quarta-feira, 14 de abril de 2010

O emirado de Al-Andaluz





No ano de 750 os Omíadas são depostos pelos Abássidas. Do massacre dos Omíadas pelos Abássidas, escapou Abd al-Rahman, que se refugiou na Península Ibérica. Abd al-Rahman apoderou-se do emirado da Península Ibérica, que os muçulmanos chamavam de Al-Andaluz e lá iniciou uma nova dinastia omíada. O emirado era uma espécie de Província, governado por um Emir e sua capital ficava em Córdoba. Apesar de os emires prestarem, em regra, contas ao Califa, o Emirado Andaluz assume uma situação de independência por volta do ano 755, prestando apenas reconhecimento nominal aos abássidas. O domínio muçulmano começou a se diluir, em Andaluz, no ano de 976, mas é no ano de 1492 que termina definitivamente, com a tomada de Granada pelos reis católicos Fernando de Aragão e Isabela de Castela e Leon (Espanha). Pelo menos em 1217 ainda havia muçulmanos em Portugal, posto que neste ano houve a retomada da cidade portuguesa de Alcácer do Sal.

Na foto acima a Grande Mesquita de Córdoba/Espanha, que Abd al-Rahman construiu em um ano, usando material de outras construções (a variedade de cor destes tijolos - vermelho e beje - e as diferenças de tamanho entre as colunas é um dos efeitos deste aproveitamento de material). A porta dourada era por onde Abd al-Rahman entrava na Mesquita.

terça-feira, 13 de abril de 2010

MUÇULMANOS INVADEM A PENÍNSULA IBÉRICA





No ano de 711 ocorre a invasão islâmica da Península Ibérica pelos muçulmanos, conduzida pelo governador Musa ben Nusayr, da província de Ifriquyia, ou Ifriqiyya, atual Tunísia, e por seu Lugar-Tenente Tariq ben Ziyad. Tariq é o epônimo do Estreito de Gibraltar - corruptela lingüística de Djebel el-Tarik, A Montanha de Tariq, até então chamada de As colunas de Hércules. Esta invasão decorreu da crise que estourou com a sucessão do Rei Visigodo Witiza: um grupo majoritário da nobreza optou por eleger, um tanto tumulturiamente, Rodrigo. Um outro grupo decidiu apoiar a continuidade de algum familiar de Agila II, também Rei Visigodo. Como antes havia ocorrido em mais de uma ocasião, a facção minoritária pôde ver nos muçulmanos – que já se preparavam para assaltar o Reino Visigótico há algum tempo – o instrumento para se impor em uma guerra civil que, até então, havia ido muito mal para aqueles. Na batalha decisiva de Guadalete (julho de 711), muitos nobres visigodos desertaram, propiciando assim a derrota de Rodrigo e seus seguidores. Tarik, que obteve a primeira vitória, havia desembarcado com 12.000 berberes. No ano seguinte lhe seguiu seu senhor, Musa ibn Nusayr, com 18.000 árabes. Em pouco tempo, ou seja, já entre os anos de 716 e 719, acabaram-se as últimas resistências visigodas (leia mais aqui).
Os árabes tentaram continuar sua expansão pela Europa, mas foram derrotados na Batalha de Tours, em 732. Esta batalha , às vezes chamada de Batalha de Poitiers, tornou-se para sempre o símbolo da interrupção da expansão muçulmana para o norte da Europa (1). Ainda que não tenham se expandido para o norte da Europa, os muçulmanos ficaram mais 760 anos na Península Ibérica (781 ao todo, desde o ano de 711). Por haver somente Sunitas na Península, não houve divisão religiosa entre os muçulmanos.
As fotos acima são da Mesquita de Córdoba/Espanha e do quadro A Batalha de Poitier, exposto no Palácio de Versalhes/França.

