sábado, 31 de outubro de 2009

Censura




No mais das vezes em que são relatados fatos envolvendo a censura do regime militar, o cenário são as grandes cidades da época, onde se concentravam os artistas profissionais e a grande imprensa. Mas a censura adentrava capilarmente pelo país, atingindo cidades relativamente pequenas, como era o caso de Itajaí na década de 70.


Nosso grupo de teatro (FOLK) encenava e escrevia (ou adaptava) as peças que apresentava. Uma das que escrevemos foi "Apocalipse, o Julgamento Maior". Assim, além de escrever, montar e ensaiar as peças (tudo com a permissão dos nossos pais, pois éramos adolescentes), ainda havia que submetê-las à censura. E, para isso, os que eram maiores de 18 anos deviam assinar como autores, pois a censura não aceitava menores escritores.


De Itajaí a peça ia a Brasília. Mas entregávamos na Polícia Federal, que tinha uma Delegacia em Itajaí.


Na volta, vinham os cortes. Coisas que não entendíamos porque, eram cortadas, sem maiores explicações. Até porque o censor não precisava se explicar, pois nada era submetido ao Judiciário, nem a alguma instância administrativa recursal. Assim, por exemplo, foi cortada a frase "comprar a crédito e vender à vista é um grande golpe!" porque o censor não gostou. Ou porque achava que era uma ofensa ao capitalismo, num país em que um golpe de Estado fora dado sob a farsa do combate ao comunismo (ainda que nada justifique um golpe e nada justifique proibir uma filosofia ou uma teoria política).


Além de submeter o texto à censura, esta ainda devia presenciar ao ensaio, para cortar gestos ou cenas que, na visão do censor, não fossem aceitáveis (ver o certificado acima). Numa das cenas cortadas, o ator levantava a mão fechada. O gesto foi cortado pelos censores presentes ao ensaio. Só depois fomos saber que aquilo não podia porque era interpretado como o símbolo do socialismo. Foi a primeira e única vez na vida que vi censores em carne e osso.


Podia ocorrer que a censura proibisse uma peça toda. Vi casos desse tipo e já relatei na postagem Clavaria Flava. Mas houve um caso nacionalmente famoso, que foi a proibição da novela Roque Santeiro, depois regravada e reapresentada.


Enfim, escrita, montada, ensaiada e liberada pela censura, se encenava a peça.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

ENESC

O fato de eu ser Secretário do Grêmio me tornava - junto com os demais membros da diretoria - um representante dos alunos e candidato preferencial a participar de eventos fora do Colégio ou da cidade. Foi por esta razão que, em meados de 1972, fomos para Florianópolis participar do I Encontro de Estudantes Secundaristas Catarinenses. A grande discussão era a instituição do ensino profissionalizante no 2º grau. A entidade promotora do encontro era um certo CECUCA (Centro de Cultura Catarinense). Hospedei-me na casa de minha irmã e levei junto um colega do movimento estudantil (hoje penso no quão aborrecido para ela deve ter sido hospedar aqueles dois adolescentes).
Como todo encontro de estudantes, o evento se desenvolvia meio secretamente e num clima de apreensão. Além disso, havia temas proibidos e termos permitidos. Falar em temas proibidos podia significar problemas, aí incluído o sumiço do falante (e até do ouvinte). Pois bem, ao fim do encontro, Itajaí foi escolhida para sediar o II ENESC.
Em 1973, logo no início do ano, começamos os preparativos, elegendo a diretoria do encontro: Carlos Alberto (Beto) Rebelo ficou na presidência e eu na Secretaria Geral.
Ao lado das incumbências naturais deste tipo de evento (obter a lista dos colégios em todo o Estado de Santa Catarina, fazer cartazes, conseguir hospedagem, comida etc para os cerca de 200 participantes previstos), havia o problema adicional de lidar com a ditadura.
Qualquer encontro de estudantes era visto como um perigo em potencial para o sistema. Assim, Beto teve que ir várias vezes a Florianópolis obter a liberação da DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social) para o encontro. Todos os palestrantes tinham que ser liberados pela ditadura, depois de profundas "investigações" em suas vidas.
Um dia, 7h30min da manhã, eu estava entrando no Colégio, quando aparece um Delegado de Polícia. Disse-me para comparecer à Delegacia Regional de Polícia. Morto de medo, perguntei se podia ser às 10 horas da manhã, para que eu pudesse assistir às duas primeiras aulas. Ele concordou. Mas eu nem consegui prestar atenção à aula, imaginando-me já sob interrogatório na polícia ou levando um sumiço (e eu tinha só 16 anos).
Às dez horas estava na Delegacia, sentado numa poltrona, esperando ser atendido. Fui chamado pelo Delegado que me avisara (que, suponho hoje, devia ser sub-delegado) e por um outro, que sei que era o titular. Eles passaram a ler a lista de palestrantes, dizendo o que cada um fazia etc, certamente para me mostrar que tudo investigavam e de tudo sabiam (e se estava em Itajaí, uma cidade de médio porte, no interior de Santa Catarina, mas que, mesmo assim, despertava a preocupação do regime militar). Passaram a me alertar para, durante o Encontro, não criticar o governo, pois isso iria dar problema, não fazer isso, não fazer aquilo (não se sabia o que iriam fazer com a gente caso não fossem respeitadas as proibições).
Saí da Delegacia ainda assustado, mas ileso. Já era uma grande coisa!
Mandamos convites para 200 colégios secundaristas que havia no Estado de Santa Catarina. Calculávamos que viesse pelo menos um aluno de cada colégio e conseguimos que o Supermercado Vitória doasse um jantar para 200 pessoas.
No dia da abertura apareceram só 17 estudantes, todos dizendo que souberam do Encontro por meios informais e que seus colégios não haviam recebido os convites. Depois fomos sabendo que nenhuma escola das que endereçamos convite os havia recebido. Mas fui eu mesmo quem colocou os 200 convites no correio (todos, infelizmente, com um carimbo do Encontro, dizendo, portanto, do que tratava o conteúdo... )
Mesmo com os 17 participantes, começamos o encontro numa quinta-feira de manhã. Houve a primeira palestra. Logo em seguida Beto, o presidente, me procurou dizendo que havia recebido ordens para encerrar o encontro. O motivo era o que se dava para tudo vindo da ditadura: razões de segurança. Mas não se poderia dizer aos participantes que o encerramento se dava por ordem da DOPS, nem, pois, que era por motivos de segurança. E mais: quem deveria dar a notícia era eu. Como sempre, não se sabia o que iria acontecer conosco se desobedecêssemos as ordens.
Então, me postei na frente dos 17 participantes e disse que, como tinha pouca gente, não valia a pena continuar o encontro. Alguns me inquiriram com desconfiança sobre os reais motivos, mas eu insisti que era aquilo mesmo.
Dias depois o delegado que fora ao colégio me chamar, voltou a me procurar, pedindo que lhe remetesse a nome completo dos membros da diretoria do Encontro e dos respectivos pais, seus endereços e telefones. Era a face preguiçosa e ineficiente da ditadura que aparecia pela primeira vez para mim. Desta vez tomei coregem e desobedeci. O Delegado só não está esperando até hoje pelas informações, porque morreu.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

GESI 2











O GESI (Grêmio Estudantil Salesiano Itajaí) tinha uma atuação que extrapolava o âmbito do Colégio Salesiano Itajaí. Apesar de sua fundação datar de 1961, foi em 1968 que seu campo de ação se estendeu pela cidade de Itajaí/SC. Creio que isso se deveu, principalmente, ao espírito inovador e incentivador do Padre Heriberto José Schmidt. Mas, ou porque o Pe. Schmidt soube escolher os alunos para dirigir o grêmio, ou pelo talento daqueles alunos, o fato é que esta expansão foi comandada por Dagoberto Blease Jr (presidente do GESI em 1968), que teve em Renato Borba um destacado secretário. Na época eu tinha 10 ou 11 anos e Dagoberto e Renato deveriam ter 17 ou 18 anos. Se eu era uma criança, os dois eram meninos. Na minha visão, porém, eram homens feitos.




