segunda-feira, 31 de maio de 2010

CORPUS CHRISTI 5

Depois que li o trecho abaixo das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, liguei para dona Pola para dizer que ela não tinha razão em reclamar da mudança do horário na Procissão de Corpus Christi em Itajaí. Dona Pola é uma conhecida minha de longa data. Disse para ela que, por algum motivo, houve, provavelmente nos fins do Século XIX ou começo do XX, a mudança no horário da missa que antecedia a procissão de Corpus Christi, das 9 para as 15 horas. Ao ouvir isso, dona Pola informou-me que lhe disseram ser o Vigário que fizera a mudança um homem muito estudioso. Acreditei que a informação procedia.
Pela Lei Canônica (Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia - já em grande parte sem vigência), a procissão de Corpus Christi ocorria de manhã, depois da missa das 9 horas. O horário das nove horas é o horário das missas solenes, segundo a Liturgia das Horas. As horas canônicas são as seguintes: Matinas = zero hora; Laudes = 3 horas da manhã; Primas (início das missas públicas) = 6 da manhã; Terça (oportunidade da missa solene) = 9 horas; Sexta = meio-dia; Nona = 3 horas da tarde; Vésperas = 6 da tarde; Completas = 9 da noite (veja mais informações aqui). As Constituições do Arcebispado da Bahia, de 1707, diziam o seguinte:

497. Pelo que mandamos, que nesta Cidade se faça esta solene Procissão com o ornato possível de pompa, e magestade, assim como até agora se fez, na Quinta-Feira de Corpus Cristi pela manhã, acabada a celebridade da Missa, na forma que dispõe o Cerimonial dos Bispos, e sairá da nossa Sé, e Nós, e nossos sucessores levaremos a Custódia do Santíssimo Sacramento, e tendo legítimo impedimento a levará o Deão do nosso Cabido, ou Dignidade a quem pertencer. A mesma Procissão se poderá fazer nas mais Igrejas de nosso Arcebispado, em que houver costume de se fazer, havendo o ornato necessário, na forma que ordena o Ritual Romano.

domingo, 30 de maio de 2010

CORPUS CHRISTI 4

As Ordenações Filipinas eram as leis que regulavam o Reino Português e suas colônias (incluindo o Brasil) desde 1603. As Constituições do Arcebispado da Bahia regularam a vida religiosa dos católicos no Brasil desde 1707. A Procissão de Corpus Christi, em face da ligação entre Igreja e Estado, que foi muito forte até a proclamação da República, era regulada pelas Ordenações Filipinas, como se viu na postagem Corpus Christi 1 e pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. As Constituições consideravam a procissão de Corpus Christi como o mais importante evento religioso:

Livro Terceiro
TITULO XVI.
DA SOLENE PROCISSÃO DE CORPO DE DEUS, E QUE PESSOAS A DEVEM
ACOMPANHAR.
496. A principal de todas as Procissões é a grande, e festival Procissão do Corpo de Deus, que em cada um ano se faz na Quinta Feira depois do Domingo da Trindade, tão encomendada pelos Sagrados Cânones, e Concilio Tridentino, e ainda pelas Leis do Reino. Foi ordenada pela Igreja para exaltação do Divino Sacramento, manjar sagrado em que se nos dá o mesmo Cristo nosso Senhor, para honra de Deus, gloria dos Católicos,confusão dos hereges, e para que os fieis lembrados deste imenso beneficio, com fervoroso afeto se movam a render o obséquio devido a tão Divina Majestade, e a dar as graças a Cristo nosso Senhor, tão liberalíssimo benfeitor, que se nos dá a si mesmo em iguaria da vida espiritual.

