quinta-feira, 30 de junho de 2011

MEDIÇÃO DA LEGITIMIDADE DO SISTEMA PUNITIVO BRASILEIRO PELOS MEIOS NÃO ORTODOXOS

Ao lado dos meios clássicos, temos os meios não-ortodoxos de medição da correspondência do sistema punitivo brasileiro com os anseios populares. 
Em outra postagem, mostrou-se parte de um sistema punitivo em que havia leis aprovadas por um Congresso eleito por voto direto, universal e secreto e sancionadas por um Presidente eleito nas mesmas condições: corresponderia esta parte do sistema punitovo, por isso, aos anseios populares. Agora ver-se-á se tal condição é suficiente para que uma dada população considere tal sistema punitivo como fruto de sua vontade.
Pelo menos três pesquisas, realizadas em diferentes Estados brasileiros, revelam que os elementos dos respectivos universos sequer sabem de qual autoridade promanam as leis.
Entre os anos de 1975 e 1976, HERKENHOFF (HERKENHOFF, João Batista. O DIREITO DOS CÓDIGOS E O DIREITO DA VIDA. Porto Alegre:Sergio Antônio Fabris, 1993) efetuou pesquisa de opinião junto a Juízes de Direito e população do interior e da capital do Estado do Espírito Santo. Dentre os integrantes do universo de pesquisa, havia profissionais de diversas áreas; o nível de escolaridade era distribuído entre os vários graus e a classe social declarada era predominante média (pp. 56-65). Na opinião
de 82,3% dos entrevistados do interior e de 81% dos da capital, os Juizes de Direito deveriam baixar portarias e ordens para impor a lei (p. 125). Este resultado revela significativa ignorância quanto ao processo de elaboração da lei e sua obrigatoriedade, porquanto, segundo lembra o próprio HERKENHOFF, a vigência da lei independe (no sistema jurídico vigente no Brasil) de portarias ou ordens do juiz (p. 122).
Nos anos de 1978 a 1981, CALDEIRA (Teresa Pires do Rio. A POLÍTICA DOS OUTROS. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 10) realizou pesquisa de opinião e descritiva, tendo por universo uma vila de bairro da periferia do Município de São Paulo (SP): São Miguel Paulista. A vila era o Jardim das Camélias (p.9) e foram entrevistados 33 moradores, dentre operários, escriturários, donos de bar e outros profissionais (pp. 141-143). Segundo CALDEIRA (p. 213), para seus entrevistados ... "...as leis aparecem sempre relacionadas ao 'governo' e muito raramente ao Legislativo ( ... ) o Legislativo é algo desconhecido pelos moradores de São Miguel - não se associa a ele nem os parlamentares, nem as leis, que são sempre vistas como frutos da vontade do Executivo."
Resultados assemelhados aos de HERKENHOFF e de CALDEIRA aparecem em pesquisa realizada por mim na cidade de Itajaí (SC), entre outubro de 1986 e fevereiro de 1987. Entrevistadas 351 pessoas, cujos níveis de instrução se distribuíam entre os três graus e com renda superior a cinco salários mínimos para o contingente majoritário, destacam-se os seguintes percentuais: a) 39% disseram que as leis são elaboradas pelo poder Legislativo; 17,4%, pelo Executivo; 12,6%, pelo Legislativo e Executivo; 11,12%,por minorias; 5,5%, pelo Judiciário; 4,9%, pelo povo; 4,9%, não sabem quem faz as leis e 4,5%, por quem está no poder; b) 56,5 dos entrevistados achavam que não têm influência no processo de elaboração das leis; 39,5%, achavam que tinham influência e 4% não opinaram (BRANDÃO NETO, João Marques, A INTENÇÃO DE CUMPRIR A LEI. Itajaí, UNIVALI, 1992, p. 151).
Nesta mesma pesquisa foi constatado que os entrevistados se declararam dispostos a cumprir a lei independentemente do poder estatal que a tenha elaborado (Executivo, Legislativo ou Judiciário) (pp. 97-98).
É curioso notar, também, que, ainda nesta pesquisa, só 23,7% dos entrevistados declaravam que obrigações para todos são criadas por lei e 30,8% não souberam dizer como se criam tais obrigações (p.  157 ).
Já uma quarta pesquisa, realizada pelo IBOPE, nos dias 17 e 18 de janeiro de 1989, com 600 eleitores do Grande Rio e da Grande São Paulo, revelou que 70% dos entrevistados não confiavam nos Senadores e Deputados e apenas 20% declararam confiar. Dez por cento não opinaram. Estes números, em pesquisa de julho de 1992, também do IBOPE, então em todo o pais, mudariam, respectivamente, para 58%, 30% e 12% [GONTIJO, Silvana. A VOZ DO POVO - O IBOPE DO BRASIL. (sem local):Objetiva, pp. 171 e 205].
Em 14 de maio de 1996, o jornal Folha de São Paulo publicou pesquisa realizada junto a paulistanos, em 25 de abril, sobre o poder e prestigio das instituições. Resultou que 19% dos entrevistados consideraram o Congresso Nacional com muito prestígio. Este percentual era de 45% em outubro de 92 e 23% em dezembro de 1995 (FOLHA DE SÃO PAULO. Imprensa e a instituição com mais prestigio.São Paulo, 14.mai.96, p. 1-10).
Pesquisa realizada nos dias 25 e 26 de julho de 1994, junto a 14.493 eleitores de 10 Estados e do Distrito Federal, revelou que 54% dos entrevistados não sabiam em quem tinham votado para deputado federal em 1990, enquanto 20% se lembravam (dos restantes, 18% não votaram, 7% votaram em branco ou anularam o voto e 1% votou na legenda) (FOLHA DE SÃO PAULO. Olho no Voto- 54% não lembram em quem votaram. São Paulo, 18.set.94, p. A - 28).
Estes dados nem sempre significam que há discrepância entre o pensamento do Congresso e o dos eleitores. No tocante ao aborto, por exemplo, 45% dos parlamentares e 53% da população, em março de 1995, queriam que a legislação permanecesse como estava. Mas quanto à pena de morte, na mesma ocasião, 75% dos parlamentares eram contrários, enquanto 54% da população eram favoráveis (21% dos parlamentares eram favoráveis à pena de morte e 42% da população eram contrários) (FOLHA DE SÃO PAULO. Pena de morte opoe Congresso a eleitores. São Paulo, 17.abr.95, p . 1-8).
Especificamente em relação às penas, HERKENHOFF(1993:181-182), na pesquisa retro-mencionada, constatou que 49,7% dos entrevistados do interior e 27% da capital achavam que a prisão reabilita o criminoso. Pensavam o contrário 30,3% dos entrevistados do interior e 55,2% da capital. Já quanto ao trabalho para o preso, fora da prisão, eram favoráveis 88,4% (interior) e 84,5% (capital) (HERKENHOFF, 1993:186).
Por estes meios não-ortodoxos, observou-se que, nos locais e épocas pesquisados, as leis que cominam as penas, integrantes do sistema punitivo brasileiro, não correspondem totalmente aos anseios populares, seja por discordância com a lei, seja por desconhecimento ou desconfiança em quem a faz. 

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