O livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo é um estudo do sociólogo Max Weber sobre eventual influência da religião sobre a economia. Os trechos abaixo transcritos, da página 110 até a página 127, dão uma idéia de como o trabalho constante, somado à poupança e a uma vida onde a riqueza é uma forma de homenagear a Deus, podem levar nações à riqueza. Vamos aos trechos que selecionei:
Exemplos de condenação da procura de bens e de dinheiro podem ser encontrados em quantidade nos escritos puritanos, e comparados com a literatura da baixa Idade Média, muito mais liberal a este respeito.
E ela é levada absolutamente a sério com tais dúvidas - que merecem um exame mais cuidadoso para a devida compreensão de seu significado ético e das suas implicações. Isto porque, a verdadeira objeção moral refere-se ao descanso sobre a posse, ao gozo da riqueza, com a sua conseqüência de ócio e de sensualidade, e, antes de mais nada, à desistência da procura de uma vida "santificada". E apenas é condenável porque a riqueza traz consigo este perigo de relaxamento. Pois o "eterno descanso da santidade” encontra-se no outro mundo; na Terra, o Homem deve, para estar seguro de seu estado de graça, "trabalhar o dia todo em favor do que lhe foi destinado". Não é, pois, o ócio e o prazer, mas apenas a atividade que serve para aumentar a glória de Deus, de acordo com a inequívoca manifestação da Sua vontade.
A perda de tempo, portanto, é o primeiro e o principal de todos os pecados. A duração da vida é curta demais, e difícil demais, para estabelecer a escolha do indivíduo. A perda de tempo através da vida social, conversas ociosas, do luxo, e mesmo do sono além do necessário para a saúde - seis, no máximo oito, horas por dia - é absolutamente indispensável do ponto de vista moral. Não se trata assim do "Time is Money" de Franklin, mas a proposição lhe é equivalente no sentido espiritual: ela é infinitamente valiosa, pois, de toda hora perdida no trabalho redunda uma perda de trabalho para a glorificação de Deus. Daí não ter valor e, eventualmente, ser diretamente condenável a contemplação passiva, quando resultar em prejuízo para o trabalho cotidiano, pois ela é menos agradável a Deus do que a materialização de Sua vontade de trabalho. Para isso, existe o domingo, e, segundo Baxter, são os que não estão absortos em sua vocação, que nem para Deus têm tempo, na hora existente para esse mister.
De acordo com isso, apresenta-se, no principal trabalho de Baxter, uma pregação constante, às vezes quase apaixonada, em prol de um trabalho físico ou mental mais duro e constante. Isto é devido à ação conjunta de dois fatores. De um lado, o trabalho é o velho e experimentado instrumento ascético, apreciado mais do que qualquer outro na Igreja do Ocidente, em acentuada contradição com o Oriente, mas também com quase todas as ordens monásticas do mundo.
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Mas, o mais importante é que o trabalho constitui, antes de mais nada, a própria finalidade da vida. A expressão paulina "Quem não trabalha não deve comer" é incondicionalmente válida para todos. A falta de vontade de trabalhar é um sintoma da ausência do estado de graça.
Aparece aqui, visivelmente, o desvio da posição medieval. Também São Tomás de Aquino havia interpretado essa frase. Depois dele, todavia, o trabalho foi considerado necessário naturali ratione para o sustento da vida individual e coletiva. Onde não há essa necessidade, cessa também a validez dessa prescrição. Ela só se refere à espécie, e não a cada um individualmente. Quem puder viver de sua propriedade sem trabalhar não depende dela, e, naturalmente, a contemplação, como forma espiritual de trabalho no reino de Deus, parece o significado literal. Além disso, para a teologia popular da época, a forma mais elevada de produtividade monástica, estava no aumento do Thesaurus ecclesiae, através da oração e do canto .
Essas conexões ao dever de trabalhar não só deixam de prevalecer naturalmente para Baxter, como ele ainda fez questão de frisar energicamente que a riqueza não eximia quem quer que fosse do mandamento universal. Nem o rico pode comer sem trabalhar, pois mesmo que não precise disto para o seu sustento, ainda assim prevalece o mandamento de Deus, que deve ser obedecido por ele, tanto quanto pelo pobre.
