quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Uma História Legal das Férias

A idéia de férias como período de descanso do trabalho, destinado a todas as pessoas, parece que só surgiu no Brasil no Século XX. Até então e especialmente na época da Colônia, quando vigoravam as Ordenações Filipinas, havia, legalmente, três tipos de férias (Livro 3, Título XVIII): as do primeiro tipo, tido como mais importante, era para louvor e honra de Deus e dos Santos (Domingos, festas e dias que a Igreja mandava guardar); as do segundo tipo eram as ordenadas pelo Rei e as do terceiro tipo eram as destinadas à colheita do pão e do vinho. As férias deste terceiro tipo eram outorgadas por prol comum do povo e duravam de dois meses. Os meses em que ocorreriam as férias podiam ser escolhidos pelos juízes, segundo a disposição e necessidade das terras, repartindo os tempos conforme as estações. Cândido Mendes de ALMEIDA (Comentários às Ordenações Filipinas) acha que estas férias nunca foram usadas no Brasil (pelo menos até 1873).
As férias eram destinadas tão somente à suspensão das atividades judiciais, para que pudesse haver um tempo em que as pessoas tivessem certeza de que não seriam importunadas por processos judiciais, audiências e defesas. Este tempo era destinado, em regra, a comemorações religiosas e respectivas atividades, ou para a inadiável colheita. Disto se tem notícia desde a primeira legislação surgida na Península Ibérica, o Fuero Juzgo (Código Visigótico, vigente na Península Ibérica do ano 500 até o ano 1200, aproximadamente).
O Livro II, Título I, item X do Fuero Juzgo dizia que nenhum homem podia ser chamado em Juízo no domingo e os processos deviam ser suspensos neste dia. Também não poderia haver processos em andamento nos quinze dias que antecediam a Páscoa e nos quinze que a sucediam; também deviam ser guardados o dia do Nascimento de nosso Senhor, o dia da Circuncisão, o dia da Aparição, o dia da Ascensão e a cinquesma (= o dia de Pentecostes); quinze dias em agosto e quinze em setembro; e, para as vindimas, quinze dias em setembro e quinze em outubro. Em todos estes dias de férias e feriados, nenhuma pena podia ser executada e, quem estivesse condenado, ficaria preso até que voltassem os dias normais, para a execução da pena. Note-se que, naqueles tempos, não havia pena de prisão: só havia açoite, morte, degredo, tormento e coisas do gênero. Assim, se alguém fosse condenado à morte, não seria morto nestes dias de férias, só o sendo nos dias comuns. No Fuero Juzgo, aquele que não obedecesse a lei das férias, seria punido com 50 açoites.
Ainda segundo Cândido Mendes de ALMEIDA (Comentários às Ordenações Filipinas), “férias"são os tempos de vacações em que, diz Pereira e Sousa, cessa o exercício dos Tribunais e Auditórios. Vem do Latim "feria".
Chamavam-se "férias" os dias da semana, do verbo (latino) "ferior", "feraris", que significa guardar festas, ou conforme outros a "ferendis hostiis", porque antigamente se traziam holocaustos e vítimas aos templos em dias festivos.
Também chamavam os antigos "férias" aos dias nefastos, porque era de mau agouro proferir alguma sentença, ou dar execução a lei. Nesses dias o Pretor não podia usar das três célebres palavras ("tria verba") e nem proferi-las ("Do, Dico, Addico").” O significado destas palavras, segundo o Free Dictionary, é: “Do", eu faço a ação; "Dico", eu declaro o direito, eu promulgo o edital e "Addico", eu invisto o juiz com o direito de julgar.
Ainda conforme ALMEIDA, foi o Papa Silvestre que chamou "feria" os nomes dos dias da semana, denominando o Domingo "primeira feria" etc, mudando assim entre os Cristãos as antigas denominações desses dias.” Espanhois, franceses, ingleses e os povos que adotaram suas línguas, por exemplo, permaneceram denominando os dias da semana com os nomes dos deuses pagãos (lunes, viernes e martes, no castelhano, por exemplo).
Diz ainda ALMEIDA que as disposições das Ordenações Filipinas foram alteradas, no Brasil, pelo Decreto nº 740 - de 28 de Novembro de 1850, que declarou quais os dias feriados nos diferentes Juízos e Tribunais do Império. As disposições deste Decreto foram alteradas pelo Decreto nº 1.285 - de 30 de Novembro de 1853, que dispôs assim sobre as férias, entre outras disposições:
Art. 1º. As férias do Natal começarão no dia vinte e um de dezembro até o último de janeiro; as da Semana Santa, de Quarta feira de Trevas até se completarem quinze dias, e as do Espírito Santo, desde o Domingo do Espírito Santo até o da Trindade.
Art. 2º. Serão também feriados nos Juízos de primeira e segunda Instância, e Supremo Tribunal de Justiça, os dias vinte e cinco de março, sete de Setembro, dois de novembro e dois de dezembro, assim como em cada Província os dias de festividade que forem aniversários da adesão da mesma Província à Independência Nacional.
Tanto no Fuero Juzgo, quando nas Ordenações Filipinas e na legislação do Império, as férias forenses não suspendiam os processos criminais.
O Decreto 848/1890, que instituiu a Justiça Federal no Brasil, apesar de não descrever quais eram os dias de férias, não só fazia referência a elas (artigos 381 e 382) como estipulava um recesso de natal (art. 383). Mas o art. 386 dizia que Constituirão legislação subsidiária em casos omissos as antigas leis do processo criminal, civil e comercial, não sendo contrárias às disposições e espírito do presente decreto. Provavelmente se referia ao Decreto 1.285, de 1853.
As férias como direito dos trabalhadores brasileiros, desvinculadas da religião, datam do ano de 1925 (Decreto do Poder Legislativo nº 4.982 de 24/12/1925). Mais tarde, este decreto passou a fazer parte da CLT.
O Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939) dizia o seguinte sobre as férias no Judiciário, sem mencionar motivos religiosos:
Art. 39. (...)
§ 1º As autoridades judiciárias e os serventuários da Justiça terão direito, respectivamente, a sessenta (60) e trinta (30) dias consecutivos de férias por ano, que poderão ser gozados na forma estabelecida nas leis de organização judiciária.
Com a revogação do CPC de 1939, pelo de 1973, as férias de 60 dias ficaram mantidas pelas leis das respectivas magistraturas, de modo que os Juízes Federais, por exemplo, tiveram o direito garantido de 73 a 79 pelo art. 51, da Lei nº 5.010/66. A partir de 1979, o direito aos 60 dias ficou garantido no art. 66 da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LC 35/1979).
O direito a 60 dias de férias dos membros do Ministério Público da União está no art. 220 da LC 75/93.
O recesso de Natal, constante do art. 62 da Lei 5.010/66 (e hoje adotado também pela Justiça dos Estados), ainda existe, mas ficou menor do que aquele previsto em 1853, mas ocorre quase durante o mesmo período do Decreto de 1890.
Como se percebe, por muito tempo, os grandes períodos de inatividade do trabalho se destinaram a atividades religiosas e o nome "férias" se desvinculou totalmente da religião, no Brasil, a partir do Século XX. É claro que isto aconteceu também porque, até o fim do Século XIX, o trabalho, por aqui, era feito por escravos.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Pequena Viagem a Pé

