganado além da metade do justo preço” (texto da Ordenação). Esta lesão contratual, segundo a nota de rodapé, era uma lesão enorme. A “lesão enormíssima, segundo Corrêa Telles (Dig. Port. to. 1 art. 253) dá-se quando alguém recebe a terça parte do justo valor da coisa”. Em se tratando de lesão enormíssima, a prescrição era de 30 anos.
Em casos práticos, são noticiadas situações em que os julgadores divergiram quanto a se tratar de lesão enorme ou enormíssima. Também houve discussão sobre a possibilidade de se alegar lesão enorme ou enormíssima nas transações. A propósito, o conceito de transação na nota de rodapé não diverge do sentido jurídico atual: segundo Barbosa (Comentários às Ordenações), citado por Cândido Mendes de Almeida nas notas de rodapé, a palavra transação “não se achava na Ordenação Manuelina, foi introduzida para pôr termo às questões dos Jurisconsultos”. Transação, segundo Teixeira de Freitas (nota 2 ao art. 359 da Consolidação das Leis Civis) é o “contrato de composição entre as partes para extinguirem obrigações litigiosas ou duvidosas”. Outra discussão que ocorria entre os Jurisconsultos era se poderia haver alegação de lesão enorme ou enormíssima na compra e venda que se fizesse em hasta pública com as solenidades legais.
Há extensas considerações nas notas de rodapé sobre a legalidade ou ilegalidade, moralidade ou imoralidade da cobrança de juros. E neste ponto também se lamenta que não caiba discussão sobre a possibilidade de lesão enorme ou enormíssima no contrato de juros, já que a Lei de 24 de outubro de 1832 não contemplava tal tipo de alegação. Sobre o tema “juros” farei uma postagem específica, pois são riquíssimas as discussões constantes nas notas de rodapé do Livro 4.
Em outra nota se informa que a ação de lesão enormíssima (segundo Teixeira de Freitas em nota ao art. 859 da Consolidação das Leis Civis) é real. Mas também se admite ser pessoal, caso em que a prescrição seria de 15 e não de 30 anos.
A ocorrência de lesões enormes ou enormíssimas também podia ser arguida quando das partilhas.
Nos Códigos Civis de 1916 e 2002 não se encontra nem a palavra enorme, nem enormíssima.
Nenhum comentário:
Postar um comentário