No mais das vezes em que são relatados fatos envolvendo a censura do regime militar, o cenário são as grandes cidades da época, onde se concentravam os artistas profissionais e a grande imprensa. Mas a censura adentrava capilarmente pelo país, atingindo cidades relativamente pequenas, como era o caso de Itajaí na década de 70.
Nosso grupo de teatro (FOLK) encenava e escrevia (ou adaptava) as peças que apresentava. Uma das que escrevemos foi "Apocalipse, o Julgamento Maior". Assim, além de escrever, montar e ensaiar as peças (tudo com a permissão dos nossos pais, pois éramos adolescentes), ainda havia que submetê-las à censura. E, para isso, os que eram maiores de 18 anos deviam assinar como autores, pois a censura não aceitava menores escritores.
De Itajaí a peça ia a Brasília. Mas entregávamos na Polícia Federal, que tinha uma Delegacia em Itajaí.
Na volta, vinham os cortes. Coisas que não entendíamos porque, eram cortadas, sem maiores explicações. Até porque o censor não precisava se explicar, pois nada era submetido ao Judiciário, nem a alguma instância administrativa recursal. Assim, por exemplo, foi cortada a frase "comprar a crédito e vender à vista é um grande golpe!" porque o censor não gostou. Ou porque achava que era uma ofensa ao capitalismo, num país em que um golpe de Estado fora dado sob a farsa do combate ao comunismo (ainda que nada justifique um golpe e nada justifique proibir uma filosofia ou uma teoria política).
Além de submeter o texto à censura, esta ainda devia presenciar ao ensaio, para cortar gestos ou cenas que, na visão do censor, não fossem aceitáveis (ver o certificado acima). Numa das cenas cortadas, o ator levantava a mão fechada. O gesto foi cortado pelos censores presentes ao ensaio. Só depois fomos saber que aquilo não podia porque era interpretado como o símbolo do socialismo. Foi a primeira e única vez na vida que vi censores em carne e osso.
Podia ocorrer que a censura proibisse uma peça toda. Vi casos desse tipo e já relatei na postagem Clavaria Flava. Mas houve um caso nacionalmente famoso, que foi a proibição da novela Roque Santeiro, depois regravada e reapresentada.
Enfim, escrita, montada, ensaiada e liberada pela censura, se encenava a peça.
Meu querido amigo Johnny, neste caso os censores comeram mosca. Assinei como coautor, porém só tinha 16 anos, meu aniversário é no dia 29/05, quando ainda iria completar 17.
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