Caminhar por praias desertas no litoral de Santa Catarina era coisa comum ainda na década de 70. Ainda no começo dos anos 80 estas praias continuariam desertas, mas a partir do final da década e mais ainda a partir de 1990, mais e mais gente foi erguendo casas e edifícios nestas praias. Talvez as maiores expansões imobiliárias tenham ocorrido no triângulo que concentra a maior quantidade de pessoas e as cidades de maior PIB do Estado. Os vértices deste triângulo ficam em Joinville, Blumenau e Florianópolis. E quase no meio do lado deste triângulo que fica no litoral, está Balneário Camboriú. Mas na década de 70 ainda havia muitas terras a serem ocupadas. Daí porque uma caminhada a pé, de Balneário Camboriú a Itajaí, era um passeio com forte sabor de aventura. E quando se tem entre 15 e 20 anos, a imaginação do que resta de criança se soma à coragem e força do corpo que se torna adulto, e estes passeios com gosto de aventura ficam mais encantadores. E o encanto chega aos píncaros se o grupo de caminhantes é composto por moços e moças.
A ida de Itajaí até Balneário Camboriú era de ônibus. Saltava-se no frente do Hospital Santa Inês e se tomava a direção da praia pela rua que desemboca no Hotel Marambaia. Dali se ia até a barra norte. Era a barra do ribeirão Marambaia. Este ribeirão nasce perto da rua 2450 e vai se robustecendo na direção norte. Da rua 2450 até próximo à Alvim Bauer, serpenteia entre a Avenida Brasil e a Terceira Avenida. Então atravessa a Avenida Brasil e segue até o final norte da praia, por entre a Avenida Atlântica e a Avenida Brasil.
Até a década de 1960 havia uma lagoa onde hoje é a Praça Alimirante Tamandaré. Esta lagoa sumiu (com certeza foi aterrada), mas, enquanto existiu, alimentava o Ribeirão Marambaia. Este Ribeirão era muito limpo até começos de 1960 (vi suas águas transparentes no trecho que fica entre as ruas 1001 e 1101), mas foi ficando poluído (resultado de despejo de esgoto em suas águas, só estancado no ano 2000, por força de Ação Civil Pública), de modo que, na década de 70, a travessia de sua foz só podia ser feita por ponte, mesmo sendo rasa a profundidade.
Então, após passar pela frente do Hotel Marambaia, se atravessava o Ribeirão, quando era iniciada a caminhada rumo a Itajaí. Ou pelo menos o trecho mais interessante. Cruzado o ribeirão, ia-se ia caminhando por cima das pedras, depois por uma prainha, até que se tomava uma picada pelo mato, que subia o morro e desembocava na praia da Preguiça, também conhecida como Praia do Coco. Era o primeiro cenário deslumbrante, a vista daquela praia, de cima do morro: de um lado a praia deserta, de outro Balneário Camboriú, já bastante crivada de edifícios na orla (não tantos como hoje). Hoje, todo o trajeto que vai da margem norte do Ribeirão Marambaia até a Praia da Preguiça é feito por sobre uma passarela, que contorna as pedras e o morro, e vai terminar na areia.
Descia-se o morro e se pisava a areia da praia. E se estava num caminho de areia fina e branca, por onde a gente ia andando, ora numa areia mais fofa do que a de B. Camboriú, circunstância que já exigia mais esforço para andar, ora em areia mais dura, que permitia andar mais depressa e com menos esforço.
Toda a extensão da Praia da Preguiça era o trecho mais "selvagem" do caminho. Logo no início, os rapazes pegavam pequenos troncos de árvore que jaziam na areia, trazidos pelo mar, para os usarem como cajados. Caminhando entre o mar e o mato, era fácil imaginar que se estava numa caravana como aquelas que apareciam em filmes sobre a África ou sobre os primórdios do cristianismo ou do povo judeu. E se prosseguia andando pela praia deserta.
Hoje, onde era só mato, há um hotel tipo "resort".
Transposta esta praia, surgiam uma picada entre grandes pedras e pequeníssimas praias. Estas minúsculas praias eram formadas mais por cascalho, do que por areia.Era o trecho mais difícil de transpor.Difícil e perigoso, pois uma queda daquelas pedras podia causar grandes estragos ou mesmo ser fatal. Não era o único perigo que o passeio apresentava, mas ali os riscos de uma perna ou braço quebrados, de uma lesão na cabeça, eram significativamente maiores. Hoje, num local deserto como era aquele, o medo de furtos, roubos e violências seria maior do que o de cair das pedras.
