Para quem é leigo em Direito e não sabe o que é, audiência é um ato processual em que se ouve e se registra o depoimento de testemunhas, peritos etc num processo judicial (pode haver audiências em outros processos e procedimentos, também). Certa vez um jornalista (penso que foi Josias de Souza, na FSP) disse que as audiências judiciais (aí incluídas as sessões dos Tribunais) dividiam-se em enfadonhas e insuportáveis. Não lhe tiro a razão, especialmente depois que passo uma longa tarde participando de audiência.
Estas audiências são registradas em documento, o que, em linguagem jurídica se chama reduzir a termo. E estes termos invariavelmente começam com a expressão "aos costumes disse nada" (se a testemunha não for parente, amigo íntimo etc do autor ou do réu) ou "aos costumes disse ser pai do Réu" (se for esta a relação da testemuna com o réu). Esta expressão "aos costumes", porém, não consta em lei alguma que hoje esteja em vigor no Brasil. As leis que regulam as audiências são o Código de Processo Civil (CPC) e o Código de Processo Penal (CPP). O CPP não determina o uso de palavra especial alguma nos termos de depoimento, nem o CPP: ambos se limitam a dizer os casos em que as testemunhas não podem depor ou são suspeitas e a determinar que seja prestado (pelas testemunhas) o compromisso de dizer a verdade (CPC, artigos 279 e 417; CPP, artigos 208, 215 e 216). Para ver a íntegra do CPC clique aqui e do CPP, aqui.
Donde vem, portanto, a crença na obrigatoriedade de fazer constar dos termos de audiência a expressão "aos costumes"?
É que estes atos cotidianos da vida forense são feitos a partir de formulários, muitos dos quais repetidos há séculos. A exigência de colocar a expressão "aos costumes" estava, pelo menos, nas Ordenações Filipinas (podiam estar antes, em leis mais antigas), que começaram a vigorar no Brasil em 1603. O Texto é o seguinte:
Livro 1
TÍTULO LXXXVI
Dos Inquiridores
Os Inquiridores devem ser bem entendidos e diligentes em seus Ofícios, em modo que saibam perguntar e inquirir as testemunhas por aquilo, para que forem oferecidas. E antes que a testemunha seja perguntada, lhe será dado juramento dos Santos Evangelhos, em que porá a mão, que bem e verdadeiramente diga a verdade do que souber, acerca do que for perguntado. O qual juramento lhe será dado perante a parte, contra quem é chamada, se ela a quiser ver jurar; do qual juramento o Tabelião, ou Escrivão dará sua fé no dito da testemunha que escrever. E depois que assim jurar, dará seu testemunho secretamente, sem nenhuma das partes dele ser sabedor, até as inquirições serem abertas e publicadas. E assim as perguntará logo pelo costume e coisas, que a ele pertencem, convém a saber, se tem divido ou cunhadio com alguma das partes, e em que grau, e se tem tão estreita amizade, ou ódio tão grande a alguma delas, por que deixem de dizer a verdade. E se receberam de alguma delas ou de outrem em seu nome algumas dádivas, e se foram rogadas, ou subornadas, que dissessem em favor de alguma das partes: e lhes perguntarão por suas idades. E tudo o que disserem escreverá o Tabelião, ou Escrivão, que a inquirição escrever. Pelo qual costume perguntarão sempre as testemunhas, sob pena de perdimento dos Ofícios, assim nas inquirições devassas, como judiciais. Porém nas inquirições devassas gerais, ou particulares perguntarão pelo costume no fim do testemunho.
Para ver o texto completo nas Ordenações, edição de 1875, clique aqui.
Esclarecedor. Tenho certeza que muitas pessoas desconhecem o termo, mesmo os que trabalham na área.
ResponderExcluirGrata pela informação histõrico-jurídica. Foi muito esclarecedora.
ResponderExcluirParabéns pelo post.
Esclarecedor! Parabéns!
ResponderExcluirObrigado pela contribuição ,a democratização da informação e sua fundamentação são compromisso de uma sociedade próspera e fraterna.
ResponderExcluirQue belo trabalho de pesquisa, meus parabéns.
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