sábado, 29 de maio de 2010

CORPUS CHRISTI 3

Os tapetes da procissão de Corpus Christi, em Itajaí, tanto podiam ser feitos na rua em frente das casas, quando dos estabelecimentos de ensino ou lojas. Nas casas, a montagem do tapete era um momento de confraternização das famílias e da vizinhança. Desde a aquisição da serragem, seu tingimento e na confecção dos tapetes, as pessoas aprofundavam seus laços familiares e de amizade. Se era nos colégios, turmas de alunos se organizavam para fazer o tapete. Um ano, participei da confecção de tapetes na frente do Colégio Salesiano. Devia ser por volta de 1972. O tapete era o escudo do Colégio, feito de serragem, fécula, “champinhas” etc. Passamos a semana anterior e o dia de Corpus Christi em função do tapete. E, enquanto fazíamos o tapete, o equipamento de som do Colégio tocava, quase que todo o tempo, “Summer Holiday”, de Terry Winter, o sucesso da época (veja aqui).
Naquele ano pude me dedicar a fazer o tapete na frente do Colégio, pois a procissão não passaria pela casa de minha família. Parece-me até que há muito tempo não passava. Então, por volta da uma hora da tarde, quando as pessoas andavam pelas ruas vendo os tapetes já prontos, meu pai passou e apreciou o tapete que eu fizera junto com os colegas. Foi gentileza paterna ter gostado do tapete que fizemos, pois os que ele projetou e executou com nossa ajuda na frente de nossa casa eram belíssimos. Houve um ano que o tapete que fizemos em casa rivalizou com o de minha prima, que morava ao lado, ela também uma artista muito talentosa. Isto deve ter sido na década de 1960 e foi por estes tempos a última vez que houve tapete, altar e procissão em grande estilo em frente da casa de meu pai.
Perguntei para Dona Pola, outro dia, se ela tinha fotos de quando a procissão passou na casa dela. Dona Pola é uma conhecida minha de muitos anos. Disse-me ela que não tinha fotos, mas se soubesse que, num dos anos da década de 1990, seria a última vez que a procissão passaria na casa em que ela morava e da qual logo se mudou, teria tirado muitas fotos. Dona Pola se mudou daquela casa porque o marido faleceu.
Ponderei a Dona Pola que teria sido muito ruim se ela soubesse que aquela seria a última vez que faria um tapete na frente de sua casa. Ela concordou e acrescentou que teria se acabado de chorar se pudesse prever o futuro.
Filosoficamente, chegamos à conclusão de que o homem seria muito infeliz se pudesse prever com certeza científica o futuro.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

CORPUS CHRISTI 2

Dona Pola ligou-me, por estes dias, reclamando que o Vigário passara a procissão de Corpus Christi, em Itajaí, para depois da missa que seria celebrada às 9 horas da manhã. Estava muito aborrecida, pois – lembrou-me – sempre se fizera a procissão após a missa das 3 da tarde e, naquele novo horário, seria muito complicado fazer os tapetes, que teriam que ser começados de madrugada. Dona Pola tinha razão em parte.
Pelo menos desde a década de 1950, a Procissão de Corpus Christi ocorria em Itajaí à tarde. De manhã eram feitos os tapetes. Estes tapetes eram feitos de serragem tingida (a base principal). Mas se usava também pó de café (na verdade a borra que sobrava depois de se fazer a bebida), tampinhas de garrafa de refrigerante e outros elementos. Mas, o que mais se usava além da serragem, era o pó de café e as tampinhas. Assim, durante a procissão, o cheiro de café já aguçava o apetite para o lanche que se fazia na Igreja após a missa.
As tampinhas de garrafa eram uma diversão à parte. Eram tampas de garrafa de refrigerante e de cerveja (hoje ainda se usa nas garrafas de vidro), forradas com papel laminado, em geral prateado ou dourado (mas também de outras cores). Davam um efeito bonito nos tapetes de rua. E, durante a procissão, os meninos se engalfinhavam catando as tampinhas (que também eram chamadas “champinhas”, deturpação de chapinhas). Evidentemente que o burburinho feito pelos meninos, os empurrões e os agachamentos para pegarem as “champinhas” tiravam boa parte da concentração dos pais.
A confecção dos tapetes exigia algum trabalho prévio. Dias antes se ia às madeireiras buscar serragem (alguns tapetes usavam sipilho: eram lascas muito finas e pequenas de madeira; a serragem era o pó que sobrava do corte das madeiras). Não sei se a serragem e o sipilho eram doados ou vendidos. Creio que eram doados, pois naquele tempo (década de 1960 e início de 1970) havia muitas madeireiras em Itajaí e ainda estavam em fase embrionária os produtos feitos à base de resíduos do beneficiamento da madeira. Até uma moça que trabalhava lá em casa dizia que sua família se aquecia queimando serragem, pois a lenha era cara. Na Avenida Joca Brandão, onde hoje é a continuação da Avenida Marcos Konder, havia um terreno todo aterrado com sipilho; e a Rua João Morezi se chamava Rua do Sipilho.
Depois de se trazer a serragem para casa, ela era tingida nas cores com que se pretendia fazer o tapete. Então, ou se fazia a forma de madeira com o desenho do tapete ou se desenhava o tapete num papel, que serviria de suporte e guia no chão. As formas de madeira eram usadas para “passadeiras”, ou seja, tapetes compridos e com pouca variação. Geralmente as passadeiras ficavam na frente de terrenos baldios e casas comerciais e os tapetes mais elaborados, na frente das casas.
Algumas casas tinham altares na frente, feitos a pedido dos organizadores da procissão. Nestes altares se fazia uma parada na procissão, o Padre colocava o ostensório no altar e abençoava os presentes.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