Transposta esta trilha de pedras e prainhas, se chagava à praia Braba (ou Brava, que é o nome oficial). O primeiro trecho da praia Braba pertencia ao município de Balneário Camboriú. Aquele trecho também ficou conhecido como praia dos Amores. Conheci duas explicações para isso. A primeira, dizia que casais de namorados iam lá para "fazer amor", numa época que não havia motéis. Eram casais que faziam de seus carros motéis. Ou havia, também, os que iam a pé até lá e (certamente depois de um descanso) entregavam-se ao sexo recreativo (pois duvido que alguém tivesse tanto trabalho para fazer sexo procriativo).
A segunda explicação dizia que as moças que trabalhavam num dos prostíbulos da redondeza iam à praia para tomarem banho nuas ou, então, para atenderem seus verdadeiros amores. Havia um prostíbulo isolado numa das ruas próximas (do lado oeste da Rodovia Osvaldo Reis - a praia ficava ao leste da Rodovia) e, em outra rua (também a oeste da Osvaldo Reis) uma zona de meretrício. A zona era constituída por vários bordéis, ou boates ("boites"), formando assim um vilarejo (uma zona) e junto a cada boate havia uma edificação que era o conjunto de quartos destinados ao sexo profissional. Assim, ia-se na boate os clientes faziam a aproximação com as mulheres (ou elas se aproximavam dos clientes) e, depois, alugava-se o quarto. Após as 5 da manhã, hora que terminava o expediente, as moças podiam atender namorados, amigos e outros que não podiam arcar com as despesas usuais.
Creio que esta zona deixou de funcionar em meados da década de 80, exatamente quando começaram a se proliferar os motéis na região.
A praia Braba era o maior trecho de areia do passeio (evidentemente que sem considerar a praia central de Balneário Camboriú, que não fazia parte do percurso).
De novo - como ocorrera na Praia da Preguiça - se prosseguia a caminhada pela areia, com auxílio dos "cajados". De um lado o mar perigoso (não é de graça que a praia é chamada de "Brava") e de outro muito mato e pouquíssimas casas. Quase no meio da praia, já em território itajaiense, se destacava a então "sede campestre" da Sociedade Guarani. Na década de 60 ali funcionara o "Clube Santa Clara", que também era conhecido por "Cassino da Lagoa". Nunca eu soube com certeza se no local chegou a funcionar um cassino...
A travessia da Praia Braba era tão encantadora quanto a da Praia da Preguiça. E mais demorada, por se tratar de praia mais extensa.
A Sede Campestre do Guarani ficava quase na beira de um riacho que vinha da região do Morro Cortado e desembocava no mar. Na praia, este riacho perdia profundidade e era possível atravessá-lo a pé. O caminho prosseguia, até chegar nas pedras que dividiam a Praia Braba da Praia do Morcego. Esta praia, como já falei em outra postagem, tinha este nome por causa de uma caverna que lá havia, chamada Caverna do Morcego.
Novamente a passagem da Praia Braba para a Praia do Morcego era por um caminho tortuoso por entre as pedras. Tempos mais tarde creio que explodiram algumas pedras, de modo que se tornou muito mais fácil passar da Praia Brava para a Praia do Morcego. Então, transpostas as pedras, se chegava à Praia do Morcego, de onde se subia um morro por uma trilha, que dava numa estradinha (a estradinha do Farol de Cabeçudas) e, por esta estradinha, se chagava a Cabeçudas. Dali a Itajaí se ia de ônibus, pois, mesmo gente na faixa dos 15 aos 20 anos já estava exausta para enfrentar mais uma caminhada de Cabeçudas a Itajaí.
Deste pessoal que, por uns três ou quatro anos, sempre no dia 30 de dezembro, fazia comigo a caminhada de Balneário Camboriú a Itajaí, 3 rapazes morreram na faixa dos 30 anos (um de doença congênita, um de doença contagiosa e um de acidente automobilístico). Os demais, sei onde estão, mas não tenho mais contato.Das moças, namorei com uma, mas o namoro não chegou ao casamento. As outras nunca mais vi.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Evasão Escolar e Sebastianismo

