quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

De onde vieram nossas Constituições?

Qual a origem da primeira Constituição Brasileira, a de 1824? Direitos e deveres constantes desta Constituição se repetiram nas demais?
A comparação da Constituição Brasileira de 1824 com a Portuguesa de 1821 e a Espanhola de 1812 pode trazer interessantes revelações a respeito das influências ocorridas em nossa história constitucional (veja quadro aqui).
Um acontecimento que muito influenciou os fatos que geraram a Constituição Portuguesa de 1821, a volta do Rei D. João VI para Portugal, a independência do Brasil e a Constituição Brasileira de 1824, foi a Constituição Espanhola de Cádiz, de 1812. A Constituição Espanhola de 1812, conhecida por Constituição de Cádiz, resultou de convocação das cortes, inclusive com representantes das colônias espanholas na América. Esta convocação se deu em 1809. A Constituição foi jurada em 19 de março de 1812, com o nome de Constituição Política da Monarquia Espanhola. Sua aplicação foi instável, pois em 1814, ao regressar do desterro, Fernando VII a revogou e restabeleceu o absolutismo, reprimindo brutalmente os grupos e líderes liberais. Mas uma revolta, em 9 de março de 1820, obrigou Fernando VII a reconhecer esta Constituição de Cádiz (ver fonte aqui ). Os revoltosos espanhóis, diz SARAIVA (José Hermano. História de Portugal. Mem Martins, Editora Europa-América, 6ª edição, 2001, pp. 229, 230, 231 e 328), entram em contato com os portugueses e uma revolta começa na cidade do Porto.
Em 24 de agosto de 1820 se iniciou uma revolta na cidade do Porto, liderada por militares. Mesmo se tendo formado uma Junta Provisória do Governo Supremo do Reino, as proclamações lidas aos soldados na ocasião se mantinham leais a D. João VI e faziam referência à reunião de Cortes para a promulgação de uma Constituição. Conforme SARAIVA, “O vocábulo “cortes” desempenhou a função de gonzo entre dois batentes da consciência nacional: o dos que pretendiam resolver a crise sem mudar as estruturas e os que, por detrás da túnica da velha palavra, procuravam uma nova constituição”. Segundo LEAL(Aurelino, "História Constitucional do Brasil" ed. Fac-similar, Brasília, Senado Federal, 2002, p. 35), a história constitucional brasileira começaria nesta revolta de 1820. Pois bem, em 15 de setembro de 1820 a revolta começa a se manifestar em Lisboa e, entre as aclamações do povo, estava, segundo SARAIVA, “o Viva el-rei nosso senhor, a religião e as Cortes que hão-de formar uma constituição”. Diz ainda o próprio SARAIVA que “A “Constituição” começa então a desempenhar o seu papel mítico, e dela se confiava a solução de todos os problemas e carências que afligiam a população”. A 27 de setembro a revolta assumia o poder em Portugal. Mas este movimento não pretendia romper a orientação política tradicional e a Constituição pedida não era uma inovação subversiva, mas sim a “restituição das suas antigas e saudáveis instituições, corrigidas e aplicadas segundo as luzes do século e as circunstâncias políticas do mundo civilizado (SARAIVA, p. 346)”. Foi convocada e realizada uma Constituinte em Portugal, chamada de "reunião das Cortes". Das divergências com os representantes do Brasil se concretizou a nossa independência.
Em 03 de junho de 1822 foi convocada uma Assembléia Geral Constituinte e Legislativa somente para o Brasil (Decreto de 3.6.1822) e as instruções para esta Assembléia foram expedidas pela Decisão nº 57, de 19.6.1822. Estas instruções apontavam diversos requisitos para ser eleitor, dentre as quais a proibição de ter qualquer sombra de suspeita e inimizade à Causa do Brasil (artigo 6).
Eleita no ano de 1823, em 3 de maio do mesmo ano, a Assembléia Constituinte foi aberta, solenemente, pelo Imperador.
Compunham-na 15 padres, um nobre, 4 funcionários públicos, 24 bacharéis em direito, 4 bacharéis em outras ciências, 7 militares, 3 doutores, 1 matemático, 13 desembargadores e 1 médico.
Dois dias depois da abertura, ou seja, em 5 de maio, a Assembléia Constituinte nomeou uma comissão encarregada de redigir o projeto de constituição. Esta comissão foi composta por Antônio Carlos (relator), José Bonifácio, Pereira da Cunha, M. F. da Câmara de Bittencourt e Sá, Araújo Lima, José Ricardo e Moniz Tavares. Conforme MELLO (Francisco Ignácio Marcondes Homem de, Barão. "A constituinte perante a história". Rio da Janeiro, Typ. Da Actualidade, 1863, edição fac-similar do Senado Federal, Brasília, 1996, pp. 8-9), em 1º de setembro Antônio Carlos apresentou o projeto, que começou a ser discutido no dia 15 do mesmo mês. Em 24 de abril de 1840, conforme LEAL, Antônio Carlos assim se expressou sobre o projeto:
(Os membros da comissão) em pouco tempo, apresentaram os seus trabalhos, e eu tive a sem-cerimônia de dizer que não prestavam para nada: um copiou a Constituição Portuguesa, outros pedaços da Constituição Espanhola: à vista destes trabalhos, a nobre comissão teve a bondade de incumbir-me da redação da nova Constituição: e que fiz eu? Depois de estabelecer as bases fundamentais, fui reunir o que havia de melhor em todas as outras constituições, aproveitando e coordenando o que havia de mais aplicável ao nosso Estado; mas no curto prazo de 15 dias para um trabalho tão insano só pude fazer uma obra imperfeita.