Notas:
1 - MENOCAL, Maria Rosa. O Ornamento do Mundo. Tradução de Maria Alice Máximo. Rio – São Paulo, Record, 2004, p. 65.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

ELABORAÇÃO DA LEI PELOS ROMANOS E VISIGODOS


SURGIK (1) informa que o povo visigodo, antes de se assentar na península ibérica, não adotava – como os demais povos germânicos - a prática de um rei legislar:

Os direitos germânicos – afirma Juan Alejandre García – eram ordenamentos populares, em cuja formulação intervinha o povo através de assembléias de homens livres, ainda que a função das assembléias não fosse a de criar propriamente o direito, mas de indagar acerca das tradições e manifestar qual a melhor postura a ser adotada em dada circunstância e ante um problema determinado. O direito assim não nascia das assembléias, por entender-se que já estava na consciência de todos e de cada um dos homens.
Foi o contacto com o Império Romano e, principalmente, como o poder eclesiástico, que alterou os hábitos da vida social visigótica. Daí a afirmação de Juan A. G: “A criação do direito entre os visigodos experimentou um processo evolutivo de indubitável importância, já que de um sistema inicialmente consuetudinário, passou-se a outro essencialmente legalista.”


No reino hispano-visigodo católico, portanto, o rei era rei por vontade de Deus (Deus dá o povo ao rei para que este o defenda e governe bem) e suas leis, pois, eram também emanação da vontade de Deus.

No Fuero Juzgo(2), ou Código Visigótico (que vigorou na Península Ibérica a partir do reinado de Alarico II - 484-507, foi consolidado sob Leovegildo 565-583, sofreu modificações quando da conversão dos reis visigóticos ao catolicismo, sob Recaredo - 583-598 e nos concílios de Toledo - IV – 633; V – 636, VI – 638 e VIII - 653), a palavra constituição significava lei, ou decreto, como se vê do seguinte trecho:

Livro VII. Titulo V.
IX. Dos que escrevem as leis do Rei falsamente, ou as dão a outrem para que as escrevam.

(...) E porque vimos que há homens que escrevem as leis do Rei falsamente, ou que as fazem escrever aos notários para as confirmar, onde colocam muitas coisas em nossas leis e escrevem que não eram ordenadas, nem por nós, nem eram convenientes ao nosso povo, nem proveitosas, e que faziam grande dano aos nossos povos, proibimos por esta nova lei que nenhum homem, daqui por diante, se não for escrivão comunal do povo, ou do Rei, ou tal homem a quem mande o Rei, que não ouse alegar falsas constituições, nem falsos escritos do Rei, nem escrever, nem dar a algum escrivão que escreva falsamente. Mas os escrivães do povo, ou os nossos, ou a quem nós mandarmos, as escrevam e leiam as nossas constituições, e não outras. E se algum homem for contra esta proibição, seja ele livre ou escravo, o juiz lhe faça dar 200 açoites e seja assinalado dolorosamente; e faça-lhe cortar o polegar da mão direita porque foi contra nosso mandado, e contra nossa proibição.

A foto acima é de Toledo, que foi capital do Reino Visigodo.

Notas:
1 - SURGIK, Aloísio. Gens Gothorum As raízes bárbaras do legalismo dogmático.Curitiba, Edições Livro é Cultura, 2003, p. 79.
2 – Veja aqui a edição fac-similar.

domingo, 11 de abril de 2010

CONSTITUIÇÃO E VISIGODOS 2


Como vimos, os reis visigóticos deixaram o arianismo e adotaram o catolicismo como religião oficial. Esta conversão teve um preço, que pode ser percebido nas decisões dos concílios de Toledo, em especial a partir do IV (ano de 633). Também como vimos, esta conversão se deu sob o reinado de Recaredo (±583 ou 585-598), tendo como marco o III Concílio de Toledo, em 589(1). O IV Concílio de Toledo foi um dos acontecimentos de maior transcendência política ocorrido no Reino Hispano-Visigodo durante o século VII (FERNANDES, 2001:73) e nele pontificou, como presidente, o Bispo Isidoro de Sevilha. Decisões deste Concílio foram incorporadas ao Fuero Juzgo, dentre elas a noção de eleição do monarca:
Por isto estabelecemos que daqui em diante os reis devem ser eleitos na cidade de Roma, ou naquele lugar onde morreu o outro rei. E deve ser eleito com conselho dos bispos, ou dos ricos-homens da corte, ou do povo. E não deve ser eleito de fora da cidade, nem do conselho de poucos, nem de vilões do povo e os príncipes devem ser da fé cristã e devem defender a fé do engano dos judeus e do torto dos hereges. (Primeiro Título, parágrafo III)
(...)
Quando o rei morre, ninguém deve tomar o reino, nem se fazer rei. Nenhum religioso, nem outro homem, nem escravo, nem outro homem estranho, se não for da linhagem dos godos, fidalgo, nobre, digno de costumes e com outorga dos bispos, dos godos maiores e de todo o povo.(...)... e aquele que quebrar esta lei seja excomungado para sempre. (Primeiro Título, parágrafo VIII)

