Vi o filme Avatar. Não sei até que ponto é revolucionário ou inovador. Há efeitos esplêndidos e a trama é muito interessante. Mas, salvo no que toca aos efeitos especiais, toda a trama é uma colcha de retalhos, onde são revividos mitos e histórias de longa data.
Comecemos pelo nome do filme. Fui Uirak quem me falou pela primeira vez a palavra "Avatar", há cerca de 3 ou 4 anos. Para saber quem é Uirak, veja aqui. Em seu livro, Uirak fala em 2 Avatares, entre outros: Jesus e Buda. Não sei se há Avatares geográficos, mas Uirak me falou de pontos no terra que são chakras planetários (Vórtice Aurora, em Termas de Dayman, no Uruguai; Vórtice Erks, em Córdoba, Argentina;Vórtice Isidris, em Mendoza, Argentina, ficando o maior vórtice do mundo, o Chakra Cardíaco do Planeta, no Brasil - Serra da Canastra, Minas Gerais). Como não entendo do assunto, limito-me a transcrever.
Evandro Cesar define Avatar como um termo vindo do hinduísmo e que quer dizer encarnação. Para saber mais sobre o significado de avatar, clique aqui.
Então já temos no nome do filme uma alusão a fenômeno místico do hinduismo.
O enredo do filme, que se passa no planeta Pandora (outro mito antigo - a Caixa de Pandora) pode ser resumido em uma tentativa de conquista de riqueza que estava em poder de um povo selvagem (os Na'vi), com estrutura física diferente da nossa. Os inimigos, membros de nossa civilização, no futuro (dos quais assume destaque Jake Sully, fuzileiro naval) e que têm a nossa estrutura física, encarnam clones de Na'vis (cuja estatura é o dobro da nossa), para conhecer os hábitos deste povo e conquistá-lo (ou seja, Jake e seus pares que se encarnam nos clones, são os avatares).
Mas o avatar de Jake conhece Neytiri, uma Na'vi que vai treiná-lo nos hábitos de seu povo e ambos se apaixonam (ou seja, uma versão ultra moderna e futurista de Pocahontas ou do nosso Caramuru).
A trama de fundo é a conquista de uma terra selvagem por um povo civilizado, ou seja, uma visão futurista da conquista das Américas pelos europeus. E aí aparecem os selvagens, vivendo numa terra paradisíaca, em perfeita harmonia com a natureza. A descrição do território dos Na'vi pode ser a mesma que, por volta do ano de 1580, o filósofo francês MONTAIGNE (Ensaios, Cap. XXXI - Dos canibais, trad. Sérgio Milliet, 3 ed, SP, Abril, 1984-Os pensadores, p. 102) faz do lugar, no Novo Mundo, em que tomou pé Villegaigon, chamado "França Antártica", ou seja, o atual Rio de Janeiro:
A região que estes povos habitam é de resto muito agradável. O clima é temperado a ponto de, segundo minhas testemunhas, raramente se encontrar um enfermo. Afirmaram mesmo nunca terem visto algum epiléptico, remeloso, desdentado ou curvado pela idade. A região estende-se à beira-mar e é limitada do lado da terra por platôs e altas montanhas, a cerca de cem léguas, o que representa a profundidade de seus territórios. Têm peixe e carne em abundância, e de excelente qualidade, contentando-se em grelhar para os comer.
Sobre o mito do bom selvagem, desenvolvido por Montaigne e Rousseau, a partir do índio brasileiro, melhor ler o que Maria Suzana Marc Amoretti escreveu (ver aqui).
Na verdade, o filme Avatar compõe-se de várias histórias recontadas, mas de uma forma muito bem feita e com tecnologia efetivamente inovadora. Como no Titanic, Avatar retoma episódios da história e a isto soma mitos velhos conhecidos, apresentando-se de forma rica e interessante.
No filme Avatar, ainda há,por trás da trama, o apelo ecológico, tema que desperta desde reações razoáveis, até fanáticas (que só aceitam discutir aquilo que não contraria seus dogmas).
E, como na descrição de Montaigne, não há Na'vis doentes, remelentos ou enfermos. Chega-se ao ponto de serem todos magros (o padrão de saúde e beleza de nosso tempo). E pudicos, pois andam nus, mas não mostram "suas vergonhas".