Antônio Carlos, em 1840, afirmou que a Constituição de 1824 era cópia de seu projeto e que a Constituição de 1824 teve como fontes a Constituição francesa e a da Noruega, entre outras(cf. LEAL).

Mas, às onze horas da manhã do dia 12 de novembro de 1823 e, “a uma da tarde, a constituinte foi dissolvida à força armada” (cf. MELLO, pp. 15-16).

Dissolvida a Assembléia, o imperador desfilou pela cidade, acompanhado de um numeroso estado-maior. Em 13 de novembro também foi composto o Conselho de seis ministros e um desembargador do Paço para redigir o projeto da futura constituição. O projeto, feito em 15 dias, depois de pronto, foi apresentado a diversos províncias, já que, em 17 de dezembro de 1823, foi determinada a expedição de exemplares do projetos a todas as Câmaras das províncias e ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro. Em 20 de dezembro de 1823 o Senado da Câmara do Rio de Janeiro colocou dois livros à disposição do povo (do Rio de Janeiro) para neles lançar votos de repulsa ou adesão ao projeto de constituição. O projeto foi apresentado na Bahia (30 de janeiro de 1824), em Sergipe, um certo capitão Lourenço deu apoio em nome do Rio Grande do Sul, havendo ainda apoio ao projeto por parte das vilas de Barbacena, Sabará, São José do Rio dos Montes, São João d”El-Rei, São José do Príncipe, Ilha Grande, Mogi das Cruzes, São Bento do Tamanduá (mas pedia eleição da constituinte), Itu (que fez sugestões). Pernambuco opô-se ao projeto, sendo memorável o voto de Frei Caneca. Mas na Corte, concluiu-se, pelas representações das Câmaras do Império, que estas formavam a maioridade do povo brasileiro, pelo que, por decreto de 11 de março de 1824, foi marcado o dia 25 deste mês para juramento do projeto. No dia 25 o projeto foi jurado na Capela Imperial, por D. Pedro e a Imperatriz, pelo bispo, altos funcionários e dignitários; dia 26 o exército jurou a constituição e dia 31 a juraram os empregados públicos. Em 15 de maio foi determinado aos presidentes das províncias... que nas informações que lhes fossem exigidas declarassem impreterivelmente se as pessoas a que elas se referiram, além de terem a qualidade de adesão à causa do Brasil, juraram a Constituição do Império (LEAL, p. 93).