Predominava entre os visigodos a idéia do primus inter pares, diretamente relacionada com as antigas tradições eletivas germânicas, onde o apoio político-militar dos representantes da nobreza guerreira seria o principal respaldo à ascensão do monarca e a base efetiva do seu poder (FERNANDES, 2001:77). Mas, sendo o rei eleito pelos bispos e pelos ricos-homens da corte (= nobreza), estaria costurado o apoio de um lado e outro. Ainda no primeiro livro do Fuero Juzgo já constava que Sisenando recebeu de Deus o governo do povo (Primeiro Título, parágrafo III).
Também no primeiro título constam limitações impostas pela igreja aos reis visigodos: Devem ser mansos e piedosos; de muito boa vida, bom senso, mais econômicos do que perdulários; não devem tomar coisas à força de seus súditos, nem de seu povo. Os bens que ganharem do povo não devem ser herdados pelos filhos do rei, mas ficarem no reino. O que os reis ganharem não deve atender só ao seu proveito, mas o direito de seu povo e de sua terra.O que ganharem antes de ser reis, devem dar a seus filhos e seus herdeiros. E antes de receber o reino, os reis deviam prometer guardar a lei oriunda do IV Concílio de Toledo (parágrafo II). Toledo era a capital do reino visigodo.
Outras limitações ao poder dos reis visigodos se seguem nas inserções resultantes dos Concílios de Toledo: Deus dá o povo ao rei para que este o defenda e governe bem; o rei é feito rei pelo direito e não por sua pessoa e o que lhe dá firmeza no poder é a honra do reino e o que vem dela e não a pessoa do rei (Primeiro Título, parágrafo IV). Por outro lado, todo aquele que tomar o reino à força (e, portanto, contra a vontade de Deus), seria colocado para fora da companhia dos cristãos, não seria recebido na igreja, seria excomungado e condenado com todos os seus cúmplices no dia do Juízo (Primeiro Título, parágrafo IX).
Esta influência da igreja católica sobre os reis visigodos foi registrada por Montesquieu (2): Os bispos exerciam uma autoridade imensa na corte dos reis visigodos; as questões mais importantes eram decididas nos concílios. Este registro, talvez seja indicativo das diferenças que passaram a existir entre os europeus ocidentais a partir do ano 507.
Como já vimos no do Digesto de Justiniano (ano 534), entre os romanos, constituição e lei tinham o mesmo significado.
A foto acima é da Igreja de San Roman, que abriga o Museu da Cultura Visigótica, em Toledo.

Notas:
1 - FERNANDES, Fátima Regina et all. Cultura e Poder na Península Ibérica. Curitiba, ed. Juruá, 2001, p. 93.
2 - MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de la Brède et de. Do Espírito das Leis. Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. São Paulo, 2ª Edição, Abril cultural (Os Pensadores), 1979, p. 418.

