terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Pequena Viagem a Pé

Caminhar por praias desertas no litoral de Santa Catarina era coisa comum ainda na década de 70. Ainda no começo dos anos 80 estas praias continuariam desertas, mas a partir do final da década e mais ainda a partir de 1990, mais e mais gente foi erguendo casas e edifícios nestas praias. Talvez as maiores expansões imobiliárias tenham ocorrido no triângulo que concentra a maior quantidade de pessoas e as cidades de maior PIB do Estado. Os vértices deste triângulo ficam em Joinville, Blumenau e Florianópolis. E quase no meio do lado deste triângulo que fica no litoral, está Balneário Camboriú. Mas na década de 70 ainda havia muitas terras a serem ocupadas. Daí porque uma caminhada a pé, de Balneário Camboriú a Itajaí, era um passeio com forte sabor de aventura. E quando se tem entre 15 e 20 anos, a imaginação do que resta de criança se soma à coragem e força do corpo que se torna adulto, e estes passeios com gosto de aventura ficam mais encantadores. E o encanto chega aos píncaros se o grupo de caminhantes é composto por moços e moças.
A ida de Itajaí até Balneário Camboriú era de ônibus. Saltava-se no frente do Hospital Santa Inês e se tomava a direção da praia pela rua que desemboca no Hotel Marambaia. Dali se ia até a barra norte. Era a barra do ribeirão Marambaia. Este ribeirão nasce perto da rua 2450 e vai se robustecendo na direção norte. Da rua 2450 até próximo à Alvim Bauer, serpenteia entre a Avenida Brasil e a Terceira Avenida. Então atravessa a Avenida Brasil e segue até o final norte da praia, por entre a Avenida Atlântica e a Avenida Brasil.
Até a década de 1960 havia uma lagoa onde hoje é a Praça Alimirante Tamandaré. Esta lagoa sumiu (com certeza foi aterrada), mas, enquanto existiu, alimentava o Ribeirão Marambaia. Este Ribeirão era muito limpo até começos de 1960 (vi suas águas transparentes no trecho que fica entre as ruas 1001 e 1101), mas foi ficando poluído (resultado de despejo de esgoto em suas águas, só estancado no ano 2000, por força de Ação Civil Pública), de modo que, na década de 70, a travessia de sua foz só podia ser feita por ponte, mesmo sendo rasa a profundidade.
Então, após passar pela frente do Hotel Marambaia, se atravessava o Ribeirão, quando era iniciada a caminhada rumo a Itajaí. Ou pelo menos o trecho mais interessante. Cruzado o ribeirão, ia-se ia caminhando por cima das pedras, depois por uma prainha, até que se tomava uma picada pelo mato, que subia o morro e desembocava na praia da Preguiça, também conhecida como Praia do Coco. Era o primeiro cenário deslumbrante, a vista daquela praia, de cima do morro: de um lado a praia deserta, de outro Balneário Camboriú, já bastante crivada de edifícios na orla (não tantos como hoje). Hoje, todo o trajeto que vai da margem norte do Ribeirão Marambaia até a Praia da Preguiça é feito por sobre uma passarela, que contorna as pedras e o morro, e vai terminar na areia.
Descia-se o morro e se pisava a areia da praia. E se estava num caminho de areia fina e branca, por onde a gente ia andando, ora numa areia mais fofa do que a de B. Camboriú, circunstância que já exigia mais esforço para andar, ora em areia mais dura, que permitia andar mais depressa e com menos esforço.
Toda a extensão da Praia da Preguiça era o trecho mais "selvagem" do caminho. Logo no início, os rapazes pegavam pequenos troncos de árvore que jaziam na areia, trazidos pelo mar, para os usarem como cajados. Caminhando entre o mar e o mato, era fácil imaginar que se estava numa caravana como aquelas que apareciam em filmes sobre a África ou sobre os primórdios do cristianismo ou do povo judeu. E se prosseguia andando pela praia deserta.
Hoje, onde era só mato, há um hotel tipo "resort".
Transposta esta praia, surgiam uma picada entre grandes pedras e pequeníssimas praias. Estas minúsculas praias eram formadas mais por cascalho, do que por areia.Era o trecho mais difícil de transpor.Difícil e perigoso, pois uma queda daquelas pedras podia causar grandes estragos ou mesmo ser fatal. Não era o único perigo que o passeio apresentava, mas ali os riscos de uma perna ou braço quebrados, de uma lesão na cabeça, eram significativamente maiores. Hoje, num local deserto como era aquele, o medo de furtos, roubos e violências seria maior do que o de cair das pedras.
