Volta e meia sai uma matéria jornalística lamentando que o debate sobre o pré-sal (ou outros debates de igual magnitude) seja contaminado pelas eleições. Muito provavelmente este pensamento parte do pressuposto que os debates políticos deveriam ser feitos fora do período eleitoral, ou seja, fora do olhar direto do eleitor e dando-lhe poucas chances de reação imediata. Na verdade é uma visão política de mundo que pressupõe no detentor de cargo eletivo alguém que não possa direcionar suas ações de modo a traduzi-las em voto, em apoio popular. É a mesma visão do que deseja um empresário que trabalhe sem pensar no lucro.
Ocorre que detentor de cargo eletivo que não aja pensando no voto, não se elege na eleição seguinte; e empresário que não pensa no lucro, vai à falência (e causa desemprego). O voto é a maneira (a única maneira) do povo (só é povo quem é eleitor) manifestar sua satisfação ou insatisfação com o modo de se administrar o Estado ou de se legislar e fiscalizar o Executivo. Exigir de um Prefeito, de um Governador ou de um Presidente da República que administrem o Estado sem pensar no voto é visão autoritária e incompatível com a democracia. Do mesmo modo que é incompatível com a democracia condenar Senadores, Deputados (Federais e Estaduais) e Vereadores que legislem ou fiscalizem o executivo com a finalidade de conquistar votos na eleição seguinte.
Em nós, brasileiros, o comportamento que exige do político atitudes de renunciador (termo com que Roberto DAMATTA definiu heróis do tipo Antônio Conselheiro, no livro Carnavais, Malandros e Heróis), é chamado de sebastianismo. O sebastianismo é a crença de que, em algum dia, voltará do mar o Rei Português Dom Sebastião (morto ou desaparecido em 4 de agosto de 1578, na batalha de Alcácer Quibir, praça forte que ficava no Norte da África) e governará seu povo com sabedoria, conduzindo-o à eterna prosperidade.
Desejar que grandes debates politicos sejam feitos fora dos períodos eleitorais ou sem influência do eleitor ou do voto; ou, ainda, sem que o eleitor tome conhecimento e se manifeste, é postura autoritária. Ou sebastiânica (que não deixa de ser uma postura autoritária, só que na forma de monarquia absoluta). Talvez este medo que alguns ainda tem dos eleitores, seja produto de uma mentalidade elitista, da qual o romancista José de Alencar foi arauto no século XIX: ...o lavrador, o operário, o homem do povo tinha o horizonte acanhado; seu espírito não se eleva além das mesquinhas dissidências locais. Estas classes são pois tão inábeis para escolher um representante da nação, um legislador, como para decidir uma questão doutrinária. (...) O habitante do sertão, ou mesmo o operário da grande cidade, é tão incapaz de escolher entre o Sr. Itaboraí e o Sr. Olinda seu representante, como é para se decidir por esta ou aquela idéia política. Para ALENCAR, era da classe média que deveria sair o eleitorado, pois esta exprime o maior grau de moralidade; nos extremos o vício domina geralmente. [ALENCAR, José de. Systema Representativo. Brasília, Senado Federal, 1997 (edição fac-similar da obra editada no Rio de Janeiro, por B.L. Garnier, em 1868), pp. 103, 104 e 110]. A bem da verdade, há trechos assim, descabidos, na obra, mas há coisas muito interessantes que merecem ser lidas e que não estão nos romances de Alencar (O Guarani, As Minas de Prata, por exemplo, entre outros).
O debate sobre questões de Estado pode e deve ser feito o tempo todo, mas preferencialmente perto das eleições, pois o eleitor não deve ser tratado como trouxa, nem como incapaz de decidir o que é melhor ou pior para o Estado. Nem a elite econômica, nem a elite cultural (a nobreza de palpite e a nobreza doutoral, para usar os termos de LIMA BARRETO) podem decidir em nome do eleitor.
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