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A riqueza, desta forma, é condenável eticamente, só na medida que constituir uma tentação para a vadiagem e para o aproveitamento pecaminoso da vida. Sua aquisição é má somente quando é feita com o propósito de uma vida posterior mais feliz e sem preocupações. Mas, como o empreendimento de um dever vocacional, ela não é apenas moralmente permissível, como diretamente recomendada. A parábola do servo que foi desaprovado por não ter aumentado a soma que lhe foi confiada serve para expressar isso diretamente. Querer ser pobre, como repetidas vezes se disse, equivalia a querer ser doente, era reprovável do ponto de vista da glorificação do trabalho e derrogatório à glória de Deus. Especialmente a mendicância dos capazes de trabalhar não constitui apenas um pecado de preguiça, mas ainda, de acordo com a palavra do apóstolo, uma violação do dever de amor ao próximo.
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Combinando essa restrição do consumo com essa liberação da procura de riqueza, é óbvio o resultado que daí decorre: a acumulação capitalista através da compulsão ascética à poupança. As restrições impostas ao uso da riqueza adquirida só poderiam levar a seu uso produtivo como investimento de capital.
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Transcrevemos aqui um trecho de John Isto, porque mostrara que os líderes desses movimentos ascéticos compreendiam muito bem as relações aparentemente tão paradoxais que aqui analisamos. Assim escreve ele:
"Temo que, toda vez que a riqueza aumenta, a religião diminui na mesma medida. Não vejo, daí, como é possível, na natureza das coisas, conservar durante muito tempo qualquer revivência da verdadeira religião. Porque a religião deve necessariamente produzir tanto a operosidade (industry) como o senso de economia (frugality), e essas só podem produzir riqueza. Quando esta aumenta, crescem o orgulho, a paixão e o amor ao mundo em todas as suas formas. Como será então possível ao Metodismo, isto é, a uma religião do coração, continuar neste sentido, por mais que agora esteja a florescer como uma árvore nova? Os metodistas tornaram-se laboriosos e econômicos em toda parte; consequentemente, aumenta a sua riqueza. E, proporcionalmente, crescem neles o orgulho, as paixões, os apetites da carne e do mundo, e a soberba da vida. Assim, embora permaneça a forma da religião, seu espírito rapidamente se desvanece. Não haverá algum meio para evitar essa decadência da pura religião? Não devemos deixar de recomendar às pessoas que sejam laboriosas e econômicas. Devemos exortar todos os cristãos a ganhar tudo o que for possível, e a economizar o máximo possível; isto é; em outras palavras, a se enriquecerem"
Segue-se a exortação de que "aqueles que ganham tudo o que podem e poupam quanto podem" também "devem dar tudo o que podem", para assim crescer na graça de Deus, e amealhar um tesouro no céu.
O que a época de grande religiosidade do século XVII legou a seus utilitários sucessores foi, todavia, uma consciência incrivelmente boa - podemos até dizer farisaicamente boa - do endinheiramento, enquanto ocorresse por vias legais. Com ela desapareceu todo o resto do Deo placere vix potest.
Uma ética profissional especificamente burguesa surgiu em seu lugar. Consciente de estar na plena graça de Deus, e sob a sua visível bênção, o empreendedor burguês, enquanto permanecesse dentro dos limites da correção formal, enquanto sua conduta moral fosse sem manchas e não fosse objetável o uso de sua riqueza, podia agir segundo os seus interesses pecuniários, e assim devia proceder. O poder da ascese religiosa, além disso, punha à sua disposição trabalhadores sóbrios, conscientes e incomparavelmente industriosos, que se aferraram ao trabalho como a uma finalidade de vida desejada por Deus. Dava-lhe, além disso, a tranquilizadora garantia de que a desigual distribuição da riqueza deste mundo era obra especial da Divina Providência, que, com essas diferenças, e com a graça particular, perseguia seus fins secretos, desconhecidos do homem.
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