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA CONSTITUIÇÃO DE 1824

Se forem observadas em conjunto as Constituições Espanhola de 1812, Portuguesa de 1822, Projeto Brasileiro de 1823 e Brasileira de 1824, será possível notar que as quatro seguem um padrão, ou uma fórmula: conceituação dos nacionais e caracterização do território, opção pela religião católica como oficial, definição do governo (quem vota, quem exerce o poder legislativo, o executivo e o judiciário), opção pela monarquia constitucional, declaração de que o governo representa a nação, divisão do território e quem governa as respectivas divisões, definição do processo legislativo, disposições sobre o sustento da família imperial, regulamentação da sucessão à Coroa, existência de Secretarias de Estado e de um Conselho de Estado, normatização da Tributação, instituição da Força Militar (segurança externa e interna), incumbências do Estado quanto à instrução pública e regras sobre a reforma da constituição. Os direitos individuais aparecem dispersos na Constituição Espanhola de 1812 e em partes específicas das Constituições Portuguesa e Brasileira, bem como no projeto brasileiro de 1823. Ou seja, delineia-se o Estado que se formou e as suas atribuições. Todas as quatro constituições criaram uma monarquia constitucional, mantendo no poder os monarcas que foram absolutos; todos as quatro constituições adotaram a religião católica como a oficial do Estado; todas as quatro tinham a figura dos Juízes dos fatos e dos juízes do direito: todas as quatro colocavam o ensino fundamental como atribuição do Estado e todas mencionavam ou o ensino das ciências ou o Universitário como direito da população.
A nação era a fonte da soberania e do poder (C. Espanhola, art. 3º; Portuguesa, art. 20; Projeto Brasileiro, art. 38; Constituição Imperial, art. 11). Esta disposição também constava Declaração de Direitos Francesa (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26/08/1789): “Artigo 3º. O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação...” Não era o povo, portanto, a fonte do poder, como hoje consta de nossa constituição. Nação, no Brasil e em Portugal, era definida como “A gente de um país ou região que tem língua, leis e governo à parte: a nação francesa, espanhola, portuguesa, gente de nação; isto é, descendente de judeus, cristãos novos. Raça, casta, espécie (Antônio de Moraes Silva, Dicionário da língua portuguesa, tomo segundo, Lisboa, Tipografia Lacerdina, 1813, p. 232., apud RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Os símbolos do poder: cerimônias e imagens do Estado monárquico no Brasil. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1995, p. 11). Assim, “gente de nação” também podiam ser, no Brasil, os índios: nação Tupi, nação Carijó, Guarani, Potigar, Viatã, Tupinambá, Caeté, Tupiniquim, Apigapigtanga, Muriapigtanga, Tamôios, Tapuia, Tucanuço, Goitacá, Tobajara, Petiguará(ver fonte aqui) etc; e também os africanos, conforme povos, territórios, rotas e portos envolvidos no tráfico de escravos: mina, cabinda, congo, angola (ou loanda), cassanje, benguela, gabão, angico, monjolo, moange, rebolo (libolo), cajenge, cabundá, quilimane, inhambane, mucena, mombaça etc(SOUZA, Marina de Mello e. Reis Negros No Brasil Escravista. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002, pp. 139 e 144); ou, ainda, os cristãos novos (judeus convertidos ao cristianismo) e outros. O sentido da palavra “nação”, na Constituição de 1824, é aqui extraído da seguinte expressão de ALENCAR: A verdadeira e pura democracia é o governo de todos por todos, da nação pela nação... Donde se conclui ser a Nação, na Constituição Brasileira de 1824, a totalidade dos habitantes do Brasil. Mas, como era restrito o direito de voto no Império, a Nação seria representada pelos eleitores ou “a Nação” seriam os eleitores. O tema requer mais pesquisas, mas usemos, por ora, este conceito operacional de Nação. A Nação, ao eleger os membros do Poder Legislativo, outorgava tais poderes de representação. A menção à outorga constava expressamente na Constituição Espanhola (art. 99) e na Portuguesa (art. 58). Para se ter uma idéia desta outorga, vejamos o respectivo artigo da Constituição Portuguesa:

Art. 58
No auto da eleição se declarará que os cidadãos, que formam aquela assembléia, outorgam aos Deputados que saírem eleitos na Junta da cabeça da divisão eleitoral, e todos e a cada um, amplos poderes para que, reunidos em Cortes com os das outras divisões de toda a Monarquia Portuguesa, possam, como representantes da Nação, fazer tudo o que for conducente ao bem geral dela, e cumprir suas funções na conformidade, e dentro dos limites que a Constituição prescreve, sem que possam derrogar nem alterar nenhum de seus artigos; e que os outorgantes se obrigarão a cumprir, e ter por válido tudo o que os ditos Deputados assim fizerem, em conformidade da mesma Constituição.

Apesar de não fazer menção expressa a tal outorga de poderes, tanto o Projeto Brasileiro de 1823, quanto a Constituição de 1824 mencionavam a verificação de poderes:
Projeto de 1823:
Art. 51. Cada Sala (da Assembléia Geral) verificará os poderes de seus Membros, julgará as contestações que se suscitarem a esse respeito.

Constituição de 1824:
Art. 21. A nomeação dos respectivos Presidentes, Vice Presidentes, e Secretários das Câmaras, verificação dos poderes dos seus Membros, Juramento, e sua policia interior, se executará na forma dos seus Regimentos.

Todas as constituições mencionam a escravidão, ainda que a brasileira aparentasse ser lacônica a respeito, pois a única referência se dava pela menção, por duas vezes, aos “libertos”: uma para dizer que são cidadãos brasileiros (art. 6º, I) e outra para dizer que não podiam votar para Deputados, Senadores e Membros dos Conselhos de Província (art. 94). Na legislação infraconstitucional se “constitucionalizava” a escravidão ao interpretá-la como decorrência do direito de propriedade .
Os quatro textos constitucionais (espanhol, português, projeto e constituição brasileiros) adotaram a separação dos poderes (legislativo, executivo e judiciário). A Constituição Brasileira de 1824 diferia apenas ao adicionar um quarto poder, o moderador. Este poder moderador – exercido pelo Imperador - foi inserido por influência de uma das obras do escritor e político francês Benjamin Constant (Esquisse de Constituition - ver fonte aqui), conforme noticia Aurelino LEAL: Depois de dividir os poderes constitucionais em “real, executivo, representativo e judiciário”, disse ele: Causará admiração que eu distinga o poder real do poder executivo. Essa distinção, sempre desconhecida, é importantíssima. Ela (aqui está a frase que passou para a Constituição Brasileira de 1824, “ela é, talvez, a chave de toda a organização política”.).
O poder legislativo era unicameral nas constituições portuguesa e espanhola e bicameral no projeto e na constituição brasileira. Nas duas primeiras era denominado “cortes” e, nos dois textos brasileiros, senado e câmara. Curiosamente Espanha e Portugal, além de manterem a monarquia, com o mesmo rei e dinastia da monarquia absoluta, também mantiveram a denominação dos representantes da nação quando reunidos, utilizada no antigo regime e desde a idade média: cortes. “Cortes”, já antes do constitucionalismo, pelo menos em Portugal, era o nome da reunião dos Procuradores dos Concelhos, ou seja, do que hoje, no Brasil, chamamos de “municípios”. Nos quatro textos constitucionais era declarada a inviolabilidade dos legisladores quanto a suas opiniões (Espanhola, art. 128; Portuguesa, art. 28; Projeto Brasileiro, art. 72; Constituição Brasileira, art. 26).
Os quatro textos consideravam propriedade pública os bens do Estado e não mais propriedade do Rei, como faziam, por exemplo, as Ordenações Filipinas . E todas as quatro constituições reconhecem a dívida pública:
Espanhola:
Art. 355. A dívida pública reconhecida será uma das primeiras atenções das Cortes e estas terão o maior cuidado para que se vá verificando sua progressiva extinção (…).

Portuguesa:
Artigos 35 e 236:
236 - A Constituição reconhece a dívida pública. As Cortes designarão os fundos necessários para o seu pagamento ao passo que ela se for liquidando. Estes fundos serão administrados separadamente de quaisquer outros rendimentos públicos.

Projeto Brasileiro:
Art. 226. A Constituição reconhece a dívida Pública, e designará fundos para seu pagamento.

Constituição Brasileira:
Art. 179(...):
XXIII. Também fica garantida a Divida Publica.

