sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Augusto

Não o conheci, mas é como se tivesse convivido com ele. Era preto, usava chapéu de abas largas, lábios grandes e pendentes (beiçudo, segundo se dizia), sempre empurrando um carrinho de mão. Provavelmente chegava até a casa da minha avó paterna vindo pela Rua Guarani, na direção do Rio Itajaí-Açu. Creio ser esta a direção, pois onde hoje é a Igreja Matriz da Paróquia do Centro de Itajaí, havia antes um cemitério.
Soube do fato do cemitério ficar no caminho de sua casa por um fato narrado por meu pai. Numa ocasião, Augusto ia para casa, levando uma garrafa vazia debaixo do braço, com o gargalo apontado para frente. O vento, entrando pelo gargalo da garrafa, provocou um assobio constante e isso aconteceu exatamente quando Augusto passava na frente do cemitério. O susto e o pânico fez Augusto acreditar que se tratava de uma alma a persegui-lo e o homem se pos a correr e quanto mais corria, mais a garrafa assobiava. Chegou em casa esbaforido e caiu em si quando, parado viu o barulho sumir. Ele próprio deve ter achado a história engraçada, pois, tendo-a vivido sozinho, encarregou-se de fazer piada de si mesmo.
Meu pai dizia que Augusto era filho de escravos, talvez neto. Viveu na primeira metade do século vinte, morrendo em fins da década de 50, já com uns 60 ou 70 anos (ainda neste tempo a vida média do brasileiro - especialmente se pobre - era curta).
O nome Augusto virou um código para nós. É que ele era um factótum para minha avó, especialmente depois que ela ficou viúva (meu avô morreu em 1930, proferindo um discurso no cemitério, em comemoração à revolução - ou golpe? - que acabara de acontecer). Só que os trabalhos de Augusto não eram contratados de acordo com as urgências ou necessidades (e daí veio o código). Ele era chamado só quando, casualmente, passava pela casa de minha avó. Assim, se quebrasse um trinco, se esperava o dia em que Augusto iria passar, para então fazer o conserto. Entupiu um cano? Quando o Augusto passar, se arruma; quebrou uma telha? Quando o Augusto passar ele a substitui. E até hoje, para nós, "quando o Augusto passar" virou sinônimo de tarefa adiável ou que se tem preguiça de fazer de imediato.

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