terça-feira, 18 de outubro de 2011

Poder e Escravidão


No campo político a grande pergunta que se faz, no tocante ao poder, não é “como é exercido o poder?”  ou “como e por que alguém exerce o poder?”, mas sim “POR QUE OBEDECER?”. Vejamos um exemplo ocorrido na história do Brasil. Sabe-se que os escravos não ficavam o tempo todo presos ou acorrentados. Sabe-se, também, que a escravização dos índios nunca se institucionalizou, ou foi abolida diversas vezes(1), enquanto que a escravização dos africanos se institucionalizou. Não teria isto acontecido porque não havia escravidão entre os índios?  E porque, por outro lado, já na África, havia escravidão entre os africanos (Mali, Gana, principados yorubas, Congo, Ndongo, Luba, Lunda, Kasange, Matamba, Ndongo, Monotapa e outros)? Deste modo, a institucionalização da escravidão dos africanos, no Brasil, não poderia decorrer de uma cultura política trazida da África?
FLORENTINO(2) indaga se o tráfico negreiro poderia ocorrer sem a participação dos africanos, especialmente porque o apresamento dos escravos excepcionalmente era feito por euroamericanos e, em regra, por africanos. Além disso, muitos dos cativos, por volta do século XVII, se destinavam ao consumo dos próprios africanos:
No Congo, a população cativa chegou a representar cerca de 50% do total. Ali, o campesinato livre se submetia ao forte uso do escravismo pelo Estado, e os membros dos grupos domésticos podiam transformar-se em cativos por faltar com impostos e taxas, ou ainda por transgredir as normas tradicionais. No Ndongo, a classe dos escravos (quisicos) representava a base do poder real e dos chefes das linhagens mais poderosas. Em Soyo, a escravidão era uma forma de exploração tão importante quanto as taxações sobre o campesinato, o mesmo ocorrendo (com maior intensidade) nas terras Kimbundo do sul, nos Estados de Kasanje e Matamba, e nos reinos Luba e Lunda,

Pensar, portanto, que os negros aceitavam a escravidão no Brasil apenas por mera obediência, ou por medo, ou por não saberem como se libertar; acreditar que se tornavam escravos em virtude de mero apresamento, como resultado de caçadas humanas(3); negar que a aceitação da escravidão pelos negros, no Brasil dos quatro primeiros séculos, é resultado de uma cultura política; ignorar que a condição de escravo resultava da derrota em guerras ou da punição por dívidas e crimes, é uma forma de subestimar os negros que foram escravos no Brasil, é menosprezar sua inteligência e, acima de tudo, é uma manifestação de preconceito racial,  pois  inferioriza os negros em relação aos índios e aos brancos.
Enfim, este caso da obediência dos escravos aos seus senhores é um exemplo da grande pergunta que sempre se faz em ciência política: POR QUE OBEDECER? 
1- A escravidão dos índios foi abolida várias vezes em particular no século XVII e no século XVIII: ou seja, a abolição foi várias vezes, por sua vez, abolida. CUNHA, Manuela Carneiro da. Política Indigenista no Século XIX. Em  CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras:Secretaria Municipal de Cultura:FAPESP, 2ª edição/1ª reimpressão, 2002, p. 146.
2- FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras – Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, pp. 74, 86 e 99.
3- Mesmo as razias não têm o significado de “caçadas”.

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