sábado, 10 de abril de 2010

CONSTITUIÇÃO E VISIGODOS 1


Do Século V ao Século VIII o atual território português foi dominado pelos Visigodos, em decorrência, inicialmente, de uma aliança destes com os romanos.
Os godos eram um povo germânico originário das regiões meridionais da Escandinávia. (...) O povo godo aban-donou a região do rio Vístula, que corresponde à atual Polônia, (...) na segunda metade do século II. (...)
Os godos que viviam entre os rios Danúbio e Dniester receberam o nome de visigodos. Os do outro ramo, que no século IV se haviam estabelecido na área que viria a ser a Ucrânia, foram denominados ostrogodos (...).
Os Visigodos, depois de muitas conquistas, estabeleceram-se, após o ano de 410, sob o reinado de Ataulfo, no sul da Gália e na Hispânia. Em 475, Eurico declarou-se monarca independente do reino visigodo de Tolosa (Toulouse), que incluía a maior parte das Gálias e a Espanha. (...) Eurico cumpriu uma monumental tarefa legislativa ao reunir as leis dos visigodos, pela primeira vez, no Código de Eurico, conservado num palimpsesto em Paris. Seu filho Alarico II codificou, em 506, o direito de seus súditos romanos, na Lex romana visigothorum, mas carecia dos dotes políticos do pai e perdeu quase todos os domínios da Gália em 507, quando foi derrotado e morto pelos francos de Clóvis, na batalha de Vouillé, perto de Poitiers. Desmoronou então o reino de Tolosa e os visigodos foram obrigados a transferir-se para a Espanha.
(...) O domínio total da Península Ibérica pelos visigodos quase se concretizou durante o reinado de Leovigildo, mas ficou comprometido pelo problema religioso: os visigodos professavam o arianismo (1) e os hispano-romanos eram católicos.(...) Mas esse obstáculo para a fusão com os hispano-romanos se resolveu em 589, ano em que o rei Recaredo proclamou o catolicismo religião oficial da Espanha visigótica.” (...). Fonte: Encyclopaedia Britannica

Este registro, talvez seja indicativo das diferenças que passaram a existir entre os europeus ocidentais a partir do ano 507, quando os visigodos foram derrotados pelos francos de Clóvis, na batalha de Vouillé e expulsos da região que veio a ser a França. Ou seja: de um lado se desenvolveram francos e anglo-saxões e outros povos germânicos. De outro, os ibéricos. Até então já tínhamos, na região que hoje é Portugal, a cultura lusitana, a romana e, agora, a visigótica. Entre os visigodos e os romanos (assim considerados os que habitavam a Península Ibérica), o Fuero Juzgo admitia casamentos, o que permitia uma miscigenação entre povos(2).
A foto acima é de Toledo (Espanha), que foi a capital do Reino Visigótico.
Notas:
1 - O arianismo é uma doutrina cristológica pregada por Ário. Ário nasceu, provavelmente, na Líbia, por volta de 256-260. Foi sacerdote ou presbítero cristão. O arianismo pregava que Jesus não foi gerado por Deus, mas adotado por Deus: Ário afirmava a existência de um único Deus, o Pai, eterno, absoluto, imutável, incorruptível. Este Ser Supremo e Absoluto, não pode comunicar (...) seu Ser, nem mesmo parcelas dele, nem por criação, nem por geração. Se Deus não é corpo, não pode ser composto, divisível. Assim, é impossível a Deus gerar um filho. Para criar o mundo, Deus criou um ser intermediário, o Logos. Jesus não era eterno como Deus, nem da substância de Deus. Jesus era uma encarnação do Logos e foi adotado como Filho de Deus. Aquele Logos que se fizera homem, que se contaminara com um corpo humano, não podia ser Deus como o Pai, que é incorruptível, intemporal, puro, eterno e incomunicável. Por volta do ano 320 Ário foi condenado pelo bispo de Alexandria, mas sua doutrina difundiu-se mais ainda, especialmente entre o povo. Isto abalou a paz e a unidade da Igreja cristã, com riscos para a unidade do Império Romano. Em 340 ocorre um retorno do arianismo, por força de Constança, irmã do imperador Constantino, que era ariana. Com a morte de Ário, o arianismo se dividiu em várias tendências, sendo a homeusiana uma delas. A Igreja ariana, na vertente homeusiana, ultrapassou as fronteiras do império romano. O mais conhecido destes missionários arianos homeístas (admitiam que o Filho era de uma substância semelhante, mas não idêntica à do Pai) foi Úlfilas, germano, do povo dos godos, que habitavam a região Norte do Danúbio. O bispo ariano Eusébio conferiu-lhe a consagração episcopal. Úlfilas retornou, então, a seu próprio povo. Entre suas atividades, destaca-se o fato de ter elaborado o alfabeto gótico, de ter traduzido a Bíblia para sua língua e lançado as bases de uma igreja gótica. Foi Teodósio I quem varreu o arianismo do Império Romano, em 380. Numa carta, do ano de 380, determinou a crença na única divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo em igual majestade e em Trindade santa. E autorizou aos seguidores desta crença a tomarem o título de cristãos católicos. Mas, se o arianismo desapareceu como doutrina oficial da igreja e do Império Romano do ocidente, sobreviveu por muito tempo entre os visigodos, ostrogodos, vândalos, burgúndios e longobardos. Fonte: FRANGIOTTI, Roque. História das Heresias (séculos I-VII) conflitos ideológicos dentro do cristianismo. São Paulo, Paulus, 1995, pp. 85-98.
2 – O cuidado dos príncipes é cumprido quando eles pensam no proveito do povo, e eles não se devem alegrar quando a sentença da lei antiga é quebrada, a qual quer impedir o casamento das pessoas que são iguais por dignidade e por linhagem. E por isto revogamos a lei antiga, e colocamos outra melhor; e estabelecemos por esta lei que há de valer para sempre, que a mulher romana pode casar com homem godo e a mulher goda pode casar com homem romano. – Fuero Juzgo, L 3, T 1, I.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Constituição e Estado entre os Romanos