Transposta esta trilha de pedras e prainhas, se chagava à praia Braba (ou Brava, que é o nome oficial). O primeiro trecho da praia Braba pertencia ao município de Balneário Camboriú. Aquele trecho também ficou conhecido como praia dos Amores. Conheci duas explicações para isso. A primeira, dizia que casais de namorados iam lá para "fazer amor", numa época que não havia motéis. Eram casais que faziam de seus carros motéis. Ou havia, também, os que iam a pé até lá e (certamente depois de um descanso) entregavam-se ao sexo recreativo (pois duvido que alguém tivesse tanto trabalho para fazer sexo procriativo).
A segunda explicação dizia que as moças que trabalhavam num dos prostíbulos da redondeza iam à praia para tomarem banho nuas ou, então, para atenderem seus verdadeiros amores. Havia um prostíbulo isolado numa das ruas próximas (do lado oeste da Rodovia Osvaldo Reis - a praia ficava ao leste da Rodovia) e, em outra rua (também a oeste da Osvaldo Reis) uma zona de meretrício. A zona era constituída por vários bordéis, ou boates ("boites"), formando assim um vilarejo (uma zona) e junto a cada boate havia uma edificação que era o conjunto de quartos destinados ao sexo profissional. Assim, ia-se na boate os clientes faziam a aproximação com as mulheres (ou elas se aproximavam dos clientes) e, depois, alugava-se o quarto. Após as 5 da manhã, hora que terminava o expediente, as moças podiam atender namorados, amigos e outros que não podiam arcar com as despesas usuais.
Creio que esta zona deixou de funcionar em meados da década de 80, exatamente quando começaram a se proliferar os motéis na região.
A praia Braba era o maior trecho de areia do passeio (evidentemente que sem considerar a praia central de Balneário Camboriú, que não fazia parte do percurso).
De novo - como ocorrera na Praia da Preguiça - se prosseguia a caminhada pela areia, com auxílio dos "cajados". De um lado o mar perigoso (não é de graça que a praia é chamada de "Brava") e de outro muito mato e pouquíssimas casas. Quase no meio da praia, já em território itajaiense, se destacava a então "sede campestre" da Sociedade Guarani. Na década de 60 ali funcionara o "Clube Santa Clara", que também era conhecido por "Cassino da Lagoa". Nunca eu soube com certeza se no local chegou a funcionar um cassino...
A travessia da Praia Braba era tão encantadora quanto a da Praia da Preguiça. E mais demorada, por se tratar de praia mais extensa.
A Sede Campestre do Guarani ficava quase na beira de um riacho que vinha da região do Morro Cortado e desembocava no mar. Na praia, este riacho perdia profundidade e era possível atravessá-lo a pé. O caminho prosseguia, até chegar nas pedras que dividiam a Praia Braba da Praia do Morcego. Esta praia, como já falei em outra postagem, tinha este nome por causa de uma caverna que lá havia, chamada Caverna do Morcego.
Novamente a passagem da Praia Braba para a Praia do Morcego era por um caminho tortuoso por entre as pedras. Tempos mais tarde creio que explodiram algumas pedras, de modo que se tornou muito mais fácil passar da Praia Brava para a Praia do Morcego. Então, transpostas as pedras, se chegava à Praia do Morcego, de onde se subia um morro por uma trilha, que dava numa estradinha (a estradinha do Farol de Cabeçudas) e, por esta estradinha, se chagava a Cabeçudas. Dali a Itajaí se ia de ônibus, pois, mesmo gente na faixa dos 15 aos 20 anos já estava exausta para enfrentar mais uma caminhada de Cabeçudas a Itajaí.
Deste pessoal que, por uns três ou quatro anos, sempre no dia 30 de dezembro, fazia comigo a caminhada de Balneário Camboriú a Itajaí, 3 rapazes morreram na faixa dos 30 anos (um de doença congênita, um de doença contagiosa e um de acidente automobilístico). Os demais, sei onde estão, mas não tenho mais contato.Das moças, namorei com uma, mas o namoro não chegou ao casamento. As outras nunca mais vi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário