terça-feira, 6 de outubro de 2009

Direito de Propriedade e Ação Judicial



Um gransnado chamou minha atenção. Olhei e vi um quero-quero dando vôos rasantes em direção a uma garça. Cada vez que o quero-quero vinha em direção à garça, esta se abaixava e grasnava. Ao se abaixar, desviava do quero-quero. Era uma garça pequena, do mesmo tamanho que o quero-quero. Acho que os dois ficariam neste "ataca-desvia" indefinidamente se não ocorresse um fato novo. Tudo indicava que ali onde estava a garça havia comida, ninho, enfim alguma coisa de que o quero-quero se achava dono.
Não demorou muito e apareceu um ou uma outra quero-quero e ambos marcharam em direção à garça. Em inferioridade numérica, a garça saiu voando e os dois quero-queros também alçaram vôo em perseguição a ela. O quero-quero mais encarniçado prolongou a perseguição, até que a garça voou para mais longe e o quero-quero percebeu que ela abrira mão do território em que se aboletara. Só então parou a perseguição.
Não sei como a coisa acabaria se não aparecesse outro quero-quero para ajudar a enxotar a garça.
O que o quero-quero nº 1 fez foi utilizar o que se chama, em direito, de "desforço incontinente", que, para os humanos brasileiros, está previsto no artigo 1210 do Código Civil: § 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
Provavelmente os dois quero-queros iriam atacar a garça e tirá-la dali por bem ou por mal. Mas, no nosso caso, ou seja, quando um humano invade o terreno de outro humano, se o invasor não sair, mesmo que a gente tente enxotá-lo com nossa própria força, rapidinho, usando só os meios indispensáveis para que o intruso caia fora, teremos que entrar com uma ação na Justiça.
Seria uma ação de manutenção ou de reintegração de posse se o pretendente ao terreno fosse só posseiro; mas se quem quisesse ter de volta um terreno invadido fosse seu dono (com escritura passada em tabelionato e registrada no registro de imóveis), teria que dar um outro nome à ação judicial: seria uma ação de reivindicação.
Enfim, nossa diferença para o quero-quero é que ele vai ter que lutar sozinho ou com alguns companheiros para ter de volta o pedacinho de terra que acha que é seu. Vai depender da solidariedade de seus companheiros. E nós, como fomos muito espertos e criamos o Estado, teremos o direito de obter uma ordem de um Juiz deste Estado que expulse os invasores. Ou seja, se a gente não conseguir tirar imediatamente o invasor de nosso terreno, só o Estado poderá tirá-lo à força e, se houver resitência, prendê-lo em flagrante.
No dia seguinte fui tirar as fotos acima, com meu celular. As fotos não ficaram muito boas, reconheço. Mas impressionou-me a valentia e a solidariedade dos quero-queros. Aproximei-me de um que estava sozinho, ele começou a gritar e logo veio outro em seu auxílio (numa das fotos acima há um quero-quero voando e outro parado) e ficaram os dois me enfrentando; mais adiante, tentei fotografar outro quero-quero e a mesma coisa: logo chegou mais um pássaro para me enfrentar, em conjunto com o outro.
Em compensação, não vi garças. Só quero-queros. Ou seja, o quero-quero é um bicho arrojado, valente e mantém seu território e as redondezas só para si.


Um comentário:

  1. Já fui atacado. Normalmente fazem isso em defesa do ninho. Basta sair de perto do território e eles se aquietam. Vai ver eles sabem quanto tempo dura uma ação judicial. :-)

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