Uma trajetória histórica jurídico-política centralizada no Brasil precisa abordar a Roma antiga. Não se pode negar a grande influência que tivemos do Direito Romano e dos sistemas jurídicos que o antecederam [o grego, especialmente (1)]. Vejamos um pouco das instituições jurídico-políticas romanas que nos chegaram até hoje. No Século II surgem, ao Sul da Lusitânia, as villaerústicas. A villa consistia num latifúndio pertencente a um senhor (o “dominus”) destina-da a exploração agrícola, florestal e pecuária, tendo ao centro a casa senhorial rodeada pelas instalações rurais (lagares, celeiros, tulhas, adegas, estábulos...) e por habitações de pessoal livre ou servil. As assembléias dos cidadãos romanos eram chamadas comícios. Os hostes eram os inimigos de Roma. “Jus honorum” era o direito de exercer funções públicas, políticas ou religiosas. A grande massa dos cidadãos residia nas províncias. Província, inicialmente, era o âmbito das atribuições conferidas a um magistrado cum imperio; seguiu-se o significado de governo de território fora da Itália; e depois o sentido de território fora da Itália submetido à jurisdição de um magistrado “cum imperio”. Este magistrado tinha poder absoluto (incluindo a jurisdição), mas quanto aos cidadãos romanos, estes podiam recorrer aos comícios de Roma quando da imposição da pena capital. Os governadores das províncias eram correntemente denominados “praesides”. Nas capitais das províncias, havia, a cada ano, uma assembléia, a qual compareciam delegados das comunidades e cidades. Estas assembléias formulavam votos, que uma deputação levava ao imperador. Civitas era a unidade político-administrativa da província, significando, até o século II, a comunidade política indígena dotada de governo e leis próprias. Se uma civitas se transformava em municipium perdia a independência local, passando a comunidade municipal a ser considerada uma fração da comunidade romana. Talvez isso implicasse em alguma vantagem, como obras públicas, por exemplo. A ponte da foto acima está na cidade de Zaragoza, na Espanha e foi construída pelos romanos. Somente este tipo de vantagem poderia justificar uma transformação voluntária de cidade em município, pois A cidade livre é um Estado independente: o município a parcela de um Estado. O mais alto órgão da administração do município romano era o ordo decurium, formado, em regra, por 100 membros vitalícios (2).
Para os romanos, lei e constituição tinham o mesmo significado, conforme consta do Digesto de Justiniano, promulgado no ano 534:
O que agradou ao príncipe tem força de lei; assim é, com efeito, dado que por lei régia, que se promulgou acerca do império do príncipe, o povo lhe conferiu todo seu império e poder. Portanto, tudo o que o imperador estabeleceu por epístola ou subscrição, ou decretou como juiz, ou decidiu de plano ou ordenou em um edito, consta que é lei. Estas são as que vulgarmente chamamos Constituições (3).

