sexta-feira, 7 de maio de 2010

O PODER E AS REGRAS OBRIGATÓRIAS ENTRE OS ÍNDIOS 5



Guerra e Escravidão
CLASTRES assinala que os índios Achagua e os Chibcha (localizados na Colômbia e Venezuela) se diferenciavam do resto das populações índias sul-americanas porque escravizavam seus vizinhos menos pode-rosos e tomavam prisioneiras como esposas complementares. Os índios Omágua (localizados no oeste do Estado do Amazonas) também escravizavam prisioneiros de guerra e faziam das mulheres suas concubinas (1). Entre os índios Tupinambás, os prisioneiros de guerra eram escravizados temporariamente. Durante este tempo – que podia ser longo - eram alimentados e recebiam esposa. A escravidão provisória terminava com a festa ritual, na qual o prisioneiro era devorado (2). Américo Vespúcio (3), em carta a Lourenço dei Médici (1502) informa que se os prisioneiros fossem homens, os apreensores casavam-no com uma de suas filhas e, se mulheres, casavam com elas. Mas tantos os homens prisioneiros e seus filhos, quanto as mulheres prisioneiras e filhos que tivessem, seriam devorados nas cerimônias para tal fim realizadas. Viver dentro das normas consideradas certas, para os Tupinambás, era viver para matar e comer muitos inimigos (4). Os Arara não levavam para suas aldeias prisioneiros com vida (5).
As fotos acima são de um pote com farinha de mandioca, invenção dos índios, assimilada por nós e pelos africanos que, a partir do século XVI, comerciavam com Portugal e Brasil. É que desde este tempo, a farinha de mandioca foi exportada do Brasil para a África e lá ficou conhecida também como farinha de guerra, pois, por ser fácil de conservar e transportar, podia ser usada como alimento em guerras.

Notas:
1 – PORRO, Antônio. História Indígena do Alto e Médio Amazonas – Séculos XVI a XVIII. In CUNHA, Manuela Carneiro da (org.) HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 2ª edição, 2002, p. 182. Há registro também de que índios capturavam e aprisionavam outros índios como escravos em DANTAS (Beatriz G. et all. Os povos indígenas no nordeste brasileiro Um esboço histórico. In CUNHA, obra citada, p. 436).
2 – CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo, Cosac & Naify, 2003, pp. 51 e 87.
3 – Este documento, a carta de Caminha, as cartas de Américo Vespúcio, a certidão de Fernandes e a Crônica de Damião de Góis se encontram em AMADO, Janaína e FIGUEIREDO, Luís. Brasil 1500: quarenta documentos. Brasília, Editora UNB, São Paulo, IOESP, 2001.
4 – FAUSTO, Carlos. Fragmentos de História e Cultura Tupinambá Da etnologia como instrumento crítico de conhecimento etno-histórico. In CUNHA, Manuela Carneiro da (org.) HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 2ª edição, 2002), p. 387.
5 - TEIXEIRA-PINTO, Márnio. Ieipari – Sacrifício e Vida Social entre os Índios Arara (Caribe). São Paulo, Editora Hucitec Anpocs, UFPR, 1997 , pp. 114-115.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

O PODER E AS REGRAS OBRIGATÓRIAS ENTRE OS ÍNDIOS 4





O Xamã
A chefia de uma sociedade indígena pode ser exercida pelo xamã (pajé ou caraíba) ou haver um chefe político (morubixaba) e o xamã, que é o chefe religioso. O xamã é respeitado, admirado e temido, pois só ele possui poderes sobrenaturais, só ele pode dominar o perigoso mundo dos espíritos e dos mortos. O xamã tem seus deveres, como, por exemplo, prestar atenção ao seu trabalho, dançar sozinho, não ter relações sexuais com mulheres quando exerce seu trabalho e nunca esquecer seu fumo (1). Entre os índios Arara, o xamã é um misto de curador, ministro de negócios das relações exteriores e gestor da base política da sociedade, fabricando as condições e controlando o funcionamento da vida social (2).
As fotos acima são de uma rede de dormir ou descansar. Os índios a inventaram é nos as usamos até hoje.

Notas:
1 – CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo, Cosac & Naify, 2003, pp. 159-160, 161-162.

