Conheci dois carregadores de malas brasileiros no exterior. Um nos EUA e um em Portugal. Conversei mais tempo com o que morava nos EUA. Estava lá há mais de uma década, tinha família e filhos estadunidenses. Não me surpreendi que ele atribuísse as coisas negativas que via no Brasil e as coisas positivas que o fizeram optar pelos EUA somente aos Governos dos dois países. Achei previsível esta visão, que atribuo a um dos desdobramentos do sebastianismo: no fundo, se tudo depende de bons ou maus governos, a felicidade só virá quando um grandioso governante assumir as rédeas do país.
Mas, esta visão sabastianista é incompatível com a democracia. Um governo que resolvesse todos os problemas de um país, precisaria esmagar a vontade daqueles que desejassem outro caminho. Também teria que tolher o exercício dos outros três poderes. Por que isso?
Uma das qualidades que o braso-americano atribuía ao país de adoção era o controle do Governo sobre a frequência de seus filhos à escola: 3 dias de falta e tinha que dar satisfações "à corte". Não sei se esta corte era um órgão do executivo ou do judiciário.
Na verdade, existe base legal no Brasil para que se adote idêntica medida. O artigo 246 do Código Penal considera crime o "abandono intelectual":
Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Um amigo, Juiz de Direito, em 1988, resolvera colocar em prática tal dispositivo. Mas, depois, fez um concurso para outro cargo na Magistratura e eu não soube mais os efeitos de sua medida.
Para que o art. 246 seja colocado em prática, há necessidade dos poderes Executivo e Judiciário conjugarem esforços e tudo depende, ainda, da iniciativa do Ministério Público dos Estados. A "engrenagem" deve funcionar assim: os professores, ao detectarem faltas injustificadas devem comunicar o fato à direção da escola, que por sua vez comunica ao Ministério Público. O Ministério Público pode denunciar os pais pelo abandono intelectual ou propor transação penal.
Mas não há só este caminho. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) prevê sanções aos pais, aplicadas pelo Conselho Tutelar (artigo 129, V) quando estes não zelam pela educação dos filhos.
Enfim, o funcionamento da "maquina de fazer crianças estudarem" não depende só do "Governo", seja o da União, seja dos Estados, seja dos Municípios: depende também da comunidade, seus serviços voluntários e do poder de pressão que esta comunidade tem como conjunto de eleitores. Depende, ainda, do funcionamento eficiente de cada um dos três poderes.
Enfim, de um funcionamento de dois dos elementos do Estado: povo e governo.
Então se vai perceber que tudo segue para um mesmo lugar comum: cada povo tem o governo que merece. Ou cada povo tem o governo que constroi para si. As mudanças políticas dependem do que cada pessoa faz na sua vida pessoal e profissional. Donde se percebe que quem acha que o governo resolve todos os problemas, ou pode, ou deve resolver todos os problemas, é um sebastianista (mesmo que não saiba o que é sebastianismo).
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