quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Informalidade e Consenso

Se tem um a coisa que acho perigosa num servidor público é o gosto pela informalidade e pelo consenso. Ambos são um caminho para a autocracia ou, na melhor das hipóteses, para o domínio de um grupo articulado e para o abuso de poder.
Uma das consequências da informalidade é a impossibilidade de constestação jurídica a atos adminstrativos, por falta de prova.
Um dos sintomas da informalidade é substituir atas por memoriais. Ora, a ata é a forma tradicional e consagrada de registrar reuniões (a gravação de uma reunião em áudio ou áudio e vídeo ainda é mais honesta e mais formal do que a chamada memória). E por que não fazer ata é autoritário? Porque a memória não precisa ser aprovada por quem esteve na reunião e a consequência disso é que, quem fez a tal memória é que vai dizer o que aconteceu e o que não aconteceu na reunião. E, ao dizer o que aconteceu e o que não aconteceu, pode narrar só o que lhe é conveniente.
No atendimento ao público, a informalidade se revela na sua forma mais perversa. É muito mais fácil mandar embora alguém que foi procurar atendimento em uma repartição pública com qualquer desculpa, do que se tiver que entregar um documento com o motivo escrito para o não atendimento. Sempre dou às pessoas que me procuram uma prova escrita do que trataram comigo. E se a resposta é a impossibilidade do atendimento, as pessoas precisam ter isso por escrito, para contestarem ou porem em discussão a falta de atendimento.
Penso que se deve ver com muito cuidado o servidor público que aprecia a informalidade, ou seja, que não gosta de por as coisas no papel e não seguir regras que, pela repetição ao longo do tempo, acabaram por se consagrar. E nesta categoria de servidores públicos que devem respeitar a formalidade (caracterizada pela prática de documentar os atos realizados) incluo todos: agentes administrativos, agentes políticos, enfim, todos que trabalham na burocracia, seja em cargos eletivos, seja em cargos de carreira).
A formalização de atos, ou seja, a sua escrituração ou gravação em som ou som e imagem é a garantia da possilidade de contestação, de impugnação deste ato. Sem a prova de que o ato existiu, não há como discutí-lo, como derrubá-lo na justiça, ou perante a própria administração pública.
O consenso é outro perigo. Raramente se obtém consenso em determinadas coisas, principalmente se os interessados são pessoas do mundo jurídico (somos treinados, desde a Faculdade, a discutir tudo e quem não sabe discutir tudo não tem muita vocação para a vida jurídica). O tal do consenso, porém, geralmente é obtido pela imposição do ponto de vista de um grupo articulado, que se mistura com a assembléia e cria a sensação de consenso. Não é da nossa natureza o consenso, mas sim a obediência de muitos e o mando de alguns. Não sei em quantos seres vivos, além de nós humanos, não é natural o consenso, mas já fui convencido, por DE WALL e WRANGHAM & PETERSON, que, entre chimpanzés não é natural. E, entre os bonobos, só à custa de muito sexo se obtém consenso.
Conheço casos em que o grupo que está dominando a situação decide o que é de ser feito, depois membros do grupo vão disseminando a idéia, até que e os que vivem para aclamar (estão fora do grupo dominante e nada decidem), acreditam que ocorreu o consenso e vão atrás daquilo que o grupo articulado quer.
Mesmo no grupo articulado, há os que decidem e os que são meros sabujos: em troca de alguma vantagem, ou mesmo para poder gravitar em torno de quem manda, acabam por aderir aos líderes e disseminar os comandos do grupo.
A solução é o voto. O consenso pode ocorrer, mas puro, representando a vontade do todo, é raro e precisa ser constatado com muita honestidade e sem assembleismos. E o voto não revela a opinião da totalidade, mas a opinião da maioria. Afinal, na democracia não é o todo que governa, mas sim a maioria.

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