As leis extravagantes, ou seja, aquelas que não estavam no corpo das Ordenações Filipinas, criaram algumas exceções para permitir a cobrança de juros. A seguir, vamos ver estas exceções e os inconformados comentários de Cândido Mendes de Almeida sobre a permissão de cobrança de juros no Brasil do século XIX. Elas estão no Livro 4 das Ordenações Filipinas.
Além das exceções notadas neste § e nos precedentes, outras foram ocorrendo criadas por Leis extravagantes, e cujos prêmios o legislador regulava.
Assim foram taxados os juros ou censos a retro, tanto perpétuos como por vidas, o que consta das Leis e Alvarás de 13 de Dezembro de 1614, de 12 de Outubro de 1643, e de 23 Maio de 1698. Eis em que termos neste último documento o Legislador se expressava:
«E conformando-me com o que na dita Consulta pareceu aos do meu Conselho - hei por bem, que, o sem embargo do Alvará de 1643, nenhum juro ou censo a retro, sem limitação de tempo, se possa vender nem fundar, daqui a diante, a menos de vinte o milhar (cinco por cento); e a dez o milhar, sendo em uma vida somente; e a doze, sendo por duas vidas, que é o mesmo que no dito primeiro Alvará de 1614 estava ordenado: e os contratos de censos, ou juros, que por menos preço forem constituídos, sejam por esse mesmo feito nenhuns; e tudo o que demais se tiver levado, se restitua, ou impute na sorte principal.
«E todo o Tabelião, que fizer escritura de contrato em menos preço, incorra em pena de perdimento do seu Ofício.
«E por quanto nestes Reinos, não somente se vendem censos e juros de dinheiro, mas também de pão e azeite, ou outros semelhantes frutos, declaro que neles também se entende esta lei, regulando-se conforme à justa comum estimação, que tais frutos costumam ter, reduzindo-se a sua avaliação à mesma taxa de vinte milhar (cinco por cento) nos perpétuos a retro, dez o milhar em uma vida, e doze em duas.
«E quanto aos já constituídos, assim de dinheiro, como de frutos, antes desta Lei, declaro que não é minha tenção aprová-los, nem reprová-los; porque ainda que se não devam julgar precisamente por ela, pois a do ano de 1614 não estava em seu vigor, contudo, se no preço delas houvesse lesão ou injustiça, ou usura, conforme ao comum valor, que nas terras corria, poderão as partes tratar dela, e se lhes deferirá por meus Julgadores, como for justiça, conforme a Direito.»
Este Alvará de 1698 foi posteriormente interpretado por outro de 16 de Janeiro de 1773 § 7.
O censo a retro de que tratam os mesmos Alvarás é, em geral, o censo denominado consignativo, que era o contrato pelo qual uma pessoa dava a outra certa quantia de dinheiro, e esta se obrigava por si ou pela renda de determinada propriedade a pagar-lhe anualmente certo número de medidas de pão, vinho e outros frutos. Chamava-se a retro por que se podia remir.
O censo consignativo divergia do reservativo, por que neste havia a cessão de alguma propriedade para se receber o número das ditas medidas.
O que devia o dinheiro ou a propriedade chamava-se Censoista, e Censoario o que se obrigava ao pagamento das medidas. Entre nós tais contratos não têm uso.
Vide Correa Telles - Ensaio sobre a natureza do censo consignativo, e o Dig. Port. to. 3 de n. 1150 a 1161, Almeida e Sousa - Trat. Prat. dos Censos, e T. de Freitas - Consol. art. 365 nota (1).
Posteriormente a 1698, no Alvará de 17 de Janeiro de 1757, assim como no de 6 de Agosto do mesmo ano, regulou-se o juro dos empréstimos de dinheiro, assim como o do contrato de risco, fixando-os em cinco por cento; regulando-se provavelmente o Legislador Português pela Encíclica do Papa Bento XIV que começa - Vix pervenit.