Conheci dois carregadores de malas brasileiros no exterior. Um nos EUA e um em Portugal. Conversei mais tempo com o que morava nos EUA. Estava lá há mais de uma década, tinha família e filhos estadunidenses. Não me surpreendi que ele atribuísse as coisas negativas que via no Brasil e as coisas positivas que o fizeram optar pelos EUA somente aos Governos dos dois países. Achei previsível esta visão, que atribuo a um dos desdobramentos do sebastianismo: no fundo, se tudo depende de bons ou maus governos, a felicidade só virá quando um grandioso governante assumir as rédeas do país.
Mas, esta visão sabastianista é incompatível com a democracia. Um governo que resolvesse todos os problemas de um país, precisaria esmagar a vontade daqueles que desejassem outro caminho. Também teria que tolher o exercício dos outros três poderes. Por que isso?
Uma das qualidades que o braso-americano atribuía ao país de adoção era o controle do Governo sobre a frequência de seus filhos à escola: 3 dias de falta e tinha que dar satisfações "à corte". Não sei se esta corte era um órgão do executivo ou do judiciário.
Na verdade, existe base legal no Brasil para que se adote idêntica medida. O artigo 246 do Código Penal considera crime o "abandono intelectual":
Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Um amigo, Juiz de Direito, em 1988, resolvera colocar em prática tal dispositivo. Mas, depois, fez um concurso para outro cargo na Magistratura e eu não soube mais os efeitos de sua medida.
Para que o art. 246 seja colocado em prática, há necessidade dos poderes Executivo e Judiciário conjugarem esforços e tudo depende, ainda, da iniciativa do Ministério Público dos Estados. A "engrenagem" deve funcionar assim: os professores, ao detectarem faltas injustificadas devem comunicar o fato à direção da escola, que por sua vez comunica ao Ministério Público. O Ministério Público pode denunciar os pais pelo abandono intelectual ou propor transação penal.
Mas não há só este caminho. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) prevê sanções aos pais, aplicadas pelo Conselho Tutelar (artigo 129, V) quando estes não zelam pela educação dos filhos.
Enfim, o funcionamento da "maquina de fazer crianças estudarem" não depende só do "Governo", seja o da União, seja dos Estados, seja dos Municípios: depende também da comunidade, seus serviços voluntários e do poder de pressão que esta comunidade tem como conjunto de eleitores. Depende, ainda, do funcionamento eficiente de cada um dos três poderes.
Enfim, de um funcionamento de dois dos elementos do Estado: povo e governo.
Então se vai perceber que tudo segue para um mesmo lugar comum: cada povo tem o governo que merece. Ou cada povo tem o governo que constroi para si. As mudanças políticas dependem do que cada pessoa faz na sua vida pessoal e profissional. Donde se percebe que quem acha que o governo resolve todos os problemas, ou pode, ou deve resolver todos os problemas, é um sebastianista (mesmo que não saiba o que é sebastianismo).

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A Independência foi mesmo em 7/9/1822?

Há um livro chamado 7 DE SETEMBRO DE 1822 - A Independência do Brasil, de Cecília Helena de Salles Oliveira, no qual a autora diz que a proposta de se considerar o 7 de Setembro data nacional só surgiu em setembro de 1823 e só foi concretizada em 1826 (p. 22). E, mais adiante, fala em somente uma narrativa do episódio e - a meu ver - coloca em dúvida se a independência foi mesmo proclamada nesta data e local.
Para tanto, a autora buscou períodicos, discursos oficiais e cartas.
Mas faltaram as buscas à legislação.
Pela Provisão nº 23, de 20 de Fevereiro de 1823 (ver aqui o texto integral), foi autorizada uma coleta de fundos para erigir no lugar denominado Ipiranga um monumento que faça memorável o dia 7 de Setembro próximo passado, em que foi por S.M. Imperial proclamada a Independência deste Império.
O ato é assinato por José Bonifácio de Andrada e Silva.
Portanto, em fevereiro de 1823, já se considerava, oficialmente e juridicamente, o dia 7 de Setembro de 1822 como data da proclamação da independência; também se reconhecia o Ipiranga como local da proclamação e o Brasil já era denominado Império.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Monarquia Absoluta

O que caracteriza uma monarquia absoluta é a circunstância de um rei concentrar em si as três funções estatais: legislativa, executiva e judiciária, ou os chamados três poderes. É possível verificar a ocorrrência desta concentração de poderes na monarquia absoluta portuguesa, que vigorou no Brasil de 1500 a 1820. Em Portugal, o absolutismo vigorou antes de 1500 e foi até 1820. Considera-se que o absolutismo se consolidou em Portugal no momento em que não mais se reuniram as cortes, ou seja, após 1698, já que foi em 1697 e 1698 que se reuniram as cortes em Lisboa. E se considera essa consolidação porque as cortes mitigavam o absolutismo. A expressão cortes designava uma reunião de representantes dos concelhos, ou seja, dos entes políticos que hoje chamamos de municípios; estas cortes também podiam reunir o clero e a nobreza (bispos, altos homens de religião, ricos homens e cavaleiros vassalos), como foi o caso das cortes reunidas em Coimbra, no ano de 1211. No reinado de D. Afonso IV, em maio de 1349, reuniram-se cortes (presentes prelados, ricos homens, priores, abades, cavaleiros, homens bons dos concelhos) em Santarém, que apresentaram reclamações ao referido rei.
Nas Ordenações Filipinas há textos que explicitam o funcionamento da monarquia absoluta e lhe dão base jurídica. As Ordenações eram leis feitas pelo Rei, segundo sua vontade, como se vê do que seria o conceito de "poder legislativo" do Rei:
O Poder LEGISLATIVO do Rei Português:

