O que caracteriza em geral um chefe indígena é ser um fazedor da paz, é ser generoso, bom orador e ter o privilégio da poliginia. Durante a guerra, o chefe dispõe de um poder quase absoluto(1), como era o caso do Chefe Cunhambebe, dos Tamoios. O líder indígena se torna chefe somente em função de sua competência “técnica”: dons oratórios, habilidade como caçador, capacidade de coordenar as atividades guerreiras, ofensivas ou defensivas (2). Ao fazer a paz, o chefe indígena não tem uma função judiciária, pois ele não pode impor sua decisão pela força (ainda segundo CLASTRES): fracassando em reconciliar as partes, o chefe não pode impedir que a desavença se prolongue indefinidamente, com ataques violentos e outros tipos de vingança(3). Se o chefe não faz o que dele se espera, ele é abandonado pela aldeia, que escolhe um líder mais fiel aos seus deveres(4). O cacique não tem privilégios de autoridade, mas somente os de conselheiro e deve observar normas rígidas de comportamento: É comedido, não fala nem ri alto, não faz gestos bruscos, não anda apressado e jamais se põe a correr(5).
Para os índios Arara não há poder entre os homens que se estruture como possibilidade legítima de dominação ou coerção de qualquer natureza (a não ser aquela da apreciação da coletividade sobre o comportamento de cada um)(6).
Entre os índios tupinambá, os melhores guerreiros (que tinham direito a esposas secundárias) formavam o “Conselho” ao qual eram submetidas as decisões do chefe. Morrendo o chefe e sendo seu filho considerado inapto para sucedê-lo, era este “Conselho dos melhores guerreiros” que escolhia o novo chefe. Cada casa tupinambá tinha um líder; cada aldeia um chefe e havia chefias centralizadas agrupando várias aldeias(7).
Entre os Ipúrina do Juruá-Purus e os Kaigang do sul do Brasil, a caça é uma fonte decisiva de alimentação e, como a principal tarefa do líder é cuidar do bem-estar de seu grupo, dos melhores caçadores é que saem, geralmente, os homens elegíveis à chefia(8).
A chefia pode ser exercida pelo xamã (pajé ou caraíba) ou haver um chefe “político” (morubixaba) e o xamã, que é o chefe religioso. O xamã é respeitado, admirado e temido, pois só ele possui poderes sobrenaturais, só ele pode dominar o perigoso mundo dos espíritos e dos mortos. O xamã tem seus deveres, como, por exemplo, prestar atenção ao seu trabalho, dançar sozinho, não ter relações sexuais com mulheres quando exerce seu trabalho e nunca esquecer seu fumo(9). Entre os Arara, o xamã é um misto de curador, ministro de negócios das relações exteriores e gestor da base política da sociedade, fabricando as condições e controlando o funcionamento da vida social(10).
1- CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo, Cosac & Naify, 2003, pp. 46 a 51, 53, 222 e 223: 1) Faz a paz, sendo a instância moderadora do grupo; 2) é generoso, pois não se pode permitir, sem ser desacreditado, repelir os incessantes pedidos de seus “administrados”; os índios têm uma espécie de direito à pilhagem permanente do chefe e se reconhece o chefe “ porque ele possui menos que os outros e traz os ornamentos mais miseráveis”; entre os índios da América do Sul, quem mais trabalha é o chefe (p. 58); 3) “somente um bom orador tem acesso à chefia; o talento oratório é uma condição e também um meio de poder político”; o tema das arengas do chefe é a paz, a harmonia e a honestidade, essencialmente uma repetição de normas de vida tradicional: “Nossos avós se sentiram bem vivendo como viviam. Sigamos seu exemplo e, dessa maneira, levaremos juntos uma existência tranqüila”. (p. 171); em regra, os índios não prestam atenção ao que o chefe fala; a fala ocorre todos os dias, ao amanhecer e ao crepúsculo, estando o chefe deitado na rede ou sentado perto do fogo, pronunciando com voz forte o discurso;. 4) a poligamia em geral se dá sob a forma sororal. “Apenas um vigésimo das sociedades indígenas pratica a monogamia rigorosa. Isto quer dizer que a maioria dos grupos reconhece a poliginia e que esta é quase continental em sua extensão”. Segundo PERRONE-MOISÉS (Beatriz. “Os Mebengokre Kayapó: História e Mudança Social De comunidades autônomas para a coexistência interétnica”. In CUNHA, Manuela Carneiro da (org.) “HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL”. São Paulo, Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 2ª edição, 2002, pp. 319 e 334), os Kayapó, por exemplo, são monogâmicos. Mas muitos cismas importantes na história dos Gorotire e Mekranoti (subdivisões dos Kaiapó) foram causados por questões de adultério ou rivalidade sexual.
2- CLASTRES, obra citada, pp. 90 e 223. Apesar de o chefe não ter poder, há um lugar reservado para a chefia, sendo estranho uma tribo que não tenha chefe – p. 258.
3- CLASTRES, obra citada, p. 48.
4- CLASTRES, obra citada, p. 62
5- VILLAS BÔAS, Orlando. “A arte dos pajés: impressões sobre o universo espiritual do índio xinguano”. São Paulo, Editora Globo, 2000, p. 25.
6- TEIXEIRA-PINTO, Márnio. “Ieipari – Sacrifício e Vida Social entre os Índios Arara (Caribe)”. São Paulo, Editora Hucitec Anpocs, UFPR, 1997, p. 329.
7- “Na maioria das sociedades sul-americanas, a chefia se herda patrilinearmente. Assim, levando-se em conta as aptidões individuais, o filho do chefe, ou em sua falta o filho do irmão do chefe, será o novo líder da comunidade” – CLASTRES, obra citada , p. 57. Entre os tupinambás, cada casa comportava de 100 a 500 ou 600 habitantes; uma aldeia de quatro a oito casas/malocas tem de 400 a 4.000 habitantes – pp. 89 e 104-105. CLASTRES ainda cita como exemplos de hegemonia de um chefe sobre tribos vizinhas os Takwatip (grupo Tupi-Kawahib), os Omagua e os Cocama (tupis estabelecidos no curso médio e superior do Amazonas – p. 91.
8- CLASTRES, obra citada, pp. 52-53.
9- CLASTRES, obra citada, pp. 159-160, 161-162
10- TEIXEIRA-PINTO, obra citada, p. 188
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