segunda-feira, 6 de outubro de 2025

OS JUROS NAS ORDENAÇÕES 3

 As leis extravagantes, ou seja, aquelas que não estavam no corpo das Ordenações Filipinas, criaram algumas exceções para permitir a cobrança de juros. A seguir, vamos ver estas exceções e os inconformados comentários de Cândido Mendes de Almeida sobre a permissão de cobrança de juros no Brasil do século XIX. Elas estão no Livro 4 das Ordenações Filipinas.

 

Além das exceções notadas neste § e nos precedentes, outras foram ocorrendo criadas por Leis extravagantes, e cujos prêmios o legislador regulava.

Assim foram taxados os juros ou censos a retro, tanto perpétuos como por vidas, o que consta das Leis e Alvarás de 13 de Dezembro de 1614, de 12 de Outubro de 1643, e de 23 Maio de 1698. Eis em que termos neste último documento o Legislador se expressava:

«E conformando-me com o que na dita Consulta pareceu aos do meu Conselho - hei por bem, que, o sem embargo do Alvará de 1643, nenhum juro ou censo a retro, sem limitação de tempo, se possa vender nem fundar, daqui a diante, a menos de vinte o milhar (cinco por cento); e a dez o milhar, sendo em uma vida somente; e a doze, sendo por duas vidas, que é o mesmo que no dito primeiro Alvará de 1614 estava ordenado: e os contratos de censos, ou juros, que por menos preço forem consti­tuídos, sejam por esse mesmo feito nenhuns; e tudo o que demais se tiver levado, se restitua, ou impute na sorte principal.

«E todo o Tabelião, que fizer escritura de con­trato em menos preço, incorra em pena de perdi­mento do seu Ofício.

«E por quanto nestes Reinos, não somente se vendem censos e juros de dinheiro, mas também de pão e azeite, ou outros semelhantes frutos, declaro que neles também se entende esta lei, regulando-se conforme à justa comum estimação, que tais frutos costumam ter, reduzindo-se a sua avaliação à mesma taxa de vinte milhar (cinco por cento) nos perpétuos a retro, dez o milhar em uma vida, e doze em duas.

«E quanto aos já constituídos, assim de dinheiro, como de frutos, antes desta Lei, declaro que não é minha tenção aprová-los, nem reprová-los; porque ainda que se não devam julgar precisamente por ela, pois a do ano de 1614 não estava em seu vigor, con­tudo, se no preço delas houvesse lesão ou injustiça, ou usura, conforme ao comum valor, que nas terras corria, poderão as partes tratar dela, e se lhes deferirá por meus Julgadores, como for justiça, conforme a Direito.»

Este Alvará de 1698 foi posteriormente interpretado por outro de 16 de Janeiro de 1773 § 7.

O censo a retro de que tratam os mesmos Alvarás é, em geral, o censo denominado consignativo, que era o contrato pelo qual uma pessoa dava a outra certa quantia de dinheiro, e esta se obrigava por si ou pela renda de determinada propriedade a pagar-lhe anual­mente certo número de medidas de pão, vinho e outros frutos. Chamava-se a retro por que se podia remir.

O censo consignativo divergia do reservativo, por que neste havia a cessão de alguma propriedade para se receber o número das ditas medidas.

O que devia o dinheiro ou a propriedade chamava-se Censoista, e Censoario o que se obrigava ao pagamento das medidas. Entre nós tais contratos não têm uso.

Vide Correa Telles - Ensaio sobre a natureza do censo consignativo, e o Dig. Port. to. 3 de n. 1150 a 1161, Almeida e Sousa - Trat. Prat. dos Censos, e T. de Freitas - Consol. art. 365 nota (1).

Posteriormente a 1698, no Alvará de 17 de Janeiro de 1757, assim como no de 6 de Agosto do mesmo ano, regulou-se o juro dos empréstimos de dinheiro, assim como o do contrato de risco, fixando-os em cinco por cento; regulando-se provavelmente o Legislador Por­tuguês pela Encíclica do Papa Bento XIV que começa - Vix pervenit.

