Deu-se o nome de Princípio da Insignificância a uma argumentação segundo a qual só há crime se o valor do dano for superior a determinada quantia em dinheiro. Tudo começou, no Direito Contemporâneo Brasileiro, por causa da dispensa de cobrança de dívidas com o fisco a partir de determinado valor (no final forneço link para pedido de arquivamento que fiz num processo, no qual dou mais detalhes sobre o assunto). Mas, como o princípio foi arbitrado sem qualquer lógica (pois de "princípio" só tem o nome) e sem exisitir base na lei, à medida que a quase anistia fiscal foi aumentando, foi crescendo o limite da impunidade. Hoje se chegou nos 10 mil reais, de modo que, como resultado da falta de objetividade e da base legal, o tal princípio vai se revelando auto-comburente. Assim, valem os 10 mil conforme a situação da vítima e do delinquente.
Segundo o STF, se for furtada uma bicicleta, avaliada em R$ 70,00 e uma garrafa de uísque, avaliada em R$ 21,80, não se aplica o princípio da insignificância. Também não se aplica se for o caso de porte de uma nota falsa de 50 reais. Mas se o furto é de um aparelho celular, se aplica. Se for um soldado do Exército que furtar 2 celulares, um no valor de R$ 169,00 e outro no valor de R$ 479,00, não se aplica. Se for roubo de 30 m de fio de cobre e uma lâmina de serra usada, tudo no valor de R$ 15,50, se aplica a insignificância (no caso houve ameaça por um grupo de pessoas de causar mal à vítima à noite). Já não se aplica se o réu entrar na residência da vítima para furtar um aparador de grama no valor de R$ 108,20. Num dos julgamentos, o STF dá como fundamento do princípio da insignificância o seguinte: Princípio que se presta a beneficiar as classes subalternas, conduzindo à atipicidade da conduta de quem comete delito movido por razões análogas às que toma São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a oculta compensatio.
Se, porém, alguém trouxer do exterior muamba no valor de R$ 20 mil e não pagar os tributos (que giram em torno de R$ 10 mil), será beneficiado pelo princípio da insignificância.
Há outras situações que também indicam a grande subjetividade que está norteando (ou desnorteando) a aplicação da insignificância. São decisões de outros órgãos do Judiciário, das quais tomei conhecimento na prática profissional: se o Fulano sonega tributos até 10 mil reais, se aplica a insignificância; mas se pratica estelionato para obter algum valor, ainda que inferior a 10 mil reais, do erário, não se aplica a insignificância (casos de pessoas que simulam aposentadoria junto ao INSS, ou continuam a receber o benefício de alguém que faleceu, por exemplo).
Num dos pedidos de arquivamento de contribuição previdenciária que fiz, o acusado havia empregado pessoas sem registro (trabalho informal). Este pedido - sem o nome das partes - e no qual há mais informações sobre o tema, inclusive os precedentes históricos sobre punição a crimes de pequeno valor (caso dos furtos de menos de um marco de prata nas Ordenações Filipinas) está no link. Para vê-lo, clique aqui.
O fato é que o princípio da insignificância, na prática, vai significar, na verdade, o fim de um processo sem muito trabalho (não há denúncia, não há audiências, nem sentença, nem recursos). Tecnicamente, o processo nem começa, pois seu início só se dá com o recebimento da denúncia. A forma legal de não prender/não punir alguém que pratica crimes de pequeno valor é o "perdão judicial". Ele só existe no furto e no estelionato (ver o link do pedido de arquivamento acima citado). Mesmo assim, só pode ser aplicado após processo regular (com denúncia, audiência, sentença e recurso) e o beneficiado pelo perdão ainda fica com o nome no rol dos culpados (ou seja, é tido como delinquente, fica com a ficha suja, mas não vai preso e nem sofre pena). Na insignificância não: quem cometeu o crime sai limpinho, como se réu primário fosse.
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