sexta-feira, 30 de maio de 2025

COMPRA E VENDA 2 (Ordenações Filipinas - Livro 4)

        


         Dando continuidade às postagens que narram resumidamente o Livro 4 das Ordenações Filipinas, prossigo ainda tratando da compra e venda. O íntegra do Livro 4, em pdf pesquisável, se encontra aqui. Deixo de citar o ponto em que se encontra o assunto, porque é suficiente pesquisar no texto integral do livro, para encontrar todo a regulamentação do tema e os comentários nas notas de rodapé.    

            Já nos primeiros parágrafos do tema "compra e venda", se menciona a palavra interesse, que, na época, era sinônimo de juros. Mas o tema "juros" é vasto no livro 4 das Ordenações Filipinas, e merecerá uma postagem específica. Sobre o uso da palavra interesse em lugar de juros, há uma obra muito interessante a respeito (HIRSCHMAN, Albert Olist. As Paixões e os Interesses: Argumentos políticos para o capitalismo antes de seu triunfo. Paz e Terra, 1979), mas que não faz uma abordagem luso-brasileira do tema, e sim norte-ocidental. Esta abordagem luso-brasileira é feita no livro 4 das Ordenações e a ela voltarei em outra postagem.

            Para que o contrato de compra e venda ficasse perfeito e a coisa passasse ao domínio do comprador, era indispensável a entrega ou tradição. Mas a entrega não se entendia feita sem a competente paga (é o que consta em nota de rodapé). 

                A sisa era o nome de um tributo. 

            Os bens objeto de compra e venda podiam ser móveis ou de raiz (os bens de raiz são hoje denominados de imóveis). 

                Em nota de rodapé é usada a palavra fiado (quem vende fiado fica sem ação real para reaver a coisa vendida).

                Em caso de controvérsia quanto à venda, o preço era depositado pelo Juiz ordinário do lugar, em mão de algum homem bom, fiel, leigo e abonado, morador do lugar. O Juiz dava pregões e colocava éditos no Pelourinho. As dívidas podiam ser embargadas. O livro quarto já contemplava a hipótese de o dono vender duas vezes a desvairadas pessoas (diversas pessoas) algum bem. Um dos documentos relativos à venda era a Nota do instrumento da venda.

                    Havia mercadorias objeto de venda que se havia de medir e gostar, ou pesar e gostar, assim como vinho, mel, azeite ou especiaria. E se ocorresse algum perigo antes que o comprador medisse e gostasse, ou pesasse e gostasse, o risco era do vendedor; se a mercadoria fosse medida e gostada, ou pesada e gostada, o risco era do comprador.

                       Também eram objeto de venda casa, ou herdade, ou qualquer outra coisa de raiz. Bens de raiz também podiam ser arrendados ou alugados.

                           Pode-se encontrar no Livro 4 das Ordenações Filipinas o exemplo do que seja uma ação (judicial) pessoal: assim como se um homem demandar a outro certo dinheiro, ou outra quantidade em que lhe fosse obrigado. Também já se menciona o trânsito em julgado: "passada em coisa julgada".

                            Se alguma coisa litigiosa fosse vendida, escaimbada, ou doada pelo réu a alguma pessoa poderosa por razão de sua dignidade, ou de algum Ofício, para criar temor no Juiz quanto ao processo, tal venda seria punida com multa.

                               O justo preço de certos bens foi estabelecido em norma jurídica: O D. de 17 de julho de 1778 estabeleceu como justo preço das fazendas frugíferas a soma dos rendimentos de vinte anos, tiradas as despesas pelos Decretos de 6 de março de 1769 e de 24 de janeiro de 1801 declarou-se que o preço certo do domínio direto dos prazos da Coroa era a importância de vinte pensões e três laudêmios; o valor do domínio útil apura-se por meio de avaliação dos bens como alodiais, abatido o valor do domínio direto.

                                Mesmo que compradores e vendedores convencionassem que o negócio seria feito em moeda de ouro, ou de prata, o vendedor era obrigado a receber moeda corrente lavrada pelo Rei reinante ou pelos Reis que o antecederam. Havia também disposição sobre o pagamento em moedas de cobre, variando o valor que admitia pagamento em moedas de cobre. Em nota de rodapé consta que o Al. de 19 de fevereiro de 1699 determinava que não se pudesse fazer pagamentos com dinheiro de cobre em maior quantia que um tostão. Se alguém enjeitasse a moeda verdadeira do Reino, se fosse peão, seria preso e açoitado publicamente, e sendo homem, que não caibam açoites, seja preso e degradado para a África per dois anos. Os pagamentos de compras de trigo de fora do Reino, vendendo-se pelas próprias pessoas, que o trouxeram, e os pagamentos de especiarias, que se comprarem na Casa da Índia, e os que se fizeram per letra de câmbios, seriam feitos como sempre se costumava fazer. Em nota de rodapé é dado o conceito de especiarias: todas as drogas aromáticas, como canela, cravo, noz moscada, cominhos, massas, pimenta, etc, que servem para adubar, ou as que servem na medicina.

                Só podia haver escambo se o objeto da troca fosse produzido pelos contratantes: Defendemos que nenhuma pessoa, de qualquer qualidade que seja, não dê trigo, cevada, azeite, vinho, nem outro qualquer mantimento, por outra coisa, que aquela pessoa, com quem contratar, não tiver de sua colheita, pelos muitos inconvenientes, que disso se seguem, salvo se ao tempo que contratarem, lhe entregar a outra coisa que pelo dito mantimento dá; porque não lha entregando logo ou não a tendo de sua novidade, havemos o tal contrato por nenhum.