CORPUS CHRISTI 1

A Procissão de Corpus Christi, durante muito tempo, no Brasil, deve ter sido um mega-evento das cidades. Era uma das três ocasiões em que ficava mais pública a união político-jurídica entre Igreja e Estado. A procissão era regulamentada pelas Leis Estatais e Canônicas. Nas leis estatais, a regulamentação e o caráter oficial da festa estava nas Ordenações Filipinas, Livro 1, Título LXVI, item 48:

Procissões

48. Item, mandamos aos Juízes e Vereadores, que em cada um ano aos dois dias do mês de Julho ordenem uma procissão solene à honra da Visitação de Nossa Senhora. E assim mesmo farão em cada um ano no terceiro Domingo do mês de Julho outra procissão solene, por comemoração do Anjo da Guarda, que tem cuidado de nos guardar e defender, para sempre seja em nossa guarda e defensão. As quais Procissões se ordenarão e farão com aquela festa e solenidade, com que se faz a do Corpo de Deus: para as quais, e para quaisquer outras, que de antigo se costumaram fazer, ou para outras, que Nós mandarmos fazer, ou forem ordenadas dos Prelados, ou Concelhos e Câmaras, não serão constrangidos vir a elas nenhuns moradores do termo de alguma cidade, ou vila, salvo os que morarem ao redor uma légua. E os ditos Vereadores não levarão dos bens do Concelho dinheiro, nem percalço algum, por fazerem as ditas Procissões, ou irem nelas. E não consentirão nelas representações de coisas profanas, nem máscaras, não sendo ordenadas para provocar a devoção. E a pessoa, que nas ditas Procissões for por qualquer dos modos acima defesos, pagará, da cadeia mil réis, a metade para o Concelho, e a outra para quem acusar.