A grande realização de 1968 ou 1969 foi a FECOLI (Feira Colegial do Livro - fotos acima). Era realizada na Galeria Rio do Ouro e ganhava destaque na cidade durante a semana em que se realizava. Itajaí devia ter algo em torno de 60 mil habitantes, mas já era uma cidade, por causa da exportação de madeira. Deveria, entranto, estar entrando numa crise, pois o banco INCO, cuja matriz era na cidade, estava sendo vendido para o BRADESCO.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

GESI



O GESI (Grêmio Estudantil Salesiano Itajaí) foi um período marcante de meus tempos de política estudantil. Foi o primeiro grande sonho e a primeira grande frustração. Eu era secretário e almejava ser presidente. Era tradição que só se elegia quem fosse candidato pela situação. Por motivos que até hoje não conheço com certeza, não fui candidato pela situação. Uma das versões atribuiu o veto à candidatura pela situação a um pedido de meu pai ao diretor do Colégio, preocupado que estava com o forte "stress" (o termo não era conhecido na época) que a política estudantil me causava e que, talvez, tenha sido uma das causas de duas convulsões que tive por aqueles tempos. Mas não sei se este pedido ocorreu, pois meu pai - nos 4 anos que viveu após a eleição - nunca me confirmou.


Enfim, candidatei-me a presidente do Gesi pela oposição e perdi a eleição. Fiquei numa tristeza imensa. Tinha, então, 16 anos (corria o ano de 1973) e o fato me abalou e marcou muito.


Mas a política estudantil de então era realmente muito dura. De um lado, o regime militar via em qualquer estudante um risco para o governo. Hoje vejo que os governantes de então tinham muito medo.


Mesmo um grêmio estudantil numa cidade pequena como Itajaí, era objeto de atenções, perseguições e ameaças.


Ainda que as atividades ficassem em inofensivas comemorações (ver o programa/convite acima), a bisbilhotice oficial era grande e incomodativa.


Eventos artísticos eram trabalhosíssimos, pois, além da organização, havia o problema do regime militar e sua censura. Assim, realizar um Festival da Canção, por exemplo, implicava em submeter as letras das músicas à censura. Imagine-se o trabalho de mandar, via escaninhos da burocracia, letras de músicas feitas por estudantes, para Brasília, passando por Florinópolis. Numa época em que não havia nem fax, nem internet.


Daí porque mais fácil era realizar competições esportivas.


Não sei se hoje há estes grêmios ou se os estudantes secundaristas fazem e como fazem politica estudantil.


Mas - mesmo que com riscos - tenho saudades do GESI e da década de 70.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Suspensório


Uso suspensórios. É cômodo e confortável. Minha mãe dizia que há pessoas que veem a moda como lei. Creio que sim, pois suspensórios de abotoar (como os da foto acima) são mais funcionais e seguros que os de garrinha. Pouquíssima gente usa no Brasil (vejo muito em filmes), donde a moda de não usar suspensório parece ser lei.
Talvez por isso, já procurei suspensórios de abotoar de norte a sul do Brasil e só encontro os de garrinha. Já me prontifiquei, junto aos comerciantes que procuro, a garantir a compra do produto. Mas nada!

Durante algum tempo, o Correia me quebrou uns galhos e fabricou suspensórios de abotoar ou consertou uns antigos que eu tinha.

Pois bem, bastou eu chegar num aeroporto como o de Nova Iorque ou o de Lisboa, que nas próprias dependências do setor de passageiros achei uma loja que vendia suspensórios de abotoar. Na Espanha, encontrei os tais suspensórios na primeira loja do El Corte Inglês que entrei (Santiago de Compostela - que poderia ser Santo Iago também).

Quando vejo esta dificuldade de encontrar suspensórios no Brasil, lembro-me dos réus em ações penais decorrentes de não recolhimento de contribuição previdenciária retida dos empregados (art. 168-A do Código Penal). Eles alegam que não pagaram a contribuição por causa das dificuldades financeiras. Perguntados sobre a causa das dificuldades financeiras, dizem que foram mal nos negócios por causa da concorrência. Ou seja: sem condições de competir com os concorrentes, viram o negócio ir pro brejo e empurraram a conta para o contribuinte.