Notas:
1 – VIEIRA, VIEIRA, Jair LoT. Código de Hamurábi, Código de Manu, Lei das XII Tá-buas. EDIPRO, Bauru, 2ª edição, 2002, p. 123.
2 – CAETANO, Marcello. História do Direito Português – Fontes – Direito Público (1140-1495). Lisboa, Editora Verbo, 3ª. Edição, 1992, pp. 65 a 76.
3 – Dig.1.4.0. De constitutionibus principum. Dig.1.4.1pr. Ulpianus 1 inst.Quod principi placuit, legis habet vigorem: utpote cum lege regia, quae de imperio eius lata est, populus ei et in eum omne suum imperium et potestatem conferat. Dig.1.4.1.1 Ulpianus 1 inst. Quod-cumque igitur imperator per epistulam et subscriptionem statuit vel cognoscens decrevit vel de plano interlocutus est vel edicto praecepit, legem esse constat. haec sunt quas volgo cons-titutiones appellamus. Veja aqui de onde foi retirado este texto latino. Tradução de SURGIK, Aloísio. Gens Gothorum As raízes bárbaras do legalismo dogmático.Curitiba, Edições Livro é Cultura, 2003, p. 52.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Direito e Estado 2


O estudo da história do Direito, em regra, se limita ao Direito escrito. E isto ocorre não só por questões de praticidade, mas também porque é muito mais tranqüila a prova científica de regras escritas, do que das orais. Como provar uma regra jurídica oral, porventura observada entre os índios brasileiros Xokleng, no ano 1000 (1) d.C., por exemplo? Ou como conhecer as normas jurídicas do Congo, em 1482, que também não eram escritas [mas que existiam (2)]? Já no tocante às normas jurídicas escritas, hoje é possível ler partes das Leis de Eshnunna [1792-1750 a.C. (3)], do Código de Hamurábi [1728-1686 a.C. (4)], muitas leis romanas [a Lei das XII Tábuas data do ano de 451 a.C. (5)], o Código Visigótico (que vigorou na Península Ibérica a partir do reinado de Alarico II - 484-507) e, já na Idade Média, uma significativa quantidade de normas jurídicas. Mas um direito que tenha vigorado entre os povos sem escrita (ágrafos), torna-se difícil de ser conhecido, especialmente se este povo já se dispersou ou se extinguiu. De qualquer forma, isto quer dizer que nem é possível afirmar que “onde há sociedade há direito” ou que pode haver sociedade sem direito. São questões a serem estudadas. Ainda assim, os primeiros portugueses que chegaram ao Brasil diziam (em coro como os Europeus de então) que os índios eram um povo sem fé, sem lei, sem rei (ou seja: sem religião, sem Direito e sem Estado). Hoje discute-se se havia ou não uma organização Estatal ou algum esquema de poder entre os índios (veja-se, por exemplo, CLASTRES e CUNHA, citados nas notas de rodapé). Já entre os africanos (e aqui se enfatiza os povos que vieram como escravos para o Brasil), não se põe em dúvida a existência de organizações estatais (veja-se a obra de KI-ZERBO, por exemplo), organizações estas que, entre nós, por muito tempo foram rememoradas nas congadas (6).
Os objetos de arte africana da foto acima estão expostos no Museu Metropolitano de Nova Iorque.
Notas:
1 - Cálculo de tempo apresentado a partir de URBAN, Greg. A História da cultura brasileira segundo as línguas nativas. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. Em CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras:Secretaria Municipal de Cultura:FAPESP, 2ª edição/1ª reimpressão, 2002, p. 91.
2 - Conforme KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Tradução de Américo de Carvalho. Mem Martins (Portugal), Publicações Europa-América, 3ª Edição, 1999, pp.234-235.
3 - Há divergência entre as datas, conforme aponta o próprio tradutor BOUZON, Emanuel. As Leis de Eschnunna (1825-1787 a.C. ), Petrópolis, Vozes, 1981, p. 10.
4 - Conforme BOUZON E. O Código de Hamurábi. Petrópolis, Vozes, 1980, p. 10.
5 - Conforme nota de VIEIRA, Jair LoT. Código de Hamurábi, Código de Manu, Lei das XII Tábuas. EDIPRO, Bauru, 2ª edição, 2002, p. 123.
6 - Veja-se, sobre a Festa de Coroação de Rei Congo SOUZA, Marina de Mello e. Reis Negros No Brasil Escravista. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002.