2 - TEIXEIRA-PINTO, Márnio. Ieipari – Sacrifício e Vida Social entre os Índios Arara (Caribe). São Paulo, Editora Hucitec Anpocs, UFPR, 1997, p. 188.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O PODER E AS REGRAS OBRIGATÓRIAS ENTRE OS ÍNDIOS 3


Guerra e Caça
Para os índios Arara não há poder entre os homens que se estruture como possibilidade legítima de dominação ou coerção de qualquer natureza (a não ser aquela da apreciação da coletividade sobre o comportamento de cada um)(1).
Entre os índios tupinambá, os melhores guerreiros (que tinham direito a esposas secundárias) formavam o Conselho ao qual eram submetidas as decisões do chefe. Morrendo o chefe e sendo seu filho considerado inapto para sucedê-lo, era este Conselho dos melhores guerreiros que escolhia o novo chefe. Cada casa tupinambá tinha um líder; cada aldeia um chefe e havia chefias centralizadas agrupando várias aldeias(2).
Entre os Ipúrina do Juruá-Purus e os Kaigang do sul do Brasil, a caça é uma fonte decisiva de alimentação e, como a principal tarefa do líder é cuidar do bem-estar de seu grupo, dos melhores caçadores é que saem, geralmente, os homens elegíveis à chefia.
A foto acima, feita em 2001, retrata contato dos espectadores com pessoas que apresentaram um ritual indígena (proximidades de um hotel de selva, nas redondezas de Manaus/AM).

Notas:
1 – TEIXEIRA-PINTO, Márnio. Ieipari – Sacrifício e Vida Social entre os Índios Arara (Caribe). São Paulo, Editora Hucitec Anpocs, UFPR, 1997, p. 329.
2 – Na maioria das sociedades sul-americanas, a chefia se herda patrilinearmente. Assim, levando-se em conta as aptidões individuais, o filho do chefe, ou em sua falta o filho do irmão do chefe, será o novo líder da comunidade – CLASTRES (Pierre. A sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo, Cosac & Naify, 2003), p. 57. Entre os tupinambás, cada casa comportava de 100 a 500 ou 600 habitantes; uma aldeia de quatro a oito casas/malocas tem de 400 a 4.000 habitantes – pp. 89 e 104-105. CLASTRES ainda cita como exemplos de hegemonia de um chefe sobre tribos vizinhas os Takwatip (grupo Tupi-Kawahib), os Omagua e os Cocama (tupis estabelecidos no curso médio e superior do Amazonas – p. 91.
3 - CLASTRES, obra citada, pp. 52-53.

terça-feira, 4 de maio de 2010

O PODER E AS REGRAS OBRIGATÓRIAS ENTRE OS ÍNDIOS 2


Democracia e igualdade
Democracia e gosto pela igualdade são a tônica das sociedades indígenas das Américas, segundo CLASTRES; e os morubixabas – chefes indígenas – praticamente não têm autoridade, não têm poder decisório. Prestígio, entre os índios, não significa poder e a palavra do chefe não tem força de lei. O que caracteriza em geral um chefe indígena é ser um fazedor da paz, é ser generoso, bom orador e ter o privilégio da poliginia. Durante a guerra, o chefe dispõe de um poder quase absoluto(1), como era o caso do Chefe Cunhambebe, dos Tamoios. O líder indígena se torna chefe somente em função de sua competência “técnica”: dons oratórios, habilidade como caçador, capacidade de coordenar as atividades guerreiras, ofensivas ou defensivas (2). Ao fazer a paz, o chefe indígena não tem uma função judiciária, pois ele não pode impor sua decisão pela força (ainda segundo CLASTRES): fracassando em reconciliar as partes, o chefe não pode impedir que a desavença se prolongue indefinidamente, com ataques violentos e outros tipos de vingança(3). Se o chefe não faz o que dele se espera, ele é abandonado pela aldeia, que escolhe um líder mais fiel aos seus deveres(4). O cacique não tem privilégios de autoridade, mas somente os de conselheiro e deve observar normas rígidas de comportamento: É comedido, não fala nem ri alto, não faz gestos bruscos, não anda apressado e jamais se põe a correr (5).
A foto acima é de uma apresentação de rituais indígenas para hóspedes de um hotel de selva, próximo a Manaus, AM, Brasil. Foto tirada em 2001.

