Como vimos, os reis visigóticos deixaram o arianismo e adotaram o catolicismo como religião oficial. Esta conversão teve um preço, que pode ser percebido nas decisões dos concílios de Toledo, em especial a partir do IV (ano de 633). Também como vimos, esta conversão se deu sob o reinado de Recaredo (±583 ou 585-598), tendo como marco o III Concílio de Toledo, em 589(1). O IV Concílio de Toledo foi um dos acontecimentos de maior transcendência política ocorrido no Reino Hispano-Visigodo durante o século VII (FERNANDES, 2001:73) e nele pontificou, como presidente, o Bispo Isidoro de Sevilha. Decisões deste Concílio foram incorporadas ao Fuero Juzgo, dentre elas a noção de eleição do monarca:
Por isto estabelecemos que daqui em diante os reis devem ser eleitos na cidade de Roma, ou naquele lugar onde morreu o outro rei. E deve ser eleito com conselho dos bispos, ou dos ricos-homens da corte, ou do povo. E não deve ser eleito de fora da cidade, nem do conselho de poucos, nem de vilões do povo e os príncipes devem ser da fé cristã e devem defender a fé do engano dos judeus e do torto dos hereges. (Primeiro Título, parágrafo III)
(...)
Quando o rei morre, ninguém deve tomar o reino, nem se fazer rei. Nenhum religioso, nem outro homem, nem escravo, nem outro homem estranho, se não for da linhagem dos godos, fidalgo, nobre, digno de costumes e com outorga dos bispos, dos godos maiores e de todo o povo.(...)... e aquele que quebrar esta lei seja excomungado para sempre. (Primeiro Título, parágrafo VIII)
Predominava entre os visigodos a idéia do primus inter pares, diretamente relacionada com as antigas tradições eletivas germânicas, onde o apoio político-militar dos representantes da nobreza guerreira seria o principal respaldo à ascensão do monarca e a base efetiva do seu poder (FERNANDES, 2001:77). Mas, sendo o rei eleito pelos bispos e pelos ricos-homens da corte (= nobreza), estaria costurado o apoio de um lado e outro. Ainda no primeiro livro do Fuero Juzgo já constava que Sisenando recebeu de Deus o governo do povo (Primeiro Título, parágrafo III).
Também no primeiro título constam limitações impostas pela igreja aos reis visigodos: Devem ser mansos e piedosos; de muito boa vida, bom senso, mais econômicos do que perdulários; não devem tomar coisas à força de seus súditos, nem de seu povo. Os bens que ganharem do povo não devem ser herdados pelos filhos do rei, mas ficarem no reino. O que os reis ganharem não deve atender só ao seu proveito, mas o direito de seu povo e de sua terra.O que ganharem antes de ser reis, devem dar a seus filhos e seus herdeiros. E antes de receber o reino, os reis deviam prometer guardar a lei oriunda do IV Concílio de Toledo (parágrafo II). Toledo era a capital do reino visigodo.
Outras limitações ao poder dos reis visigodos se seguem nas inserções resultantes dos Concílios de Toledo: Deus dá o povo ao rei para que este o defenda e governe bem; o rei é feito rei pelo direito e não por sua pessoa e o que lhe dá firmeza no poder é a honra do reino e o que vem dela e não a pessoa do rei (Primeiro Título, parágrafo IV). Por outro lado, todo aquele que tomar o reino à força (e, portanto, contra a vontade de Deus), seria colocado para fora da companhia dos cristãos, não seria recebido na igreja, seria excomungado e condenado com todos os seus cúmplices no dia do Juízo (Primeiro Título, parágrafo IX).
Esta influência da igreja católica sobre os reis visigodos foi registrada por Montesquieu (2): Os bispos exerciam uma autoridade imensa na corte dos reis visigodos; as questões mais importantes eram decididas nos concílios. Este registro, talvez seja indicativo das diferenças que passaram a existir entre os europeus ocidentais a partir do ano 507.
Como já vimos no do Digesto de Justiniano (ano 534), entre os romanos, constituição e lei tinham o mesmo significado.
A foto acima é da Igreja de San Roman, que abriga o Museu da Cultura Visigótica, em Toledo.
Notas:
1 - FERNANDES, Fátima Regina et all. Cultura e Poder na Península Ibérica. Curitiba, ed. Juruá, 2001, p. 93.
2 - MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de la Brède et de. Do Espírito das Leis. Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. São Paulo, 2ª Edição, Abril cultural (Os Pensadores), 1979, p. 418.
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