                    Havia outros tipos de contrato em que a pena convencional poderia ser paga em dinheiro, ouro, prata, trigo, cevada, azeite, mel, ou outras coisas semelhantes.

                    Já vem daquele tempo a proibição de venda a descendentes: Por evitarmos muitos enganos e demandas, que se causam e podem causar das vendas, que algumas pessoas fazem a seus filhos, ou netos, ou outros descendentes, determinamos que ninguém faça venda alguma a seu filho, ou neto, nem a outro descendente. Nem outrossim faça com os sobreditos trocas, que desigual seja, sem consentimento dos outros filhos, netos ou descendentes, que houverem de ser herdeiros do dito vendedor.

                  Há também menção à similitude entre alheação e alienação, em nota de rodapé: Emalheação, i. e., alheação ou alienação. Moraes no Dicc. diz que a alheação é vocábulo mais antigo e mais Português; alienação mais alatinado, e moderno


                            

                        


domingo, 18 de maio de 2025

Ordenaçoes Filipinas Livro 4 - Compra e Venda

         O livro 4 das Ordenações Filipinas trata de Direito Privado, nomenclatura que não é mencionada naquele texto. As Ordenações vigoraram no Brasil de 1500 a 1916. As Filipinas vigoraram de 1609 a 1916. Acontece que muitos dos temas nela regulados, permanecem até hoje na nossa legislação, ainda que em outras leis, estas já promulgadas após a independência. A rigor, dificilmente temos hoje leis vigentes que remontam a tempos anteriores à Proclamação da República.

        Já fiz apresentações na introdução ao tema. De qualquer sorte, a íntegra do Livro 4, em pdf pesquisável, pode ser encontrada aqui. Como se trata de arquivo pesquisável, deixarei de indicar o trecho em que o assunto tratado está nas Ordenações, já que bastará ao consulente interessado buscar a palavra no texto.

        O Livro 4 inicia disciplinando a compra e venda. O princípio básico da compra e venda constante do Livro 4 das Ordenações Filipinas e que aprendemos logo no início do estudo do tema nos cursos de Direito é que para a venda ser valiosa, será o preço certo, em que se o comprador e vendedor concordarem. O Código Civil em vigor apenas usou algumas palavras diferentes: Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.

        As mercadorias exemplificadas como objeto das vendas, no texto das Ordenações, eram tonéis de vinho, ou de azeite, ou escravos, ou bestas. Os juros eram chamados de interesse. As vendas entre Mercadores estrangeiros poderiam ser feitas por Corretores. Já se usava o termo "Comarca". Em nota de rodapé, Cândido Mendes de Almeida cita Silva Pereira para esclarecer que a prescrição aquisitiva era de dez anos entre presentes e de vinte entre ausentes, no caso de demandas entre vendedores e compradores.

        O que chamamos hoje "bens imóveis" eram chamados "bens de raiz".  

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Livro IV das Ordenações Filipinas - INTRODUÇÃO

        Depois da disponibilização dos Livros 1, 2 e 3 das Ordenações Filipinas, todos em PDF pesquisável, trago a lume a versão do Livro 4 em pdf pesquisável. Como os demais livros que até agora disponibilizei, trata-se de um trabalho de meus ex-alunos de Direito Constitucional, efetuado entre os anos de 2004 a 2008, quando fui professor do IBES/SOCIESC Blumenau. 
        Antes de publicar o trabalho escolar, sempre foi necessário juntar as partes digitalizadas pelos alunos e efetuar uma revisão, o que demanda tempo, que só se me tornou disponível após minha aposentadoria em 2018. O trabalho de meus ex-alunos consistiu em verter uma versão fotográfica em pdf da Universidade de Coimbra, que atualmente não tenho mais encontrado na Internet. Esta versão que disponibilizo em pdf está disponível na internet em imagem, no site do Senado Federal. Trata-se de uma magnífica versão anotada por Cândido Mendes de Almeida, publicada em 1870. 

DO QUE TRATA O LIVRO 4 DAS ORDENAÇÕES FILIPINAS 

         O livro 4 das Ordenações Filipinas trata do Direito Civil. Tanto o texto legal, quando as anotações de Cândido Mendes de Almeida revelam o funcionamento jurídico do sistema que regeu a vida privada das pessoas, desde os tempos de Roma até o Brasil de 1916, quando as Ordenações foram formalmente revogadas. O sistema jurídico que funcionou no Brasil até 1916 e que resulta do que consta nas Ordenações e na Consolidação das Leis Civis é uma pirâmide em cujo vértice está o Direito Romano. Verdade que, a partir de 1824, com a Constituição do Império, começamos a ter os limites constitucionais surgidos com o constitucionalismo. Mas, as lacunas do sistema jurídico brasileiro eram preenchidas - na falta de outras normas - pelo Direito Romano, chamado de Direito Comum. Ou seja, não havia uma vivência da soberania jurídica. 

        Este livro 4 regula tanto o direito comercial (sociedades, empréstimos etc), quanto a propriedade, aí incluídos os escravos; regula a família e as sucessões. Entretanto, trata-se de obra tão densa, tão cheia de preciosas informações históricas, que voltarei a tratar deste livro em tópicos específicos. 

        Minhas pequenas intervenções no texto consistiram em brevíssimas anotações para esclarecer alguma coisa (estão em cor azul) e destaques de textos que achei relevantes para a compreensão da atualidade jurídica e social. 

        Este quarto livro das Ordenações trata da infância do nosso sistema jurídico. Lê-lo é fazer uma incursão no inconsciente jurídico e social da nação, entendendo inúmeros fatos sociais e políticos, bem como comportamentos que até hoje ditam nossas condutas.