domingo, 5 de julho de 2015

Terras de Marinha

Os terrenos de marinha surgiram de um inconformismo, em 1710, com construções nas praias do Rio de Janeiro. Como escrevi em meu livro "Direito Administrativo para Concurso de Juiz do Trabalho", ed. Edipro, 2011, "O conceito de terrenos de marinha começa a aparecer a partir de 1710, em face do excesso de construções nas praias do Rio de Janeiro. Assim, depois de atos de consulta datados de 21.10.1710 e 7.5.1725, surgiu a ordem régia de 1.12.1726, que proibia a edificação nas praias. Daí que se firmou o domínio do Estado sobre os terrenos de marinha, cujo conceito inicial, segundo os Avisos de 18.11.1818, 27.4.1826 e 13.7.1827, era “o espaço de terreno compreendido em 15 braças entre terra firme e o bater do mar em marés vivas”." A cobrança de uma taxa é instituída em 1831, para fins arrecadatórios e incluída na lei orçamentária de 1832, donde a LPM ser de 1831. A respeito há também um artigo de Osvaldo Aranha Bandeira de Melo (veja o artigo aqui).
A ordem régia de 1726 que primeiro disciplinou o assunto é a seguinte:
Ordem Régia de 10 de dezembro de 1726

(MADRUGA, Manoel, Terrenos de marinha, Ed. Ministério da Fazenda, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1928, p. 73-74)

Prohibindo edificar nas praias ou avançar sequer um palmo para o mar, por assim o exigir o bem publico.

Dom João por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc. Faço saber a vós Luiz Vahia Monteiro, Governador da Capitania do Rio de Janeiro, que se vio o que respondeste em carta de 6 de julho deste anno, aos de que vos foi sobre informados na representação que Me fez o Provedor da Fazenda Real dessa mesma Capitania, Bartholomeu de Siqueira Cordovil, de que os moradores desta cidade que possuem casas da banda do mar, tratando do seu accrescentamento, as avançarão tanto delle que totalmente deixarão as prais sem marinha, não só em prejuizo do bem publico, mas da minha Real Fazenda, e que neste particular devieis ouvir assim os Officiaes da Camara, como aos donos das casas interpondo o vosso parecer, representando-Me que assim a Camara como os interessados nellas responderão o que consta dos papeis inclusos que Me enviastes; e que examinando vós attentamente esta materia haveisque o senado da Camara nos aforamentos que fez para a parte do mar não declarou a medição certa dos chãos que aforava e somente declarou a largura e o que occupava a uma direita até o mar, onde chegando os primeiros edificios, e parando nelles as arêas se originava nova praia, da qual foram os foreiros accrescentando os edificios, e dizem que com este título lhes pertence tudo quanto largou o mar e é certo que por este principio têm feito um considerável dano não só ao serviço da Cidade e desembarque do Provimento della, pois não faltão aonde se fação, mas diminuindo um molhe em que dão fundo as frotas e todas as embarcações que entrão nesse poço sendo a vosso ver a mais preciosa jóia que póde ter o mundo, porque depois de entrarem da barra para dentro, recolhidos os navios neste molhe estão como debaixo de chave ainda que os inimigos estejão nesse porto também dentro da barra, principalmente enquanto se conservar a Ilha das Cobras, que a cobre pela parte do mar deixando-lhe somente a estreita entrada entre ella e o Mosteiro de S.Bento, cuja distancia salva um tiro de pedra de mão, e pela outra parte da ponta da mesma Ilha corre uma restinga de arêa, que remeta na Fortaleza de S.José, e impede a entrada de embarcações maiores que lanchas; à vista do que, a mesma razão que aponta a Camara de ter furtado ao mar todo o chão em que se acha essa cidade situada, é forçosa para se lhes embaraçar a continuação dos edificios para não extinguir o molhe e ancoradouro dos navios, que haja estreitissimo, e que tambem as praias devem estar livres para bôa defensa da Cidade, para que as rendas passem livres por toda ella e se possam socorrer as partes atacadas, sem a dificuldade de se dar volta pela Cidade, mas que essa circunstancia já é dificultosa, por alguns edificios antigos que o embaração e como esse e alguns modernos são de preço consideravel, vos parecia que Eu os devo conservar, impedindo porém com rigorosas penas que daqui em diante ninguém se possa alargar um só palmo para o mar, nem edificar nas praias até a ponte de vallongo, fazendo carga aos Governadores e Provedor da Fazenda de toda a desordem que houver daqui em diante sobre este particular: Me pareceu dizer-vos que, mandando ouvir sobre esta matéria ao Engenheiro Mor do Reino, Manoel de Azevedo Forte, se conforma em tudo com o que apontaes; e assim Sou servido ordenar que daqui em diante se siga a disposição que insinuais de que ninguém se possa alargar um só palmo para o mar, nem edificar casa nas praias até a ponte de Vallongo, e que nem vós, nem que os que vos sucederem, nem os Provedores da Fazenda, e Senado da Camara, dessa Cidade possam permitir semelhantes licenças, tendo entendido que nas residenciais que se houverem de tirar, assim a vós como a vossos successores e Provedores da Fazenda se há mandar inquirir de semelhante caso; e para que a todo tempo conste o que nesta parte Determinei, fareis com que se registre esta Minha Real ordem nos livros da Secretaria desse Governo, nos da Providencia da Fazenda e nos do Senado da Camara, enviando- Me certidão de como assim o executastes.
El-Rei Nosso Senhor o Mandou por Antonio Rodrigues da Costa, e o Doutor José de Carvalho Abreu, Conselheiros de Seu Conselho Ultramarino, e se passou por duas vias. Antonio de Souza Pereira, a fez em Lisbôa occidental em 10 de dezembro de 1726. O Secretário André Lopes de Lavre, a fez escrever. Antonio Rodrigues da Costa. José de Carvalho Abreu. Por despacho do Conselho Ultramarino de 10 de dezembro de 1726.
Ordem Régia de 10 de dezembro de 1726 (para ver o link donde foi tirada esta cópia, clique aqui).
A primeira norma que determinou a demarcação das terras de marinha após a independência foi a Instrução nº 348, de 14.11.1832; a segunda norma foi o Decreto nº 4103, de 22.2.1868. A caracterização legal dos terrenos de marinha atualmente vigente é a descrita no decreto-lei nº  3.438/41, que disciplina as várias hipóteses em que um imóvel se configura legalmente como um terreno de marinha:
“Art. 1º. São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 metros, medidos para a parte da terra, do ponto em que se passava a linha do preamar médio de 1831: 
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
(...)
Parágrafo único.  Para os efeitos deste artigo, a influência das, marés é caracterizada pela oscilação de cinco centímetros, pelo menos, do nível das águas (atração luni-solar)  que ocorra em qualquer época do ano.(...)”

A ocupação por parte de particulares dos terrenos de marinha é permitida por meio do aforamento, também disciplinado no decreto-lei 3.438/41.
O decreto-lei 2.398/87, com as modificações legislativas posteriores, estabeleceu a taxa a ser cobrada pela ocupação dos terrenos de marinha, bem como o laudêmio incidente em caso de venda:
Art. 1.º . A taxa de ocupação de terrenos da União, calculada sobre o valor do domínio pleno do terreno, anualmente atualizado pelo Serviço do Patrimônio da União (SPU), será, a partir do exercício de 1988, de:
I - 2% (dois por cento) para as ocupações já inscritas e para aquelas cuja inscrição seja requerida, ao SPU, até 31 de março de 1988;
II - 5% (cinco por cento) para as ocupações cuja inscrição seja requerida ou promovida ex officio, a partir de 1º de abril de 1988.
(...)
Art. 3º. Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos. (...)”
Há ainda outros dispositivos que tratam dos terrenos de marinha, mas nenhum outro que tenha maior relevância.

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