terça-feira, 25 de maio de 2010

RAÍZES JURÍDICO-POLÍTICAS CENTRO-AFRICANAS 7


Segundo SILVA, As estruturas políticas do Congo assentavam-se num delicado equilíbrio de forças, no qual o rei tinha o poder vigiado pelos grandes da terra, os muxicongos ou muissicongos, uma aristocracia dentro da aristocracia, formada pelas 12 candas da região central do reino, onde ficava Banza Congo. Era nessa elite da elite que se elegia o manicongo, podendo qualquer muissicongo ser o escolhido, desde que descendente de rei, de preferência por uma de suas filhas. Como o manicongo tinha muitas mulheres e pelo casamento poderia se vincular à maioria das candas, o poder tendia a circular entre as várias linhagens.
Os escravos, no Congo, antes da chegada dos portugueses, eram um grupo servil transitório, pois não havia uma classe escrava. Em geral, os escravos eram do tipo doméstico: gente de origem estrangeira, capturada na guerra ou em razias, criminosos proscritos ou retirados da sociedade, pessoas que tinham perdido a proteção dos seus ou incorrido em fortes dívidas. Os filhos e netos destes escravos podiam ser absorvidos pela sociedade. Tal qual sucedia no século XIX, é possível também que escravos fossem enterrados vivos com um chefe morto, que outros fossem sacrificados quando da ascensão de seu sucessor, e que um homem importante pudesse manda-los em seu lugar para serem submetidos ao ordálio por veneno, num julgamento por feitiçaria.
A sociedade conguesa se caracterizava por sua rígida hierarquização e seu extremo autoritarismo. As distinções de origem e fortuna eram marcadas. Até mesmo na dieta dos distintos grupos sociais. Assim, enquanto a elite comia bacorinhos, cabritos, galinhas e até, de vez em quando, carne de vaca, a plebe alimentava-se somente de verduras, legumes e ovos. E, também, quando havia, de peixe a alguma caça.
Com a chegada dos portugueses e o aumento das compras pelo Congo, cresceu também o pagamento com escravos. Assim, por volta de 1515, faziam-se guerras fúteis nas fronteiras, para capturar os vencidos. Nobres desentendiam-se entre si e pelas armas cativavam os vassalos uns dos outros. Condenavam-se pessoas à escravidão por pequenos delitos. Vendiam-se indivíduos que se haviam penhorado por dívida. Meninos eram sequestrados e embarcados às escondidas.
O comum era reduzir à escravidão os estrangeiros e só por um crime abominável um conguês podia ser escravizado, mas só depois de ser excluído da grei. Entretanto, esta prática vinha mudando, face à procura por escravos. O manicongo intruduziu, neste começo do século XVI um sistema de controle que reduziu a escravização dos congueses. Então, a partir daí, predominavam nas cargas humanas os ambundos, angicos, bobangis, sucus, ianzis, bomas, teges e cotas. E, claro, em exportando gente, uma das conseqüências ruins para o Congo é que perdia mão-de-obra para se desenvolver. No ano de 1548 seis mil serem humanos saíram pelo porto de Pinda na condição de escravos.
Por volta de 1560, a situação no Congo andava bem ruim. Para piorar, em 1568 houve a invasão dos jagas.
A foto acima, de 2001, é de uma escultura africana exposta no Cafua das Mercês, em São Luiz/MA, Brasil.

Bibliografia:
SILVA, Alberto da Costa e. A Manilha e o Libambo. Rio de Janeiro, Ed. Nova Franteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002, pp. 366, 369,370, 377, 379, 389, 390.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

RAÍZES JURÍDICO-POLÍTICAS CENTRO-AFRICANAS 6


As cidades do Congo se chamavam mbanza e as aldeias lubata. O chefe da aldeia era o nkuluntu e o chefe religioso, o kitomi. Este kitomi era quem entronizava o novo chefe, razão pela qual legitimava a ordem política. O símbolo do poder do kitomi era um bastão de 120 cm, com o topo esculpido. O nascimento de gêmeos era prenúncio de males irremediáveis, de modo que havia rituais quando de seu nascimento para afastar tais males (1). Portugal e Congo eram monar-quias, governadas por reis e uma classe de nobres nas quais o sistema político era dominado por relações de clientelismo e influência (2). No Congo a “semana” tinha quatro dias: três de trabalho e um de descanso (3). Não havia no Congo um exército permanente (4); o rei administrava o país com um grupo de nobres, os quais tinham diversas atribuições: secretários reais, coletores de impostos, oficiais militares, juízes e empregados pessoais. A cada três anos havia a cerimônia de investidura em cargos públicos (5).
A foto acima, de 1995, é de uma apresentação folclórica em Salvador, Bahia.

Notas:
1 – PARREIRA, Adriano, ECONOMIA E SOCIEDADE EM ANGOLA Na Época da Rainha Jinga Século XVII.Lisboa, Editorial Estampa, 1997, p. 49.
2 – SOUZA, Marina de Mello e. Reis Negros No Brasil Escravista. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002, pp. 47, 65 e 71.
3 - PARREIRA, obra citada, p. 30.
4 - PANTOJA, Selma. NZINGA MBANDI – MULHER, GUERRA E ESCRAVIDÃO. Brasília, Thesaurus, 2000, p. 61.
5 - PARREIRA, obra citada, p. 31.