Notas:
1- Segundo CLASTRES (Pierre. A sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo, Cosac & Naify, 2003, pp. 46 a 51, 53, 222 e 223) o chefe indígena: 1) Faz a paz, sendo a instância moderadora do grupo; 2) é generoso, pois não se pode permitir, sem ser desacreditado, repelir os incessantes pedidos de seus “administrados”; os índios têm uma espécie de direito à pilhagem permanente do chefe e se reconhece o chefe porque ele possui menos que os outros e traz os ornamentos mais miseráveis; entre os índios da América do Sul, quem mais trabalha é o chefe (p. 58); 3) somente um bom orador tem acesso à chefia; o talento oratório é uma condição e também um meio de poder político; o tema das arengas do chefe é a paz, a harmonia e a honestidade, essencialmente uma repetição de normas de vida tradicional: Nossos avós se sentiram bem vivendo como viviam. Sigamos seu exemplo e, dessa maneira, levaremos juntos uma existência tranqüila. (p. 171); em regra, os índios não prestam atenção ao que o chefe fala; a fala ocorre todos os dias, ao amanhecer e ao crepúsculo, estando o chefe deitado na rede ou sentado perto do fogo, pronunciando com voz forte o discurso;. 4) a poligamia em geral se dá sob a forma sororal. Apenas um vigésimo das sociedades indígenas pratica a monogamia rigorosa. Isto quer dizer que a maioria dos grupos reconhece a poliginia e que esta é quase continental em sua extensão. Segundo PERRONE-MOISÉS [Beatriz. Os Mebengokre Kayapó: História e Mudança Social De comunidades autônomas para a coexistência interétnica. In CUNHA, Manuela Carneiro da (org.) HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 2ª edição, 2002, pp. 319 e 334], os Kayapó, por exemplo, são monogâmicos. Mas muitos cismas importantes na história dos Gorotire e Mekranoti (subdivisões dos Kaiapó) foram causados por questões de adultério ou rivalidade sexual.

2 – CLASTRES, obra citada, pp. 90 e 223. Apesar de o chefe não ter poder, há um lugar reservado para a chefia, sendo estranho uma tribo que não tenha chefe – p. 258.
3 – CLASTRES, obra citada, p. 48.
4 – CLASTRES, obra citada, p. 62.
5 - VILLAS BÔAS, Orlando. A arte dos pajés: impressões sobre o universo espiritual do índio xinguano. São Paulo, Editora Globo, 2000, p. 25.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O PODER E AS REGRAS OBRIGATÓRIAS ENTRE OS ÍNDIOS 1


A homogeneidade dos índios Tupi-Guarani
Uma característica dos índios que pode explicar nossa identidade cultural, apesar o tamanho do Brasil é a homogeneidade dos índios Tupi-Guarani: tribos situadas a milhares de quilômetros umas das outras vivem do mesmo modo, praticam os mesmos ritos, falam a mesma língua. Um guarani do Paraguai se sentiria em terreno perfeitamente familiar entre os Tupi do Maranhão, distantes, entretanto 4 mil km. Os índios Tupi ocupavam quase todo o litoral brasileiro e os Guarani ocupavam o sul do Brasil(1). Pesquisas de evolução da língua, indicam que a primeira separação entre os Jê meridionais (Kaingang e Xokleng) teria ocorrido há uns 3 mil anos e a dos Macro-Tupi (Tupi-Guarani) há 2 ou 3 mil anos(2), Há também vestígios de cerâmicas de cerca de cinco mil anos, estas encontradas no município de Abdon Batista, em Santa Catarina(3). Há vestígios de que o Brasil já estava ocupado há 12 mil anos(4).
Segundo CLASTRES, é estranho para um índio dar ou obedecer a uma ordem, salvo em se tratando de uma expedição guerreira. Este fato fez com que os portugueses, logo ao chegarem ao Brasil, no século XVI, observassem que os índios Tupinambá eram gentes sem fé, sem lei, sem rei. Os mesmos portugueses, porém, observaram que os tupi-guarani não eram chefes sem poder, chegando a atribuir aos grandes chefes de federações de tribos os títulos de “reis de província” ou “régulos”(5).
Mas o poder, numa sociedade, tanto pode ser exercido tanto de forma coercitiva, quanto de forma não-coercitiva, de modo que não há, segundo CLASTRES, sociedade sem poder (6).
Na foto acima, artesanato indígena exposto no Museu do Índio, em Manaus, AM, Brasil (foto de 2001).

