sábado, 29 de agosto de 2009

Prisão Resolve? (1)

Quando ouço pessoas ou leio opiniões sobre a pena de prisão, fica-me a impressão de se pensa que a pena de prisão foi algo que sempre existiu. Quando falo em pena de prisão, quero me referir ao tempo que alguém tem que passar preso, como punição a um crime, tempo este que se quer proporcional à gravidade do crime.

Acontece que a pena é uma forma recente de punir as pessoas.

A pena de prisão, como forma de punição de delitos, foi introduzida no mundo no século XIX (PACHUKANIS. A teoria geral do direito e o marxismo. Trad. Soveral Martins. Coimbra, Centelha, 1977, p. 236)

No Brasil, até 1830, o tempo que se passava numa prisão se destinava apenas a aguardar a pena definitiva. Os crimes e as penas constavam do Livro V das Ordenações Filipinas.

PRISÃO NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS

As Ordenações Filipinas não previam a prisão como pena. O acusado permanecia preso até a sentença, quando então era executada a pena (Livro V, tít. CXVII, §§ 12 a 19 e tít. CXXII). Nos raros casos em que havia pena de prisão, esta nunca era superior a quatro meses (Livro V, tít. CXXXIX). As penas eram aplicadas segundo os privilégios ou linhagem dos executados (estes sofriam penas de degredo, morte etc) e os peões (aqueles que não eram cavaleiros) sofriam todos os tipos de penas. Assim, por exemplo, Fidalgos, Vereadores, Juízes e outros exaustivamente listados nas Ordenações, não poderiam sofrer pena de açoites, ou degredo com baraço e pregão, como consta no Livro V, tít. CXXXVIII. Mais detalhadamente: Escudeiros dos Prelados e dos Fidalgos, moços da Estrebaria do Rei, da Rainha, do Príncipe, Infantes, Duques, Mestres, Marqueses, Prelados, Condes e de Conselheiros, Pagens de Fidalgos, Juízes, Vereadores e respectivos filhos, Procuradores das Vilas ou Concelhos, Mestres e Pilotos de Navios, amos ou colaços dos Desembargadores ou de Cavaleiros de linhagem, não podiam sofrer a aplicação das penas vis. No Livro V, CXX, há disposição proibindo que sejam presos em ferros os Doutores em Leis ou Cânones, ou em Medicina, feitos em Universidade, os Cavaleiros Fidalgos, de Ordens Militares de Cristo, Santiago e Aviz, os Escrivães da Fazenda e Câmara reais, bem como as respectivas mulheres enquanto casadas ou mesmo já viúvas.
Havia, porém, alguns crimes cujas penas eram aplicadas indistintamente, sem qualquer ressalva quanto à qualificação do criminoso: lesa majestade, sodomia, testemunho falso e outros. O tormento (hoje, tortura) não era aplicado a todas as pessoas, salvo se fossem acusados de crime de lesa majestade, aleivosia, furto e outros. O tormento não era pena, mas sim meio de prova, após alguns indícios (confissão fora do Juízo, uma testemunha, fama pública etc; mas o julgador poderia decidir mediante outros indícios que entendesse convincentes – Livro V, CXXXIII). Era feito auto circunstanciado do tormento, ao qual só podiam comparecer o julgador, o escrivão e o ministro (este ministrava o tormento).
Segundo Pereira de Souza (citado por Cândido Mendes de Almeida, no comentário às ordenações – p.1315), eram consideradas penas vis a forca, as galés, o cortamento de membro, os açoites, a marca nas costas, o baraço e o pregão. As penas cominadas nas Ordenações Filipinas são as seguintes: açoite (em público; em público com baraço e pregão; com grinalda de cornos – no link, ver páginas 1257, 1249, 1190, 1149, 1148, 1191, 1313, 1278, 1298, 1162, 1279 e 1285; e LIVRO 5º, TÍT. XXVI, § 9º), atenazamento (apertava-se a carne do condenado, com tenaz ardente), baraço e pregão (baraço é o laço de apertar a garanta; pregão era a descrição da culpa e da pena), confisco de bens, decepamento de mãos ou corte de outros membros, degredo (para o Brasil, África, ou para o Couto de Castro-Mirim – a pena de degredo temporal era considerada leve, podendo o acusado se defender sem procurador); galés (remar em embarcações), morte atroz (com circunstâncias que agravam a morte, mas não o sofrimento: confisco de bens, queima ou esquartejamento do cadáver), morte civil (perda dos direitos e da graduação social); civil – perda dos direitos), morte com queima de cadáver após o estrangulamento, morte com queima do condenado vivo (a chamada "morte natural de fogo" ou "queima até virar pó"), morte cruel (tinha por fim tirar a vida lentamente, no meio de tormentos, para torná-la mais dolorosa – atenazamento, queima ou esquartejamento do condenado vivo, açoite até a morte, sepultamento do condenado vivo), morte na forca para sempre (deixar o cadáver apodrecer na forca), morte por degolação, com ou sem exposição da cabeça do réu, morte natural (por veneno, golpe, sufocação, decapitação), pagamento de custas processuais (não podendo pagar, o réu ficava quatro meses preso, sendo solto se não houvesse condenação ou cumprindo a pena dada além do pagamento das custas)e pena arbitrária.