O Alvará de 17 de Janeiro de 1757, o que tinha de inconveniente, era colocar no mesmo paralelo o sim­ples empréstimo de dinheiro, e o contrato a risco, em que só deixou liberdade ao comércio com a Índia Oriental; mas essa disposição foi abrogada com a pu­blicação do Alvará de 5 de Maio de 1810 que co1ocou no mesmo pé o contrato a risco tanto para a Ásia, como para qualquer outra parte do Globo.

A taxa de cinco por cento marcadas no Alvará de 17 de Janeiro de 1757, (...) era a mais justa e equitativa, tanto em re­lação ao capitalista, como ao tomador do dinheiro.

Sabe-se que o ideal dos que preconizam a liberdade na estipulação dos prêmios é, que essa liberdade atrairá a concorrência, e o dinheiro se tornará barato.

Vã ilusão, em parte alguma realizável, senão nos Países de extrema riqueza e civilização. Excluamos os mercados inglês e francês, e talvez em nenhum outro País o dinheiro seja barato.

Nos Países novos é isto impossível, pelo pronto emprego que todo o capital que aparece, tem. Entre­tanto se se atender que nenhuma indústria em termos regulares não pode dar mais de dez por cento, o que espera o  tomador que aceita empréstimos com prêmio superior àquela taxa?

Se tem algum capital, todo é devorado para pagar ao emprestor, e em breve a ruína é completa. Se não tem, o próprio capital emprestado servirá para ali­mentar o tomador, e pagar o excessivo juro.

Eis as causas de tantas liquidações e falências, de que o nosso País está cheio. A morte ou sacrifício do tomador arrasta também, não raras vezes, o emprestor, cuja avidez concorre para matar a galinha de ovos de ouro.

Entretanto o Legislador que no contrato de compra e venda admite as causas de lesão, é impassível pe­rante as atrocidades da usura.

Não punir a usura porque sempre haverão (sic) usurários, seria o mesmo que rasgar o Código Penal porque os assassinos e ladrões se não podem exterminar.

Castigar a usura traz o benefício de limitar a profis­são aos caracteres refratários a toda a ideia de pudor e humanidade; mas os homens honestos, não tendo o incentivo da lei para absolvê-los de todo o escrúpulo, recuariam perante um ato que não só condena a moral, como a lei.

Ora este freio tirou a Lei de 1832, e os juros os mais exorbitantes são exigidos porque o Legislador não os condena.

Ouçamos a este respeito o que diz Troplong no seu Tratado du Prét no com. ao art. 1908 do Código Civil Francês n. 354. Eis suas palavras que deveriam ser meditadas pelo Legislador Brasileiro:

«Em 1836 todavia, em razão desta legomania tão espirituosamente assinalada por Mr. de Cormenin, propôs-se a revogação da lei de 1807, deixando-se as convenções senhoras de fixarem o preço dos emprésti­mos de dinheiro. Era voltar ao sistema de Turgot, e outros Economistas, que, pondo de lado a moralidade dos atos, consideram com mais particularidade o movi­mento dos capitais, e a liberdade do comércio.

«Mas a tentativa  naufragou. Cumpre agradecer a Mr. Dupin ainé o havê-la combatido, como o fez nesta ocasião, em pró das ideias sãs de justiça, de moral e de bom senso.

«Na verdade esse adversário batido pelos seus argumentos, julgou poder tomar sua desforra, dizendo que os princípios de Economia Política não são os mais co­nhecidos no forum (Palais).

«A Economia política é sem duvida uma grande coisa, e o forum a respeita quando mantêm-se no ter­reno da verdade. Mas quando ela prossegue em peri­gosas tentativas, quando, para pedir a liberdade de le­vantar a taxa do juro acima de 5 e 6 por cento, esco­lhe um período de prosperidade pública em que o juro, há mais de 20 anos, caiu muito abaixo dessa taxa, é para temer que essa ciência cuide antes de favorecer a usura do que o crédito, e os Jurisconsultos perspicazes nenhum escrúpulo têm de separar-se dela.»

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