O Alvará de 17 de Janeiro de 1757, o que tinha de inconveniente, era colocar no mesmo paralelo o simples empréstimo de dinheiro, e o contrato a risco, em que só deixou liberdade ao comércio com a Índia Oriental; mas essa disposição foi abrogada com a publicação do Alvará de 5 de Maio de 1810 que co1ocou no mesmo pé o contrato a risco tanto para a Ásia, como para qualquer outra parte do Globo.
A taxa de cinco por cento marcadas no Alvará de 17 de Janeiro de 1757, (...) era a mais justa e equitativa, tanto em relação ao capitalista, como ao tomador do dinheiro.
Sabe-se que o ideal dos que preconizam a liberdade na estipulação dos prêmios é, que essa liberdade atrairá a concorrência, e o dinheiro se tornará barato.
Vã ilusão, em parte alguma realizável, senão nos Países de extrema riqueza e civilização. Excluamos os mercados inglês e francês, e talvez em nenhum outro País o dinheiro seja barato.
Nos Países novos é isto impossível, pelo pronto emprego que todo o capital que aparece, tem. Entretanto se se atender que nenhuma indústria em termos regulares não pode dar mais de dez por cento, o que espera o tomador que aceita empréstimos com prêmio superior àquela taxa?
Se tem algum capital, todo é devorado para pagar ao emprestor, e em breve a ruína é completa. Se não tem, o próprio capital emprestado servirá para alimentar o tomador, e pagar o excessivo juro.
Eis as causas de tantas liquidações e falências, de que o nosso País está cheio. A morte ou sacrifício do tomador arrasta também, não raras vezes, o emprestor, cuja avidez concorre para matar a galinha de ovos de ouro.
Entretanto o Legislador que no contrato de compra e venda admite as causas de lesão, é impassível perante as atrocidades da usura.
Não punir a usura porque sempre haverão (sic) usurários, seria o mesmo que rasgar o Código Penal porque os assassinos e ladrões se não podem exterminar.
Castigar a usura traz o benefício de limitar a profissão aos caracteres refratários a toda a ideia de pudor e humanidade; mas os homens honestos, não tendo o incentivo da lei para absolvê-los de todo o escrúpulo, recuariam perante um ato que não só condena a moral, como a lei.
Ora este freio tirou a Lei de 1832, e os juros os mais exorbitantes são exigidos porque o Legislador não os condena.
Ouçamos a este respeito o que diz Troplong no seu Tratado du Prét no com. ao art. 1908 do Código Civil Francês n. 354. Eis suas palavras que deveriam ser meditadas pelo Legislador Brasileiro:
«Em 1836 todavia, em razão desta legomania tão espirituosamente assinalada por Mr. de Cormenin, propôs-se a revogação da lei de 1807, deixando-se as convenções senhoras de fixarem o preço dos empréstimos de dinheiro. Era voltar ao sistema de Turgot, e outros Economistas, que, pondo de lado a moralidade dos atos, consideram com mais particularidade o movimento dos capitais, e a liberdade do comércio.
«Mas a tentativa naufragou. Cumpre agradecer a Mr. Dupin ainé o havê-la combatido, como o fez nesta ocasião, em pró das ideias sãs de justiça, de moral e de bom senso.
«Na verdade esse adversário batido pelos seus argumentos, julgou poder tomar sua desforra, dizendo que os princípios de Economia Política não são os mais conhecidos no forum (Palais).
«A Economia política é sem duvida uma grande coisa, e o forum a respeita quando mantêm-se no terreno da verdade. Mas quando ela prossegue em perigosas tentativas, quando, para pedir a liberdade de levantar a taxa do juro acima de 5 e 6 por cento, escolhe um período de prosperidade pública em que o juro, há mais de 20 anos, caiu muito abaixo dessa taxa, é para temer que essa ciência cuide antes de favorecer a usura do que o crédito, e os Jurisconsultos perspicazes nenhum escrúpulo têm de separar-se dela.»

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