Notas:
1 - CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo, Cosac & Naify, 2003, pp. 99, 103, 108 e 109. A região guarani era na maior parte limitada a oeste pelo rio Paraguai, ao menos pela parte de seu curso situada entre o paralelo 22, a montante, e o paralelo 28, a jusante. A fronteira meridional encontrava-se um pouco ao sul da confluência do Paraguai e do Paraná. As margens do Atlântico constituíam o limite oriental, mais ou menos do por-to brasileiro de Paranaguá ao norte (paralelo 26) até a fronteira do Uruguai atual (...). Temos assim duas linhas paralelas (o curso do Paraguai, o litoral marinho), das quais basta ligar as extremidades para conhecer os limites setentrional e meridional do território guarani. CLASTRES calcula que, neste território, habitavam um milhão e quinhentos guaranis. Outras tribos residiam também na região, principalmente os Kaigang. FAUSTO informa que os Guarani ocupavam desde a Lagoa dos Patos até Cananéia e os Tupi, de Iguape até a costa do Ceará (FAUSTO, Carlos. Fragmentos de História e Cultura Tupinambá Da etnologia como instrumento crítico de conhecimento etno-histórico. In CUNHA, obra citada, p 382).
2 - URBAN, Greg. A História da Cultura Brasileira segundo as línguas nativas. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. In CUNHA, obra citada, pp. 90 e 92.
3 - Jornal A NOTÍCIA. SC pode ter uma das civilizações antigas Vestígios de cerâmicas usadas em sítios em Abdon Batista datam de quase 5 mil anos.Joinville, 08.06.04, edição nº 23.076, p. A4.
4 - GUIDON, Niéde. As ocupações pré-históricas do Brasil (Excetuando a Amazônia). In CUNHA, Manuela Carneiro da (org.) HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 2ª edição, 2002, p. 52.
5 – CLASTRES, obra citada, p. 230.
6 - CLASTRES, obra citada, pp. 28, 37 e 38. É interessante notar que na obra Wamrêmé Za’ra – Nossa Palavra: Mito e História do Povo Xavante (a histórica dos xavantes contada por eles mesmos), a palavra poder significa a possibilidade de realizar coisas mágicas, sobrenaturais (Podiam criar, só com o desejo, qualquer coisa em que pensassem – p. 38; Ninguém podia ver os Sarewa. Eles tinham muito poder. (...) Eles têm o poder de não se deixar ver... – pp. 74-75; ... folhas de poder – p. 80; Foi ele que criou os “warazu” através de seu poder – p. 86; Esse homem é tão poderoso! (...) Ele deve usar feitiço – no original “abzé” - p. 93;).

domingo, 2 de maio de 2010

A CULTURA MESTIÇA



Em 1500 os Portugueses chegam ao Brasil. A cultura muçulmana com certeza deixou vestígios no povo lusitano. A convivência entre ibéricos, visigodos e mouros, durante os mil anos antecedentes, a presença de três religiões na península (cristianismo, judaísmo e islamismo), foi o germe de uma cultura de tolerância racial e religiosa. Mas as instituições jurídico-político brasileiras não foram influenciadas somente pelos portugueses e seus ancestrais romanos, visigodos e mouros. FREYRE, em sua famosa obra Casa-grande & Senzala, assinalou a mestiçagem como uma das características colonização portuguesa: Pelo intercurso com mulher índia ou negra multiplicou-se o colonizador em vigorosa e dúctil população mestiça, ainda mais adaptável do que ele puro ao clima tropical (1). Havia, no século XVIII uma deliberada política portuguesa para o Brasil de incentivo à mestiçagem, fomentando os casamentos mistos interétnicos(2). Dados atuais do IBGE indicam este fato: pelo censo de 2000, 38,45% da população se declarou de cor parda. Portanto, ainda que não escrita, alguma coisa da cultura jurídico-política indígena e africana ficou entre nós. E o que ficou, devemos procurar nos hábitos e nos costumes jurídico-políticos dos índios, dos negros e da população brasileira de hoje, especialmente porque estes hábitos e costumes, na medida em que o tamanho do eleitorado se aproxima do tamanho da população (na constituinte de 1946, só 16% da população votava, enquanto que, na de 1988, a proporção era de 60%, por exemplo), mais representativos da população se tornam os governantes e, espera-se, mais correspondam aos anseios desta população. Daí porque é interessante darmos muita atenção a algumas características de governo de alguns povos que formaram nosso país, pois estas características estão presentes no nosso modo de governar e ser governado, ou seja, no nosso jeito de mandar e ser mandado; de como e porque obedecer. Pode acontecer que um poderoso, por exemplo, queira decidir como alemão, ou francês ou inglês em casos que não lhe tocam diretamente, mas decida como um árabe, um português, um manicongo, um ‘ngola, ou um morubixaba, quando o caso a decidir disser respeito ao seu cotidiano, ou a seus interesses mediatos e imediatos.

Não se sabe ao certo a população de índios que habitava o Brasil em 1500, mas se estima em dois ou quase três milhões. E, durante três séculos de escravidão, cerca de 4,5 milhões de africanos foram trazidos para o Brasil(3). Daí porque se deve estudar com atenção e seriedade os costumes jurídico-políticos entre estes povos que, quando se fundiram conosco, eram ágrafos.

A foto acima, à esquerda, é de um artesanato africano, fotografado em 2001, no Cafuá das Mercês, em São Luiz, MA, Brasil ; à direita, ornamentos indígenas, fotografados no Museu do Índio, em Manaus, também em 2001.
Notas:
1 - FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala. São Paulo, Global, 47 ed., 2003, p. 74.
2 - CUNHA, Manuela Carneiro da. Política indigenista no século XIX; AMOROSO, Marta Rosa. Corsários no Caminho Fluvial. PARAISO, Maria Hilda B. Os Botocudos e sua Trajetória Histórica. In CUNHA, Manuela Carneiro da (org.) HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 2ª edição, 2002, pp. 143, 303 e 419.
3 - BUENO, Eduardo. Brasil: uma História – A INCRÍVEL SAGA DE UM PAÍS. São Paulo, Ática, 2003, pp. 25 e 218.

sábado, 1 de maio de 2010

Dia do Trabalho 4

Temos, entre nós, alguns hábitos que hierarquizam o trabalho, dividindo-o em trabalhos grandiosos ou humildes. No Brasil, evitamos a palavra empregado, preferindo “funcionário”, “colaborador”, “associado” e outras que evitem lembrar a situação de alguém mandando e alguém obedecendo. No serviço público, se faz referência a “ordens” sob o nome de “pedidos”: “O Dr. Fulano pediu para eu para fazer tal coisa”, quando, na verdade, o Dr. Fulano tinha mandado o Beltrano fazer tal coisa. Em Portugal, a palavra “moço” é pejorativa. É que um dos sentidos da palavra “moço”, no Dicionário Aurélio, é “criado, serviçal.” Como para nós, brasileiros, a palavra "moço" é neutra, passamos por algumas situações embaraçosas entre os lusitanos quando, por força do hábito, chamamos - lá em Portugal - alguém, usando a palavra "moço".
Mas temos raízes históricas para tais hábitos. No século XVIII havia trabalhos considerados vis. Uma menção a alguns destes trabalhos está nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707. Cavar, roçar e cortar cana, por exemplo, estavam entre os trabalhos “baixos” ou “vis” (parágrafo 478). Mas havia também trabalhos que eram considerados “tão perigosos, que dificultosamente se podem exercitar sem pecado”, como era o caso de “todo gênero de trato, mercância e negociação”, incluídas aí as profissões de tratante, rendeiro e mercador (parágrafo 482).
Atualmente, nossa Constituição adota o princípio da valorização do trabalho humano (artigo 170). Mas esta valorização do trabalho deve andar junto com o princípio da igualdade (art. 5º), de modo que não haja trabalhos considerados superiores ou inferiores. Todo trabalho honesto deve ser considerado digno de respeito e consideração. Não se pode, portanto, ter uma hierarquia social do trabalho, como se houvesse pessoas que fossem socialmente superiores e outras inferiores, por causa do trabalho que exercem.
Não pode haver trabalho honesto que seja motivo de vergonha, ou motivo de humilhação. Ninguém tem o direito de tratar o outro arrogantemente porque, num dado momento este outro está servindo (arrogante é quem não roga, não pede). O que é servido, o é por uma circunstância momentânea, que não lhe dá o direito de aviltar quem serve. Esta é a idéia de dignidade do trabalho, vivenciada num regime de igualdade social e política. E aqui se usa a palavra "vivenciada", pois a igualdade não pode se resumir um desejo, um princípio, mas deve ser uma maneira de ser, de se comportar em relação ao todo social.
Vivemos numa sociedade em que a maioria das pessoas acha que é tratada desigualmente perante a lei (em pesquisa que realizei em Itajaí, em 1986, 90% das pessoas pensavam assim). Mas não é só perante a lei que as pessoas são tratadas com desigualdade: elas tratam os outros com desigualdade, praticando a filosofia do ciclista, pois pisam em quem está embaixo e se curvam para quem está em cima.
Relatos que ouvi de pessoas que se disseram maltratadas no exterior, vieram daqueles que, aqui, tratavam mal os que os serviam profissionalmente. Certamente trataram com rispidez e arrogância vendedores, garçons, guias turísticos e outros prestadores de serviço, como se estes fossem seus escravos. Levaram o troco. Muito provavelmente nunca (nem aqui, nem lá) praticaram a igualdade.
Viver a igualdade no trabalho é entender que, aquele que me serve, é igual a mim e que eu, em alguma outra ocasião, poderei estar a servi-lo. Ninguém fica menor por servir, nem maior por ser servido.