O clima de meio feriado, meio dia santo não permitia que meu pai estivesse na Igreja desde a manhã da Quinta-Feira Santa. Pelo menos de manhã se trabalhava. À tarde, depois de ele dormir um soninho e tomar o café da tarde, íamos para a Igreja. Era o que acontecia desde que me tinha por gente, ou seja, começo da década de 1960, em Itajaí/SC.
Chegávamos de tarde e dona Gélia já estava enfeitando o altar. Dizia meu pai que ela custeava de seu dinheiro a ornamentação (basicamente flores e, talvez, vasos e outros adereços). Enfim, Dona Gélia doava seu tempo e seu dinheiro para a Igreja. Dona Gélia era uma mulher muito bonita, sempre bem arrumada. Creio que ela nunca casou.
Chegávamos à Igreja. A Semana Santa era um tempo de muita agitação para a Igreja. Então se preparava o lavapés. Eram rapazes que faziam as vezes de atores, se vestindo de Apóstolos. A mesa onde eles sentavam era feita especialmente para a ocasião. Raramente se usava a do ano anterior. Naquele tempo a madeira abundava em Itajaí, pois o Porto era o maior exportador de madeira da América Latina e a cidade tinha muitas madeireiras. Assim, não era difícil que alguém doasse uma mesa de madeira novinha. Meu pai fazia o ensaio e, de noite, o Sacerdote, com um conjunto de jarra e bacia de porcelana branca com bordas verdes, lavava os pés dos Apóstolos. Na verdade, um membro da Irmandade do Divino Espírito Santo carregava a bacia, outro membro a jarra. A jarra e a bacia me pareciam enormes, mas depois vi que eu é que era pequeno. Derramavam água nos pés dos Apóstolos e o Sacerdote enxugava seus pés. Por volta de 1970 a Irmandade reivindicou o lugar dos Apóstolos. Ponderou-se que eram sempre os Irmãos que estavam presentes nas cerimônias e que os rapazes atores eram recrutados para a ocasião (meu pai os recrutava entre seus alunos). A ponderação foi aceita e, dali para frente, os Irmãos tomaram o lugar dos rapazes atores. Os irmãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento usava uma opa igual à usada em Braga, Portugal (pelo homem de trás do que carrega o Guião, que está de gravata azul e branca a foto foi extraída do programa da Semana Santa de Braga de 2010, que me foi remetido por J.Miguel Galaghar).
Quando comecei a acompanhar meu pai, eu devia ter uns cinco ou seis anos, idade insuficiente para ser coroinha. Mas, tão logo completei sete anos (ou oito – não lembro bem), que era a idade mínima para ser coroinha, passei a participar mais ativamente da cerimônia da Quinta-Feira Santa.
Havia uma divisão de tarefas para os coroinhas, conforme seu tempo de atividade. Os mais novos, nada faziam enquanto esperavam o momento de levar galhetas e toalhas para o Sacerdote. Os mais velhos tocavam sino e os mais velhos ainda, agitavam o turíbulo. Com alguma sorte, os mais novos podiam segurar o porta-incenso (um recipiente prateado, em forma de gôndola, engastado num pedestal, com duas portinhas que abriam para cima; dentro se depositava o incenso, que era tirado dali para o turíbulo com uma colherinha, que fazia parte da peça). Tive oportunidade de segurar este porta-incenso durante a cerimônia de Quinta-Feira Santa, o que me permitiu observá-lo atentamente.
Então transcorria toda a cerimônia. No final, se fazia o traslado do Santíssimo Sacramento do altar mor para um altar lateral, que era o reservado à Nossa Senhora durante o ano. Era uma procissão que percorria toda a igreja e depois parava na frente daquele altar, que possuía o sacrário, ou seja, o cofre de que falam as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Então, a Igreja Matriz de Itajaí tinha pelo menos dois cofres para guarda o Santíssimo, ou dois sacrários: um no altar mor e um no altar secundário (este altar aparece na foto acima, atrás da imagem de Nossa Senhora das Dores).
Depois eu voltava para casa com minha mãe, pois meu pai ficava na adoração do Santíssimo até a madrugada. Numa destas voltas para casa, minha mãe esqueceu de pegar a chave com meu pai. Chegamos em casa e ficamos matutando na varanda. Até que alguém sugeriu que eu entrasse na casa, passando pela grade da janela. Eu devia ter uns sete anos. Fui colocado grade a dentro, abri a janela, peguei uma chave que ficara em casa, abri a porta e todos entraram. Ficamos aguardando meu pai e sua aprovação ou reprovação do ato. Ele chegou e achou tudo muito engraçado.
Depois que eu e meus irmãos cresceram, minha mãe passou a ficar também na adoração. E depois que meu pai morreu, ela continuou indo. Um dia minha mãe chegou em casa contando que um senhor, muito conhecido na cidade, ficou tempo demais na adoração e teve um descontrole esfincteriano. Ficamos preocupados que isto traumatizasse uma pessoa tão estimada na cidade. Mas, na Sexta-Feira Santa à tarde já o vimos passeando de carro. Como deveria ser, encarou naturalmente o incidente.
Pois aos seis anos e meio, em situação semelhante, passei pela mesma grade e abri a mesma porta. Considerando que também fui professor na UNIVALI, morei com a D. Vadinha e passei em concurso público para trabalhar na área jurídica, espero não ser processado por plágio. Abs
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