A medição da correspondência de um sistema punitivo aos anseios populares pela eficácia se dá com a verificação da resposta fatual que o povo dá, observando, ou promovendo e fiscalizando a aplicação da lei que estabelece determinado componente deste sistema punitivo, quando ocorre um fato tipificado como crime. Assim, o sistema punitivo será observado se as pessoas a ele sujeitas evitarem comportamentos puníveis e será aplicado se o Poder Judiciário punir aqueles que praticarem os fatos incriminados.
Acontece, porém, que não é fácil esta verificação. Para se ter um exemplo, em 1993, a Polícia Civil de Santa Catarina registrou 160.533 Boletins de Ocorrência. Destes Boletins, só 27.209 originaram Inquéritos Policiais [Fonte: Policia Civil do Estado de Santa Catarina. Dados coletados por BEGNINI, Elena M. et all. Trabalho inédito, depositado na Biblioteca da UNIVALI (Universidade do Vale do Itajaí-Biguaçu-SC)]. E, destes Inquéritos Policiais, é de se presumir que houve uma parte que não gerou denúncias e uma outra parte em que os réus foram absolvidos.
Não se pode, ainda, esquecer eventuais casos que sequer foram comunicados à Polícia. E esta não comunicação tanto pode ter ocorrido por temor de represálias, quanto por não verem, as pessoas, conduta criminosa num fato que é tipificado como tal pela lei. Nesta última condição, pode-se colocar como provável exemplo o chamado "mercado informal", que só no município do Rio de Janeiro abrigava, já na década de 1990 560 mil pessoas (FOLHA DE SÃO PAULO. Mercado informal abriga 560 mil no Rio. São
Paulo, 1º.jun.96, p. 2-4). Hoje, este mercado responde por 18% do PIB brasileiro. Uma das características do mercado informal é o não pagamento de impostos e a falta de registro nos órgãos oficiais (VEJA. Fortuna Invisível. São Paulo: ABRIL, ano 28, n. 36, 6.set. 95, p. 90). O não pagamento de impostos e demais tributos, bem como a falta de registro em órgãos oficiais, pode configurar crime contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90 e Código Penal, artigos 168-A, 297, §§ 3º e 4º e art. 337-A), sujeitando-se, portanto, os infratores, às penas previstas na referida legislação.
De se lembrar que a aplicação de uma norma penal requer, em geral, o concurso da Sociedade e do Estado: a comunicação do fato à policia, a instauração do inquérito policial, a denúncia do Ministério Público e a condenação do Judiciário constituem peças de uma engrenagem, movida não só pelo sentimento da obrigatoriedade do cumprimento do dever profissional (por parte da autoridade), mas também por pressões sociais. E estas pressões sociais são o móvel que leva alguém à delegacia, para comunicar um crime ou que estão por trás do clamor público que estimula o inquérito e o processo judicial. Por isso, há crimes que percorrem todo o caminho acima descrito, outros que param na metade e outros que sequer chegam à policia.
Em 1996 eram registrados um milhão de crimes no pais, mas a população carcerária compunha-se, em 1994, de 129.169 pessoas. Além deste contingente, havia um outro, composto por 275 mil pessoas, cujos respectivos mandados de prisão, já expedidos, estavam a espera de cumprimento (JORNAL DO MAGISTRADO. A Realidade das Penitenciárias. São Paulo, AMB, ano V, nº 25, dez.94/jan.95, p. 11). Sempre convém ponderar que Censos Penitenciários não incluem, em regra, todos os condenados do país: há os que foram condenados a penas não privativas de liberdade, os que tiveram suas penas privativas de liberdade suspensas, os que fizeram transação penal etc. Isto significa, portanto, que o Censo Penitenciário pode ser um indicativo da eficácia de um sistema punitivo, mas não o meio por excelência de fazer esta medição.
Posta a observação acima, fica claro que a melhor medição que se poderia fazer da eficácia do sistema punitivo brasileiro seria a análise das condenações (por sentença transitada em julgado) ocorridas no país, num dado espaço de tempo. Esta pesquisa seria bastante interessante e reveladora, mas não parece ter sido ainda feita.
De qualquer modo, um Censo Penitenciário pode trazer indicativos relevantes para a medição, pela eficácia, da correspondência de um sistema punitivo com os anseios populares.
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