terça-feira, 16 de agosto de 2011

Algemas e Gente Fina

As reações indignadas que o uso de algemas provocam, quando estas são usadas na nossa nobreza doutoral e de palpite, é um claro indício de que as Ordenações Filipinas, apesar de formalmente revogadas pelo Código Civil de 1916, ou mesmo pela incompatibilidade com as nossas Constituições, desde 1891, ainda vivem no coração de muita gente. É o direito revogado que ainda vigora. Vejamos o trecho das Ordenações que disciplinavam o uso de algemas (os ferros, como eram chamados na época), a prisão especial e a domiciliar, todas existentes ainda hoje entre nós (ainda que a Constituição considere todos iguais):

LIVRO 5, TITULO CXX

Em que maneira os Fidalgos e Cavaleiros, e semelhantes pessoas devem ser presos

Mandamos, que os Fidalgos de Solar, ou assentados em nossos Livros e os nossos Desembargadores e os Doutores em Leis, ou em Cânones, ou em Medicina, feitos em Estudo universal por exame e os Cavaleiros Fidalgos, ou confirmados por Nós, e os Cavaleiros das Ordens Militares de Cristo, Santiago e Aviz, e os Escrivães de nossa Fa­zenda e Câmera, e mulheres dos sobreditos, em quanto com eles forem casadas, ou estiverem viúvas honestas, não sejam presos em ferros, senão por feitos em que mereçamo morrer morte natural, ou civil.
E por os outros, em que não caibam as ditas penas de morte, serão presos sobre suas homenagens as quais devem fazer aos Juizes, que os prenderem, ou manda­rem prender.
E por eles lhes serão tomadas, e lhes darão por prisão o Castelo da Vila, ou sua casa, ou a mesma Cidade, Vila, ou lugar, se­gundo for a qualidade do caso. 

(...) 2. E se de algum Fidalgo, ou Cavaleiro for querelado, ou ele for acusado de algum malefício, porque não mereça pena de morte, se o malefício for cometido contra outro Fidalgo, ou Cavaleiro, pos­to que não seja igual a ele: mandamos, que em aquele caso em que outra pessoa de mais baixa condição deveria ser presa em ferros, o Fidalgo, ou Cavaleiro seja preso sobre sua homenagem no Castelo da Cidade, ou Vila onde o feito for ordenado, ou em outra casa honesta, se ali Castelo não houver, segundo arbítrio do Julgador. 

(...) Porém, se o tal preso quiser antes ficar em sua casa preso sobre sua homenagem, sem dela poder sair, até haver livramento, poderá seguir sua apelação per Procu­rador e ficará preso em sua casa.

(...)
6. E se a pessoa a que for tomada a ho­menagem, a quebrar, perderá o privilégio que por sua qualidade tinha para lhe ser tomada; para nunca mais gozar dele, e será preso em cárcere público.

O original pode ser visto aqui.

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