quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Houve Crise do Dto. Constitucional no Brasil do Séc. XIX?


Se alguma crise houve no Direito Constitucional no Brasil, ela foi retratada em obra de José de Alencar (1) - o famoso romancista. Nesta obra, ALENCAR sai da ficção e entra na realidade. ALENCAR lista os problemas que o sistema eleitoral brasileiro vigente apresentava e asseverava que a representação das forças nacionais não correspondia à realidade. Mesmo assim, o autor postula um sistema eleitoral em que a maioria da população elegeria diretamente apenas eleitores, que – estes sim – escolheriam os Deputados Provinciais, Deputados Gerais e Senadores.
No Brasil, a crise do Direito Constitucional se mostrava no campo político, pois se percebia que a Constituição de 1824 não resolvera os problemas do país.
ALENCAR já lamentava (em 1868) que, no Brasil, tudo que não fosse bafejado pelo governo ou pelo interesse dominante de uma classe poderosa, não ia adiante (p.5). Mas considerava a constituição vigente sábia, liberal (p.9) e democrática (p. 76), na qual se tinha um cabedal esterilizado, parte pela inércia, para pela indiferença com que o país tolera as leis pérfidas que sofismam suas instituições (p. 27). O autor considerava absurdo o voto censitário (em que o direito de votar dependia de uma certa renda p. 84) e entendia que, apesar da Constituição vigente consagrar o voto censitário, as rendas consideradas faziam com que qualquer pessoa que trabalhasse atingisse o patamar mínimo para ser eleitor (p. 92). Criticava a qualificação periódica dos eleitores (ou seja, as qualificações realizadas a cada eleição – p. 95) e o sistema de reconhecimento da identidade dos votantes, que permitia não só o veto a eleitores indesejáveis pela mesa receptora – quem tem a mesa tem a eleição -, mas também o voto em diversos lugares (pp. 125 e 136). Apontava as fraudes eleitorais, como os votantes simulados, com o nome de "fósforos" (p. 121), a eleição a bico de pena (elaboração de ata inverídica da eleição – p. 137), as contas de chegar, em que a anulação de eleitores fazia com que se transformasse a minoria em maioria (pp. 141 e 159). Combatia a votação no interior das igrejas católicas, pois constrangia o exercício do voto por parte dos não católicos (p. 145); a manipulação de listas tríplices, que consistia em colocar para concorrer com o candidato adredemente escolhido duas figuras nulas e obscuras, apelidadas cunhas (p 155) e a verificação de poderes (a câmaras de deputados e o senado poderiam anular as eleições de seus membros – p. 156).
Mas ALENCAR era elitista: acreditava que o lavrador, o operário, o homem do povo tinha o horizonte acanhado; seu espírito não se eleva além das mesquinhas dissidências locais. Estas classes são pois tão inábeis para escolher um representante da nação, um legislador, como para decidir uma questão doutrinária. (...) O habitante do sertão, ou mesmo o operário da grande cidade, é tão incapaz de escolher entre o Sr. Itaboraí e o Sr. Olinda seu representante, como é para se decidir por esta ou aquela idéia política. Para o Autor, era da classe média que deveria sair o eleitorado, pois esta exprime o maior grau de moralidade; nos extremos o vício domina geralmente (pp. 103, 104 e 110). ALENCAR ainda acreditava que o voto deveria ser público, a ser declarado oralmente, pois o voto secreto não ensina a cidadão a ser independente, mas a ser falso e covarde (p. 118).

 
Mas não só havia os problemas apontados pelo autos d'O Guarani, d'As Minas de Prata e de tantos outros romances. O ordenamento jurídico brasileiro do século XIX era problemático. Um exemplo era um caso de contradição gritante entre a Constituição de 1824 e o Código Criminal: enquanto o art. 179, inciso XIX, da Carta magna proibia os açoites, o artigo 60 da norma criminal o admitia para os escravos. Vejamos os dois dispositivos:

 
Constituição de 1824:
Art.
179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte.
XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis.

 
Código Criminal do Império (1831):
Artigo 60 – Se o réu for escravo, e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés, será condenado na de açoites,e, depois de os sofrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz o designar.
O número de açoites será fixado na sentença; e o escravo não poderá levar por dia mais de cinqüenta.

 
Na verdade, a crise do Direito Constitucional se prolongou no Brasil até 1988, ano em que, enfim, a Constituição começou efetivamente e limitar o poder do Estado e a desestimular o golpismo, este uma sucessão em nossa história (1930, 1937, 1945 e, finalmente, 1964 – sendo 1968 e 1969 golpes dentro de um golpe).

No mundo, já no Século XIX, a crise do Direito Constitucional provocou uma pressão por direitos sociais. Esta a pressão por direitos sociais, talvez causa, talvez efeito do socialismo, provocou uma adaptação do Direito Constitucional e, em 1917, a Constituição Mexicana é a primeira a incorporar em seu texto preocupações com o social, sendo seguida pela Constituição Alemã de Weimar de 1919 e pela Constituição Brasileira de 1934. Esta inserção de direitos sociais nas constituições vai caracterizar o Estado Contemporâneo, segundo PASOLD (2):
As principais características diferenciadoras do Estado Moderno em relação ao Estado Contemporâneo é que este último:
1. Mantém consagrados os Direitos Individuais;
2. Insere como Direitos Fundamentais também os Direitos Sociais e/ou os Direitos Coletivos; e
    3. Para assegurar a efetiva realização desses Direitos estabelece e disciplina a intervenção do Estado nos domínios econômico e social.

     
    Bibliografia:
    1 - ALENCAR, José de. Systema Representativo. Brasília, Senado Federal, 1997 (edição fac-similar da obra editada no Rio de Janeiro, por B.L. Garnier, em 1868).
    2 - PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. Florianópolis, OAB/SC Editora co-edição Editora Diploma Legal, pp. 57 e 59.

     

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário