quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

AS FONTES DO DIREITO CONSTITUCIONAL


Fonte de Água em Sabará/Minas Gerais
BONAVIDES, tomando por base Xifra Heras e Biscaretti di Ruffia, vê as fontes como formas de manifestação da norma jurídica e vai dividi-las em escritas e não-escritas. MIAILLE [sob outro ângulo (2)]entende a expressão "fontes de direito" como o "modo de produção jurídico": O sistema das fontes de direito encontra-se, pela sua estrutura e pelo seu conteúdo, dependente do modo de produção econômico da sociedade; mas, por outro lado, no seio de uma formação social impõe-se um sistema de fontes de direito que dê coerência e eficácia ao próprio sistema jurídico.
Francês, MIAILLE vai buscar na França o sistema de fontes de direito lá em vigor. E, mesmo a partir de BONAVIDES, não há como o leitor encontrar possibilidades de manifestações da norma jurídica fora de um determinado ordenamento. Assim, "fontes do direito constitucional" serão vistas aqui como fontes do Direito Constitucional no ordenamento jurídico brasileiro.
O ponto de partida, pois, é deixar claro que será norma jurídica aquela dotada de bilateralidade atributiva [a um direito de alguém deve corresponder um dever de outrem;
alguém só tem um direito se outra pessoa tiver um dever: isto é bilateralidade atributiva (3)]. Assim, somente podem ser fontes do Direito Constitucional aquelas normas capazes de criar obrigações. E, somente podem criar obrigações de caráter geral, as leis:
Constituição da República Federativa do Brasil, Artigo 5º:
(...)
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
E somente podem criar "obrigações constitucionais" as normas constitucionais, ou seja, a constituição. Ao lado dela, direitos derivados do regime democrático e do sistema republicano, bem como princípios e tratados internacionais, que também podem ser fontes de caráter geral:
Constituição da República Federativa do Brasil, Art. 5º:
(...)
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.

 
Exemplo de tratado internacional adotado pelo Brasil:
DECRETO 678 DE 06/11/1992 - DOU 09/11/1992
Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
Rica), de 22 de novembro de 1969.
- Anexo ao Decreto que Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
Rica)
- Convenção Americana sobre Direitos Humanos
Art. 8º
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
(...)

 
A idéia de igualdade, por exemplo, resulta da forma republicana de governo; a idéia de eleição como critério de escolha, deriva do regime democrático e assim por diante.
Ao lado da lei, estão as decisões dos tribunais, com força vinculante somente para as partes do processo, salvo nos seguintes casos:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;
(...)
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

 
Leis complementares e leis ordinárias não são fontes de direito constitucional, especialmente se levarmos em conta as normas acima transcritas, segundo as quais se percebe não caber ação declaratória de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade de uma lei ordinária frente a uma lei complementar. Igualmente a doutrina (4) não é fonte do Direito Constitucional (nem fonte de outros ramos do direito: não é possível obrigar alguém a agir de acordo com o que determinado autor escreveu neste ou naquele livro jurídico). A jurisprudência (5), fora dos casos em que tem efeito vinculante (vide supra), também não é fonte de direito constitucional (nem, também, fonte de outros ramos do direito, já que fora do processo, ou seja, sem ter sido parte no processo objeto da decisão, ninguém pode ser obrigado a determinada conduta por força de uma jurisprudência – salvo, repita-se, quando a jurisprudência tiver caráter vinculante). A jurisprudência (e também a doutrina) pode ser usada como fundamento de decisão judicial. Na verdade, a jurisprudência é um indicativo de tendência de julgamento de um determinado tribunal. Em regra, ele pode ou não julgar de acordo com seus precedentes. Hoje há uma tendência de se obrigar o uso de precedentes, tanto no âmbito do poder judiciário, quanto no da administração pública:
DECRETO-LEI 5.452 DE 01/05/1943 - DOU 09/08/1943
Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.
Art. 8º As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

 
DECRETO-LEI 1.002 DE 21/10/1969 - DOU 21/10/1969
Código de Processo Penal Militar
CAPÍTULO ÚNICO - Da Lei de Processo Penal Militar e da sua Aplicação (artigos 1º a 6º)
Art. 3º Os casos omissos deste Código serão supridos:
(...)
b) pela jurisprudência;
(...)

 
LEI 5.869 DE 11/01/1973 - DOU 17/01/1973
Institui o Código de Processo Civil.

