Nossas elites são um caso a ser estudado. Agora estão chocadas com o último dito do Presidente Lula: Tirei o povo da merda.
A palavra merda nem sempre foi considerada palavrão ou nome feio. Nos séculos XI e XII ela constava em textos legais:
Foral de Tomar de 1174
[5º] Por merda em boca metuda em qualquer que o faça peite sesenta soldos.
(Em português atual:
[5º] O que puser esterco na boca de outrem, onde quer que se encontre pague sessenta soldos.(veja o original aqui)
Esta disposição foi incorporada nas Constituições (= ordenações, leis) de Dom Afonso III, que reinou em Portugal de 1248-1279:
Constituição 99 da merda em boca:
Estabelecido é que todo aquele ou aquela que meter a homem ou a mulher merda em boca que morra porém (1).
E, ainda, e nas Leis de Dom Dinis, que reinou de 1279-1325:
Que pena deve ter aquele que meter ou mandar meter merda em boca:
Dom Dinis etc estabelecemos e pomos por lei que todo homem ou mulher que a outrem meter ou mandar meter merda em boca que morra porém.
Com o tempo, merda foi colocada como "nome feio".
É interessante que há palavras de uso permitido e outras de uso proibido, mas com o mesmo significado: as palavras meretriz, prostituta, mulher de vida fácil são permitidas; puta é proibida. Do mesmo modo, se pode dizer fezes, esterco e até titica ou cocô; mas não pode falar merda.
Assim, nossos elites culturais, econômicas e sociais estão se deliciando em criticar a última fala presidencial.
Quem sabe ficariam menos chocadas se o Presidente tivesse dito que havia pinçado o povo das fezes...
1 -Ordenações Del-Rei Dom Duarte. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 106 e 176.
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