Certidões, segundo MEIRELLES (MEIRELLES, Hely Lopes. DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO. São Paulo, Malheiros, 19 ed., 1994, p. 175), são cópias ou fotocópias fiéis e autenticadas de atos ou fatos constantes de processo, livro ou documento que se encontre nas repartições públicas.
E tanto as certidões devem ser respaldadas em outros documentos, que a lei não declara que as certidões lavradas em processos têm fé pública. Na verdade, lei declara como tendo fé pública As certidões ou contas que os leiloeiros extraírem de seus livros, quando estes se revestirem das formalidades legais, relativamente à venda de mercadorias ou de outros quaisquer efeitos que pela lei são levados a leilão (DECRETO 21.981 DE 19/10/1932, art. 35), Art. 19. As traduções feitas por corretores de navios, dos manifestos e documentos que as embarcações estrangeiras tiverem de apresentar para despacho nas Alfândegas e daquelas feitas por ocupantes de cargos públicos de tradutores ou intérpretes, em razão de suas funções e as feitas por qualquer dos tradutores públicos e intérpretes comerciais nomeados de acordo com o DECRETO 13.609 DE 21/10/1943 (art. 19); as traduções feitas pelos tradutores públicos e intérpretes comerciais que forem nomeados pelos Estados, Distrito Federal e Presidente da República (DECRETO 13.609 DE 21/10/1943, art. 20); A Carteira de Identidade instituída pelo Decreto nº 3.985, de 31 de dezembro de 1919, e expedida pelo Serviço de Identificação do Exército (art. 1º DECRETO 34.155 DE 12/10/1953); Os dois livros de protocolo dos corretores oficiais de valores, um para registro de títulos e outro para câmbio (LEI 2.146 DE 29/12/1953, Art. 4º); As certidões ou contas que os leiloeiros extraírem dos seus livros quando estes se apresentarem em forma regular, relativamente às vendas (LEI 4021 DE 20/12/1961, art. 16); os lançamentos e certidões das despesas de seguro, manutenção, conservação e administração, desde que, em cada SAC, sejam escrituradas em livro próprio (DECRETO-LEI 585 DE 16/05/1969, art. 3º); A Carteira de Identidade emitida por órgãos de identificação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (LEI 7116 DE 29/08/1983, art. 1º); O cartão de identidade emitido pelo Serviço de Identificação da Marinha (art. 1º do DECRETO 93.703 DE 11/12/1986); O Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador (art. 3º da LEI 8.935 DE 18/11/1994); A escritura pública, lavrada em notas de tabelião (Código Civil - LEI 10.406 DE 10/01/2002 - art. 215).
Este uso da palavra "certidão" no sentido de relato de fato, provavelmente resulta de uma degeneração de normas jurídicas antigas, causados pelo praxismo (termo derivado de uma expressão muito em voga no Brasil, no final do século XIX, qual seja, "praxe forense").
O Livro 3 das Ordenações Filipinas era o código de processo civil da época. Quando ali é são disciplinados os atos judiciários, se usa somente a expressão "fé" no sentido de relato digno de confiança:
"4. E se as citações se houverem de fazer em algumas Aldeias, ou no Termo, onde não houver Tabelião, ou Escrivão, o Juiz da Cidade, ou Vila, mandará, que a faça o Vintaneiro, ou Jurado da tal Aldeia, ou limite: o qual Jurado, ou Vintaneiro virá dar sua fé, ou a mandará per escrito ao Juiz: e o Juiz mandará a um Tabelião da dita Cidade, ou Vila, que com a fé da citação lhe passe um instrumento . E não havendo ali Tabelião, mandará ao Escrivão, da Câmera, que lhe passe Carta testemunhável com a dita fé da citação."
Ainda no Século XIX, o Código de Processo Comercial (Decreto 737 de 1850), usava a expressão fé e não certidão:
« Art. 46. Para a citação com hora certa requer-se:«1º - Que a pessoa que tem de ser citada, tendo sido procurada por três vezes, se oculte para evitar a citação, declarando-o assim na fé que passar o Oficial da diligência.«2º - Que a hora certa para a citação seja marcada pelo Oficial para o dia útil imediato, podendo-o fazer independente de novo despacho.«3º - Que a hora certa seja intimada à pessoa de família ou da vizinhança não havendo família, ou não sendo encontrada pessoa capaz de receber a citação.«4º - Que à pessoa assim intimada seja entregue contrafé com a copia da petição, do despacho do Juiz, da fé de ter sido a parte devidamente procurada, e da hora designada para a citação.5º - Que o Oficial vá levantar a hora certa, e não encontrado a parte passe de tudo a competente fé, dando-se por feita a citação.»
Em conclusão: o uso da palavra "certidão" em lugar de "fé" ou "termo de fé" gera confusão, pois a certidão é um relato de alguma coisa que está registrada em outro documento; a narrativa de um fato, não pode ser chamada de certidão, portanto. O que temos é a deturpação, pela praxe, do significado de expressões diferentes.
Não existe a "fé pública", até porque não existe "fé privada". A expressão é vazia de significado, ainda que usada em textos legais, provavelmente derivados da praxe e não de leis que deveriam ter servido de base para a elaboração das novas leis.
De qualquer sorte, aí está (nas Ordenações Filipinas) a origem do uso das expressões "fé pública", "dou fé", "pela fé de meu grau", "pela fé de meu cargo" e congêneres.
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