 
Art. 120. Poderá o relator, de ofício, ou a requerimento de qualquer das partes, determinar, quando o conflito for positivo, seja sobrestado o processo, mas, neste caso, bem como no de conflito negativo, designará um dos juízes para resolver, em caráter provisório, as medidas urgentes.
Parágrafo único. Havendo jurisprudência dominante do tribunal sobre a questão suscitada, o relator poderá decidir de plano o conflito de competência, cabendo agravo, no prazo de cinco dias, contado da intimação da decisão às partes, para o órgão recursal competente.
(...)
Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

 
(...)
§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

 
Art. 544. Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de 10 (dez) dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso.
(...)
§ 3º Poderá o relator, se o acórdão recorrido estiver em confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, conhecer do agravo para dar provimento ao próprio recurso especial; poderá ainda, se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito, determinar sua conversão, observando-se, daí em diante, o procedimento relativo ao recurso especial.

 
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
§ 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo

 
LEI 8.213 DE 24/07/1991 - DOU 25/07/1991 - REP 11/04/1996 - REP 14/08/1998
Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, e dá outras Providências.
Art. 131. O Ministro da Previdência e Assistência Social poderá autorizar o INSS a formalizar a desistência ou abster-se de propor ações e recursos em processos judiciais sempre que a ação versar matéria sobre a qual haja declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal - STF, súmula ou jurisprudência consolidada do STF ou dos tribunais superiores.

 
DECRETO 2.346 DE 10/10/1997 - DOU 13/10/1997
Consolida Normas de Procedimentos a serem Observadas pela Administração Pública Federal em Razão de Decisões Judiciais, Regulamenta os Dispositivos Legais que menciona, e dá outras providências.
Art. 6º O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS poderá ser autorizado pelo Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social, ouvida a Consultoria Jurídica, a desistir ou abster-se de propor ações e recursos em demandas judiciais sempre que a ação versar matéria sobre a qual haja declaração de inconsitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal-STF, súmula ou jurisprudência consolidada do STF ou dos tribunais superiores.
§ 1º Na hipótese prevista no caput, o Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social poderá determinar que os órgãos administrativos procedam à adequação de seus procedimentos à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou dos tribunais superiores.

 
DECRETO 3.048 DE 06/05/1999 - DOU 07/05/1999 - REP 12/05/1999 - RET 18 e 21/06/1999
Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências.
Art. 352. O Ministro da Previdência e Assistência Social poderá autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social a formalizar a desistência ou abster-se de propor ações e recursos em processos judiciais sempre que a ação versar matéria sobre a qual haja declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, súmula ou jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou dos tribunais superiores.

 
Vale lembrar que tanto a jurisprudência quanto a doutrina, ou mesmo leis infraconstitucionais podem ser usadas como fundamento de decisões judiciais que tratem de direito constitucional. Mas não é correto tê-las por "fontes do direito", salvo, sempre é bom ressalvar, quando a jurisprudência tiver efeito vinculante. E, quanto à decisão judicial [como lei entre as partes (6)], esta somente será fonte do direito naquele processo determinado e entre as partes que nele litigaram. Princípios gerais de direito e costume, apesar de serem admitidos, teoricamente, com fontes do Direito (inclusive do Direito Constitucional), são de difícil constatação. Afinal, de onde emanam os princípios? Dos brocardos jurídicos? E o costume, como pode ser provado? Pela pesquisa de opinião?

 
Notas e Bibliografia:
1 – BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros, 7 ed., 1997, p. 37.
2 – MIAILLE, Michel. Uma Introdução Crítica ao Direito. Tradução Ana Prata. Lisboa, Moraes Editores, 1979 p.190.
3 – Sobre bilateralidade atributiva veja REALE, Lições Preliminares de Direito. São Paulo, Saraiva, 9 ed., 1981, pp. 50-52.
4 – Conceito de doutrina: em direito, a palavra doutrina designa as obras jurídicas, os livros sobre o direito, que comentam as leis, ou tratam de assuntos jurídicos.
5 – Conceito de jurisprudência: Jurisprudência é palavra que designa as decisões dos tribunais. Vem da expressão "respostas dos prudentes", contida nas Institutas de Justiniano, Título II, § 8º.
6 - LEI 5.869 DE 11/01/1973 - DOU 17/01/1973


 

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