Nas quatro constituições era declarado o dever dos cidadãos de pagarem impostos (em linguagem da época: contribuir com as despesas do Estado). Exceto na constituição espanhola, em todas as outras três havia declaração de que a força militar era essencialmente obediente (Portuguesa, art. 172; Projeto Brasileiro, art. 249; Constituição Imperial, art. 147). Esta força militar era composta, em regra, pelo exército de fronteira, encarregado da defesa externa e por milícias, que cuidavam da defesa interna (Constituição Espanhola, artigos 356 e 362; Constituição Portuguesa, artigos 171 e 173; Projeto Brasileiro, artigos 227 a 239). A Constituição Imperial mencionava somente a Força Militar permanente de mar, e terra (art. 146), mas força interna foi criada em 18 de agosto de 1831, sob a denominação de “Guarda Nacional”. Esta Guarda Nacional tinha as seguintes finalidades:
Art. 1º. As Guardas Nacionais são criadas para defender a Constituição, a Liberdade, Independência e Integridade do Império; para manter a obediência às Leis, conservar, ou restabelecer a ordem e a tranqüilidade pública; e auxiliar o Exército na Linha de defesa das fronteiras e costas.
Toda a deliberação tomada pelas Guardas Nacionais acerca dos negócios públicos é um atentado contra a Liberdade e um delito contra a Constituição.
(...)
Art. 3º. As Guardas Nacionais serão organizadas em todo o Império por Municípios.

As finalidades da Guarda Nacional não eram a mesma da força pública prevista na Declaração de Direitos Francesa (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26/08/1789):
Artigo 12. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; por conseguinte, esta força fica instituída para o benefício de todos, e não para a utilidade particular daqueles a quem ela for confiada.
Ou seja, enquanto a Força Pública francesa tinha por fim a garantia dos direitos, a Guarda Nacional (expressão brasileira da força pública) foi criada para defender a Constituição (feita pelo Imperador) e a Liberdade (de uma parcela da população, já que havia escravos). Mas a Guarda Nacional também deveria defender valores que, se hoje ainda são fundamentais, tinham especial destaque para o Brasil, na época: a Independência e a Integridade do Império. Outra atribuição, como foi visto, era manter a obediência às Leis, leis que deveriam ser sempre feitas para atender à utilidade pública; mas – deve ser lembrado - a Constituição de 1824 não declarava que as leis eram a expressão da vontade geral. A Guarda Nacional conservava ou restabelecia a ordem e a tranqüilidade pública, atribuição dada à polícia nas Constituições de 1891 (art. 72, § 8), 1946 e 1967 (artigos 141, § 11 – 1946; e com referência explícita à Polícia Militar nos artigos 183 da Constituição de 1946 e 13, § 4º da de 1967 e EC 1/69), às Forças Armadas, nas Constituições de 1934, 1946, 1967, EC 1/69 e 1988 (manter a ordem e a lei – artigos 162, 177, 92, §1º, 91 e 142, respectivamente), à Polícia Federal, na Constituição de 1967 e EC 1/69 (ordem política e social – art. 8º, VII, “c” - 67 e VIII, “c” - 69). E a Constituição de 1988, no art. 144, atribuiu o exercício da segurança pública, com a finalidade de preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio a diversas polícias: federal (com a incumbência, dentre outras, de apurar infrações contra a ordem política e social), rodoviária federal, ferroviária federal, civil e militar (esta com a incumbência de preservar a ordem pública). Se houve sempre preocupação com a manutenção da ordem pública, é na Constituição de 1988 que surge outra preocupação: manter a ordem jurídica e disso será encarregado o Ministério Público.
O poder executivo era exercido pelo Rei ou Imperador nos quatro textos constitucionais e a pessoa do Rei ou Imperador era inviolável, sagrada (menos na Constituição Espanhola) e não sujeita a responsabilidade (Espanhola, artigos 16 e 168; Portuguesa, artigos 23 e 31; projeto Brasileiro, artigos 138, 139, 175 e 177; Constituição Brasileira, art.102 e 99). As constituições espanhola e portuguesa e o projeto brasileiro vedavam ao legislativo deliberar na presença do Rei ou Imperador (espanhola, art. 124; portuguesa, art. 26; projeto brasileiro, art. 65). Já a Constituição Brasileira de 1824 não tinha vedação expressa à presença do Imperador nas sessões do legislativo, mas havia um dispositivo que disciplinava a presença de membros do executivo em tais sessões :
Art. 54. Os Ministros podem assistir, e discutir a Proposta, depois do relatório da Comissão; mas não poderão votar, nem estarão presentes á votação, salvo se forem Senadores, ou Deputados.

Nas quatro constituições havia, no Poder Judiciário, juízes do fato (ou que se pronunciam sobre o fato) e juízes de direito (const. Port., artigos 177 e 178; proj. bras., art. 189, const. bras., art. 152). A Constituição Espanhola apenas abria a possibilidade de ser feita esta distinção no futuro (art. 307). Ao poder judiciário era atribuída a função de aplicar as leis na constituição espanhola (art. 242), no projeto brasileiro (art. 189) e na Constituição Brasileira (at.152). Na Constituição Portuguesa era atribuída ao Judiciário a função de “julgar”, que, por mais óbvia que pareça, difere da nomenclatura usada nas demais. E vai ser nas Constituições Portuguesa e Brasileira que se denominará, originalmente, o cargo de Juiz de Direito:
Constituição Portuguesa:
Art. 177 - Haverá Juízes de Fato assim nas causas crimes como nas cíveis, nos casos e pelo modo, que os códigos determinarem.
Os delitos de abuso da liberdade de imprensa pertencerão desde já ao conhecimento destes Juízes.
(...)
Art. 179 - Haverá em cada um dos distritos, que designar a lei da divisão do território, um Juiz letrado de primeira instância, o qual julgará do direito nas causas em que houver Juízes de fato, e do fato e direito naquelas em que os não houver.
(...)

Projeto Brasileiro:
Art. 189. Os Jurados pronunciam sobre o fato e os Juízes aplicam a Lei.
Art. 190. Uma lei nomeará as diferentes espécies de Juízes de Direito, suas gradações, atribuições, obrigações e competência.

Constituição Brasileira:
Art. 152. Os Jurados pronunciam sobre o fato, e os Juizes aplicam a Lei.
Art. 153. Os Juizes de Direito serão perpétuos, o que todavia se não entende, que não possam ser mudados de uns para outros Lugares pelo tempo, e maneira, que a Lei determinar.

Não havia uniformidade entre os quatro textos constitucionais quanto às declarações de direitos, seja porque nem sempre eram colocados numa seqüência, seja porque havia alguma variação de um texto para outro. Difícil dizer qual dos quatro textos constitucionais era o mais completo, mas o único dos quatro que reunia num artigo (o 179) as declarações de direitos era o da Constituição Brasileira de 1824, técnica que foi seguida em todas as demais constituições brasileiras. A Constituição Espanhola colocava alguns direitos individuais (liberdade e propriedade) no início (art. 4º) e outros (proibição de tribunal de exceção e foro privilegiado, acesso ao judiciário, legalidade da prisão etc) na parte destinada ao Poder Judiciário (artigos 287 a 308). A Constituição Portuguesa listava alguns direitos nas Bases, ou seja, nos primeiros vinte artigos, que foram elaborados ainda quando D. João VI estava no Brasil e outros no restante do seu texto. Nas bases estavam o direito a liberdade (e o conceito de liberdade: A liberdade consiste na faculdade que compete a cada um de fazer tudo o que a lei não proíbe. A conservação desta liberdade depende da exata observância das leis - art. 2º), o direito à segurança (e seu conceito: A segurança pessoal consiste na proteção que o Governo deve dar a todos para poderem conservar os seus direitos pessoais. - art. 3º); o direito de propriedade (art. 7º), a declaração de igualdade entre todos (art. 11), a proibição das penas cruéis (art. 12) e outros direitos. O projeto brasileiro dedicava um capítulo (o segundo, do Título II) aos direitos individuais, compreendendo do art. 7º ao 28, mas havia declaração de direitos também na parte reservada ao Poder Judiciário (proibição de a pena passar do delinqüente, de penas cruéis (artigos 200 e 201) e nas disposições gerais (igualdade perante a lei e acessibilidade aos empregos públicos (artigos 260 a 264).

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