Entre os índios, mais tarde se descobriu porque não se viam enfermos. Orlando Villas BÔAS (A arte dos pajés: impressões sobre o universo espiritual do índio xinguano. São Paulo, Editora Globo, 2000, pp. 27, 30, 31, 33 e 79) observou que, entre os índios do Xingu, caso nasçam filhos gêmeos, geralmente são mortos, pois, se um representa o bem e o outro, o mal, como saber distingui-los? Este costume ainda persiste, tanto que foi noticiado em edição recente da Revista ISTOÉ (Edição nº 1998, 20/02/2008, páginas 40 e 41):
Amalé tem quatro anos. (...) Índio da etnia kamaiurá, de Mato Grosso, Amalé (...) é, na verdade, um sobrevivente de sua própria história. Logo que nasceu, às 7 horas de 21 de novembro de 2003, ele foi enterrado vivo pela mãe, Kanui. Seguia-se, assim, um ritual determinado pelo código cultural dos kamaiurás, que manda enterrar vivo aqueles que são gerados por mães solteiras. (...)
"Antes de desenterrar o Amalé, eu já tinha ouvido os gritos de três crianças debaixo da terra”, relata Kamiru, hoje com 36 anos. “Tentei desenterrar todos eles, mas Amalé foi o único que não gritou e que escapou com vida”, relata. (...) Pesquisadores já detectaram a prática do infanticídio (sic) em pelo menos 13 etnias, como os ianomâmis, os tapirapés e os madihas. Só os ianomâmis, em 2004, mataram 98 crianças. Os kamaiurás, a tribo de Amalé e Kamiru, matam entre 20 e 30 por ano.
Os motivos para o infanticídio (sic) variam de tribo para tribo, assim como variam os métodos usados para matar os pequenos. Além dos filhos de mães solteiras, também são condenados à morte os recém-nascidos portadores de deficiências físicas ou mentais. Gêmeos também podem ser sacrificados. Algumas etnias acreditam que um representa o bem e o outro o mal e, assim, por não saber quem é quem, eliminam os dois. Outras crêem que só os bichos podem ter mais de um filho de uma só vez. Há motivos mais fúteis, como casos de índios que mataram os que nasceram com simples manchas na pele – essas crianças, segundo eles, podem trazer maldição à tribo. Os rituais de execução consistem em enterrar vivos, afogar ou enforcar os bebês. Geralmente é a própria mãe quem deve executar a criança, embora haja casos em que pode ser auxiliada pelo pajé.
(...)
Outra índia que ousou enfrentar a tradição foi Juraka, também kamaiurá, de uma aldeia próxima à de Amalé. Sua filha (...) nasceu com distrofia muscular progressiva, uma doença que a impossibilita de andar. A tribo descobriu o problema quando Sheila deveria estar dando os primeiros passos. A mãe fugiu antes de ser obrigada a aplicar a tradição. (...) Sheila deverá passar a vida numa cadeira de rodas.
(...) Edson Suzuki, diretor da ONG Atini, cria a garota Hakani, dos surwahás do Amazonas. Ela hoje tem 13 anos. A menina nasceu com dificuldades para caminhar. Os pais se recusaram a matá-la; preferiam o suicídio. O irmão mais velho, então com 15 anos, tentou abatê-la com golpes de facão no rosto, mas ela sobreviveu.(...)
Dos povos indígenas acima mencionados, os kamaiurá e os tapirapés pertencem ao grupo lingüístico macro-tupi e os ianomâmis pertencem a uma família lingüística menor, com uma história mais específica. Os madihas também são conhecidos como Kulina e pertencem ao grupo lingüístico arawá ou arawak (URBAN, Greg, A História da cultura brasileira segundo as línguas nativas. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. Em CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras:Secretaria Municipal de Cultura:FAPESP, 2ª edição/1ª reimpressão, 2002, p. 88. O mapa também se encontra nesta página 88, pp. 89, 90, 95 e 97 e TISS, Frank. Gramática da Língua Madiha (kulina) – mais detalhes, ver aqui).
O termo “infanticídio” foi usado,na matéria da revista IstoÉ, indevidamente, pois infanticídio é um crime específico, que só pode ser praticado pela mãe, em relação a seu filho e está previsto no Código Penal, art. 123: Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Matar um ser humano, qualquer que seja sua idade, é sempre homicídio (salvo no caso específico do art. 123 do CP, acima citado).
Os Na'vi, do filme Avatar, viveriam, como os bons selvagens míticos (de Montaigne ou rousseau), em clima de paz, ou seriam como nossos índios Tupinambás, para os quais, viver dentro das normas consideradas certas, era viver para matar e comer muitos inimigos(FAUSTO, Carlos. Fragmentos de História e Cultura Tupinambá Da etnologia como instrumento crítico de conhecimento etno-histórico. In CUNHA, Manuela Carneiro da (org.) HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 2ª edição, 2002., p. 387)?
O filme de Cameron acaba com os Na'vis derrotando os invasores civilizados e tomando suas armas. Haverá um segundo filme? O que farão os Na'vis com as armas que obtiveram: vão destruí-las ou substituir por elas suas lanças, arcos e flechas?
Os Na'vis, ao que parece, são apenas maiores que nós, mas são humanos. Serão mais aparentados com os bonobos ou com os chimpanzés?
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