Livro 3, Título 75, parágrafo 1 –
... porque o Rei é Lei animada sobre a terra, e pode fazer Lei e revogá-la, quando vir que convém fazer-se assim.
O conceito de Poder EXECUTIVO do Rei Português era o seguinte:
Livro 2, Título 35, parágrafo 21:
Porque nenhuma lei, pelo Rei feita, o obriga, senão enquanto ele, fundado em razão e igualdade, quiser a ela submeter seu Real poder.

O conceito de Poder JUDICIÁRIO do Rei Português era o seguinte:

Livro 3, Título 66:
Das sentenças definitivas
Todo Julgador, quando o feito for concluso sobre a definitiva, verá e examinará com boa diligência todo o processo, assim o libelo, como a contestação, artigos, depoimentos, a eles feitos, inquirições, e as razões alegadas de uma e outra parte; e assim dê a sentença definitiva, segundo o que achar alegado e provado de uma parte e da outra, ainda que lhe a consciência dite outra coisa, e ele saiba a verdade ser em contrário do que no feito for provado; porque somente ao Príncipe, que não reconhece Superior, é outorgado por Direito, que julgue segundo sua consciência, não curando de alegações, ou provas em contrário, feitas pelas partes, porquanto é sobre a Lei, e o Direito não presume, que se haja de corromper por afeição. (sem negrito no original)


domingo, 13 de dezembro de 2009

Tirando o Povo da Merda

Nossas elites são um caso a ser estudado. Agora estão chocadas com o último dito do Presidente Lula: Tirei o povo da merda.
A palavra merda nem sempre foi considerada palavrão ou nome feio. Nos séculos XI e XII ela constava em textos legais:
Foral de Tomar de 1174
[5º] Por merda em boca metuda em qualquer que o faça peite sesenta soldos.
(Em português atual:
[5º] O que puser esterco na boca de outrem, onde quer que se encontre pague sessenta soldos.(veja o original aqui)

Esta disposição foi incorporada nas Constituições (= ordenações, leis) de Dom Afonso III, que reinou em Portugal de 1248-1279:

Constituição 99 da merda em boca:
Estabelecido é que todo aquele ou aquela que meter a homem ou a mulher merda em boca que morra porém (1).

E, ainda, e nas Leis de Dom Dinis, que reinou de 1279-1325:

Que pena deve ter aquele que meter ou mandar meter merda em boca:
Dom Dinis etc estabelecemos e pomos por lei que todo homem ou mulher que a outrem meter ou mandar meter merda em boca que morra porém.

Com o tempo, merda foi colocada como "nome feio".
É interessante que há palavras de uso permitido e outras de uso proibido, mas com o mesmo significado: as palavras meretriz, prostituta, mulher de vida fácil são permitidas; puta é proibida. Do mesmo modo, se pode dizer fezes, esterco e até titica ou cocô; mas não pode falar merda.
Assim, nossos elites culturais, econômicas e sociais estão se deliciando em criticar a última fala presidencial.
Quem sabe ficariam menos chocadas se o Presidente tivesse dito que havia pinçado o povo das fezes...

1 -Ordenações Del-Rei Dom Duarte. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 106 e 176.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Horário de Trabalho dos Desembargadores

A Casa da Suplicação era o maior Tribunal Português. Passou a ter este nome com as Ordenações Filipinas, em 1603. Em 1808 veio para o Brasil. Com a independência, foi, mais tarde, sucedida pelo Supremo Tribunal de Justiça (Lei de 18.9.1828).
Os Magistrados da Casa da Suplicação se chamavam Desembargadores (Livro 1 das Ordenações Filipinas) e o horário de trabalho era assim disciplinado:
O Regedor, todos os dias que não forem feriados, pela manhã virá à Relação, e fará vir os Desembargadores cedo, porquanto o desembargo dos feitos há de durar quatro horas inteiras ao menos, passadas pelo relógio de areia, que será posto na mesa, onde o Regedor está: o qual tempo se não gastará em práticas, ou ocupações outras, não necessárias ao ato, em que estão. (Livro 1, Título 1).