A PENA DE PRISÃO E SUA ADOÇÃO NO BRASIL


O Código Criminal do Império do Brasil, de 1830, definiu 211 crimes, mas deve-se ressaltar que é difícil fazer uma contagem exata dos crimes e penas, porque são cominadas penas distintas para crime consumado e tentado, autoria e cumplicidade, reincidência, ausência ou presença de qualificadores, dolo e culpa, para o caso de haver e para o caso de não haver no lugar da condenação casa de correção em que possa ser cumprida a pena de prisão com ou sem trabalho.
Dos 211 crimes, 187 (88,62%) têm cominada pena de prisão, perda de emprego público, suspensão de emprego público, multa, ou, às vezes, duas ou mais destas penas cumuladas. E outros 24 crimes (11,37%) aos quais são cominadas penas de morte, galés, desterro ou degredo. Esta contagem de crimes e penas vale para os livres e libertos. Em se tratando de escravos, as penas são as mesmas dos livres e libertos em se tratando de punição com morte ou galés. Nos demais casos, há substituição por açoites (art. 60), em quantidade a ser fixada pelo Juiz.
Considerada a possibilidade de substituição da pena por açoites, os escravos podiam ser açoitados se praticassem 152 (72,03%) dos 211 crimes existentes no Código Criminal. Isto porque não podiam praticar os 44 crimes típicos de empregados públicos, já que a tais cargos não tinham acesso, visto serem considerados bens.
A introdução da pena de prisão, no Brasil, foi, no Império, apontada como causa do aumento da criminalidade, segundo Assis Toledo, no livro Princípios de Direito Penal, p. 59, mencionando Basileu Garcia.
As providências iniciais para construir a primeira penitenciária no Brasil datam de 1833. O projeto se baseava em prisões inglesas e a prisão teria 800 celas. Apesar de seu início oficial datar de 1850, as celas começaram a ser ocupadas em 1837, pelos escravos presos no calabouço do Castelo; em 1856 foram os detentos do Aljube e, em 1859, os condenados às galés e a prisão simples. Note-se que a prisão do Aljube já era tida como mal-cheirosa, com muita aglomeração de presos, enfim, um depósito de presos, como se diz hoje. A nova prisão, com 800 celas, não foi construída conforme o plano inicial e tinha vários problemas. Ali estavam presos, em dezembro de 1873, 92 homens brancos e 45 negros; 58 brasileiros e 79 estrangeiros; 72 tinham cometido crimes contra as pessoas e 65 contra a propriedade. Entre 1850 até dezembro de 1873, dentre 1265 presos, 260 morreram (conforme SALLA, Fernando. O RELATÓRIO DA COMISSÃO INSPETORA DA CASA DE CORREÇÃO DA CORTE, DE 1874, E A POLÍTICA PENITENCIÁRIA BRASILEIRA NO INÍCIO DO SÉCULO XX. Em Revista Brasileira de Ciências Criminais – São Paulo, IBCCRIM-RT, ano 9, nº 35, jul-set 2001, pp. 252-295).

A primeira penitenciária de Portugal também data do Século XIX e existe até hoje em Lisboa.

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