Dando continuidade às postagens que narram resumidamente o Livro 4 das Ordenações Filipinas, prossigo ainda tratando da compra e venda. O íntegra do Livro 4, em pdf pesquisável, se encontra aqui. Deixo de citar o ponto em que se encontra o assunto, porque é suficiente pesquisar no texto integral do livro, para encontrar todo a regulamentação do tema e os comentários nas notas de rodapé.
Já nos primeiros parágrafos do tema "compra e venda", se menciona a palavra interesse, que, na época, era sinônimo de juros. Mas o tema "juros" é vasto no livro 4 das Ordenações Filipinas, e merecerá uma postagem específica. Sobre o uso da palavra interesse em lugar de juros, há uma obra muito interessante a respeito (HIRSCHMAN, Albert Olist. As Paixões e os Interesses: Argumentos políticos para o capitalismo antes de seu triunfo. Paz e Terra, 1979), mas que não faz uma abordagem luso-brasileira do tema, e sim norte-ocidental. Esta abordagem luso-brasileira é feita no livro 4 das Ordenações e a ela voltarei em outra postagem.
Para que o contrato de compra e venda ficasse perfeito e a coisa passasse ao domínio do comprador, era indispensável a entrega ou tradição. Mas a entrega não se entendia feita sem a competente paga (é o que consta em nota de rodapé).
A sisa era o nome de um tributo.
Os bens objeto de compra e venda podiam ser móveis ou de raiz (os bens de raiz são hoje denominados de imóveis).
Em nota de rodapé é usada a palavra fiado (quem vende fiado fica sem ação real para reaver a coisa vendida).
Em caso de controvérsia quanto à venda, o preço era depositado pelo Juiz ordinário do lugar, em mão de algum homem bom, fiel, leigo e abonado, morador do lugar. O Juiz dava pregões e colocava éditos no Pelourinho. As dívidas podiam ser embargadas. O livro quarto já contemplava a hipótese de o dono vender duas vezes a desvairadas pessoas (diversas pessoas) algum bem. Um dos documentos relativos à venda era a Nota do instrumento da venda.
Havia mercadorias objeto de venda que se havia de medir e gostar, ou pesar e gostar, assim como vinho, mel, azeite ou especiaria. E se ocorresse algum perigo antes que o comprador medisse e gostasse, ou pesasse e gostasse, o risco era do vendedor; se a mercadoria fosse medida e gostada, ou pesada e gostada, o risco era do comprador.
Também eram objeto de venda casa, ou herdade, ou qualquer outra coisa de raiz. Bens de raiz também podiam ser arrendados ou alugados.
Pode-se encontrar no Livro 4 das Ordenações Filipinas o exemplo do que seja uma ação (judicial) pessoal: assim como se um homem demandar a outro certo dinheiro, ou outra quantidade em que lhe fosse obrigado. Também já se menciona o trânsito em julgado: "passada em coisa julgada".
Se alguma coisa litigiosa fosse vendida, escaimbada, ou doada pelo réu a alguma pessoa poderosa por razão de sua dignidade, ou de algum Ofício, para criar temor no Juiz quanto ao processo, tal venda seria punida com multa.
O justo preço de certos bens foi estabelecido em norma jurídica: O D. de 17 de julho de 1778 estabeleceu como justo preço das fazendas frugíferas a soma dos rendimentos de vinte anos, tiradas as despesas; pelos Decretos de 6 de março de 1769 e de 24 de janeiro de 1801 declarou-se que o preço certo do domínio direto dos prazos da Coroa era a importância de vinte pensões e três laudêmios; o valor do domínio útil apura-se por meio de avaliação dos bens como alodiais, abatido o valor do domínio direto.
Mesmo que compradores e vendedores convencionassem que o negócio seria feito em moeda de ouro, ou de prata, o vendedor era obrigado a receber moeda corrente lavrada pelo Rei reinante ou pelos Reis que o antecederam. Havia também disposição sobre o pagamento em moedas de cobre, variando o valor que admitia pagamento em moedas de cobre. Em nota de rodapé consta que o Al. de 19 de fevereiro de 1699 determinava que não se pudesse fazer pagamentos com dinheiro de cobre em maior quantia que um tostão. Se alguém enjeitasse a moeda verdadeira do Reino, se fosse peão, seria preso e açoitado publicamente, e sendo homem, que não caibam açoites, seja preso e degradado para a África per dois anos. Os pagamentos de compras de trigo de fora do Reino, vendendo-se pelas próprias pessoas, que o trouxeram, e os pagamentos de especiarias, que se comprarem na Casa da Índia, e os que se fizeram per letra de câmbios, seriam feitos como sempre se costumava fazer. Em nota de rodapé é dado o conceito de especiarias: todas as drogas aromáticas, como canela, cravo, noz moscada, cominhos, massas, pimenta, etc, que servem para adubar, ou as que servem na medicina.
Só podia haver escambo se o objeto da troca fosse produzido pelos contratantes: Defendemos que nenhuma pessoa, de qualquer qualidade que seja, não dê trigo, cevada, azeite, vinho, nem outro qualquer mantimento, por outra coisa, que aquela pessoa, com quem contratar, não tiver de sua colheita, pelos muitos inconvenientes, que disso se seguem, salvo se ao tempo que contratarem, lhe entregar a outra coisa que pelo dito mantimento dá; porque não lha entregando logo ou não a tendo de sua novidade, havemos o tal contrato por nenhum.
Havia outros tipos de contrato em que a pena convencional poderia ser paga em dinheiro, ouro, prata, trigo, cevada, azeite, mel, ou outras coisas semelhantes.
Já vem daquele tempo a proibição de venda a descendentes: Por evitarmos muitos enganos e demandas, que se causam e podem causar das vendas, que algumas pessoas fazem a seus filhos, ou netos, ou outros descendentes, determinamos que ninguém faça venda alguma a seu filho, ou neto, nem a outro descendente. Nem outrossim faça com os sobreditos trocas, que desigual seja, sem consentimento dos outros filhos, netos ou descendentes, que houverem de ser herdeiros do dito vendedor.
Há também menção à similitude entre alheação e alienação, em nota de rodapé: Emalheação, i. e., alheação ou alienação. Moraes no Dicc. diz que a alheação é vocábulo mais antigo e mais Português; alienação mais alatinado, e moderno.