terça-feira, 6 de abril de 2010

O Estado Democrático de Direito num Conto 3



Os abusos se tornaram insuportáveis e os vilões acabaram se revoltando. Moacir, que andava desacreditado depois que alguém colocara em dúvida a real necessidade de abandono do navio (afinal nunca apareceram na ilha vestígios do naufrágio), retomara seu prestígio: o tempo tudo resolve. E, numa noite de quarta-feira, esperaram Moema e Reinaldo voltarem de sua ronda à ilha, para desfechar um ataque (às quartas-feiras Pedro e Antônio não acompanhavam a ronda, pois, às terças, Moema e Reinaldo pernoitavam numa confortável casinha que mandaram construir num penhasco mais retirado). Moema trazia sua inseparável submetralhadora (desde algum tempo fonte maior de seu poder) e Reinaldo caminhava com o fuzil engatilhado, quando duas pauladas surgidas na escuridão, colocaram homem e mulher fora de combate por alguns segundos, tempo suficiente para o grupo tomar-lhes as armas.
Conversas descompromissadas com Reinaldo haviam-no levado, tempos antes, a compartilhar seus conhecimentos sobre armas com diversos vilões, de modo que não foi difícil encontrar quem pudesse manejar tanto o fuzil quanto à submetralhadora. Pedro e Antônio foram facilmente dominados, dada a inferioridade de suas armas.
Cansados de ver a posse das armas por um pequeno grupo acabar transformando este grupo em opressor de toda a coletividade, os vilões estabeleceram naquela noite novas bases de convívio. Fez-se um regulamento que dizia como a Vila seria administrada, como seriam escolhidos os administradores (anualmente seriam eleitos pela assembléia formada por todos os vilões) e quais os casos em que poderiam ser usadas armas (quais os comportamentos eram aceitáveis e quais eram os inaceitáveis pelo grupo e quem se encarregaria de julgar estes comportamentos). Também se escreveu no regulamento que haveria um grupo de vilões que, semanalmente, se reuniria para verificar se as regras serviam para disciplinar todos os casos ou se haveria necessidade de criar, suprimir ou substituí-las por outras. E, dali para frente, aquele regulamento e suas modificações passaram a comandar a vida da vila, um dia formada por náufragos. Naquela noite se criou um Estado Democrático de Direito. Estado, porque a Vila – isolada do mundo – acabava tendo um território, um povo, um governo e uma soberania; Democrático, porque o poder era de todos; de Direito, porque era governado por normas de obediência obrigatória.
Reinaldo, Moema, Antônio e Pedro ficaram isolados alguns dias num canto da ilha. Depois, foram aceitos pela comunidade e com ela passaram a viver em igualdade de condições com os demais.

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