Talvez se tivessem atendido as expectativas dos clientes (caso dos suspensórios de abotoar), teriam feito frente à concorrência, mantido-se no negócio e pago as contribuições previdenciárias que já haviam descontado da remuneração de seus empregados.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Faixa de Segurança

A experiência tem me mostrado que caminhadas curam mau-olhado, arca caída, ziquizira, zipra, cobreiro, carne rasgada e nó nas tripas. E são um santo remédio para baixar a glicose e o colesterol.
Caminho desde os 32 anos. Mas vez por outra tiro férias de caminhadas.
Desde que, porém, no começo deste ano, as taxas de glicose e colesterol chegaram no alerta amarelo, suspendi as férias de caminhadas por tempo indeterminado. E caminho quase que diariamente.
E diariamente atravesso ruas, sempre pela faixa.
No trecho que uso em Blumenau (Praça dos Estudantes, Rótula da Proeb, ops, Vila Germânica) a faixa de pedestres, é vista como ornamento pelos motoristas. O costume não é só de Blumenau, conforme constatou a RBS. Mas se são raríssimos os motoristas que param pra gente atravessar, mais raros ainda são os guardas de trânsito no local.
Como existe a prisão especial no Brasil, existe também o tratamento especial aos bandidos do trânsito: espera-se que ajam segundo a consciência e não por medo da repressão. Já vi motoristas ameaçarem jogar o carro em cima de mim, depois de eu pedir - por gestos - respeito à faixa. Se me atropelassem, cometeriam crime doloso, ainda que por dolo eventual (no caso, lesões corporais ou homicídio). Mesmo quem passa de carro na faixa, em alta velocidade, além da infração de trânsito, se matar alguém ou causar lesões corporais - ainda que não queira o fato - comete crime com dolo eventual. Enfim, é um bandido do trânsito.
Campanhas, porém, resolvem, para essa gente, tanto quanto tentarmos conscientizar, por propaganda, os ladrões a não roubarem, os homicidas e não matarem, os estupradores a não estuprarem.
Penso que a solução é o bom e velho "panopticon" de Bentam: batidas eventuais dos guardas de trânsito, com parada e multa dos infratores. Um dia pode ter guardas, outro dia não. E processo criminal em cima de quem causar lesões corporais ou homicídios na faixa de pedestre. E divulgação do processo, para que sirva de prevenção ao crime.
Em tempo: estas batidas nem sempre são fáceis de organizar. Já tentei, com a Receita Federal do Brasil, dar umas incertas nas lojas, fazer compras e - quando não dessem a nota fiscal - dar o "teje preso". Mas, supondo que seja liberada a verba para fazer a compra fictícia, vem a discussão se o flagrante é ou não preparado, a conversa da preclusão administrativa etc e tal, que, noves fora, resulta em sonegador solto e Ministério Público visto como abusado...

domingo, 25 de outubro de 2009

Ladrão de Galinha

Ainda hoje se usa a expressão "ladrão de galinha" para descrever o pequeno ladrão, o ladrão de coisa pequena. E daí partir-se para a "denúncia" de injustiças: prende-se o ladrão de galinha, mas se solta o grande criminoso, que se apropria de fortunas.
Na verdade, nem sempre o ladrão de galinha é inofensivo. Escutei muitas vezes minha mãe contar sobre os estragos que os ladrões de galinha faziam na pacata cidade de Itajaí/SC, nos idos de 1932: de manhã cedo, os vizinhos contavam uns aos outros sobre as galinhas furtadas na noite. Numa destas noites, meu avô saiu de casa, em ceroulas, com uma espingarda na mão, dando tiros para cima, tentando espantar os larápios que estavam pondo o galinheiro em pânico. Dias depois, contava ainda minha mãe, sabia-se de alguém oferecendo galinhas, que transportava numa carroça cheia delas; ou então corria a notícia de um lauto almoço, para animado grupo de amigos, onde o prato principal eram galinhas em abundância.
Vê-se que o ladrão de galinha nem sempre é um pobre coitado que furta para sobreviver. A expressão "ladrão de galinha" passa a ser, portanto, um “topoi” - lugares em nome dos que se fala, como elementos calibradores dos processos argumentativos, de forma tal que se força a aceitação de determinadas teses conclusivas dos discursos, a partir de fórmulas integradoras e estereotipadas. Assim, tais fórmulas, vinculando conclusões às representações sociais culturalmente impostas, forçam, em um processo de identificação ideológica, o consenso sobre mensagens comunicadas (WARAT, Luis Alberto. O Direito e sua Linguagem. UFSC/CPGD, 1983, p. 07).
Percebe-se, portanto, que o ladrão de galinha pode se organizar, pode formar quadrilhas de ladrões de galinha e pode, portanto, se tornar um criminoso que movimente grandes quantias sob a fachada de um crime tido como exemplo de "pecadilho" inofensivo.